sábado, 7 de maio de 2011

Depois da Quebra do Sistema Financeiro do Primeiro Mundo, FMI Começa Enchergar outras Possibilidades

The IMF's change of heart

The International Monetary Fund has realised that a nation's economic well-being depends on social equality and justice [O Fundo Monetário Internacional se deu conta de que o bem-estar econômico de uma nação depende de igualdade e justiça social]

Joseph E Stiglitz, 07 May 2011 15:14

do Project Syndicate, na Al Jazeera

O encontro anual de primavera do Fundo Monetário Internacional foi notável ao marcar uma tentativa do FMI de se distanciar de suas próprias doutrinas de longo prazo sobre controle de capitais e flexibilização do mercado de trabalho. Parece que um novo FMI tem gradualmente, e cautelosamente, emergido sob a liderança de Dominique Strauss-Kahn.

Cerca de 13 anos antes, no encontro do FMI em Hong Kong, em 1997, o fundo tinha tentado emendar sua carta para ganhar mais poder para empurrar países à liberalização do mercado de capitais. O momento não poderia ter sido pior: a crise do Sudeste da Ásia estava em gestação — uma crise que foi resultado principalmente da liberalização do mercado de capitais naquela região que, dado o alto índice de poupança, era desnecessária.

As mudanças tinham sido defendidas pelos mercados financeiros ocidentais — e pelos ministros das finanças ocidentais que serviam lealmente aos mercados. A desregulamentação financeira nos Estados Unidos foi uma causa primária da crise que irrompeu em 2008, e a liberalização financeira e do mercado de capitais em outros lugares ajudou a espalhar o trauma "made in USA" por todo o mundo.

A crise demonstrou que mercados livres e sem restrições não são eficientes, nem estáveis. Eles também não fazem um bom trabalho no ajuste dos preços (vejam a bolha do mercado imobiliário), inclusive das taxas de câmbio (que na verdade são o preço de uma moeda em relação a outras).

Emerging markets, concerned countries

A Islândia demonstrou que responder à crise impondo controle de capitais poderia ajudar pequenos países a gerenciar o seu impacto. E o "quantitative easing" (QEII) do Banco Central dos Estados Unidos [através do qual o BC americano compra papéis do Tesouro, inundando o mundo de dólares] tornou o descarte da ideologia dos mercados sem restrições inevitável: o dinheiro vai para onde os mercados acreditam que o retorno será maior. Com os mercados emergentes em boom, e os Estados Unidos e a Europa em dificuldades, estava claro que muito da nova liquidez criada encontraria o caminho dos mercados emergentes. Isso era especialmente verdadeiro considerando que os dutos do crédito nos Estados Unidos estavam entupidos, com vários bancos regionais e comunitários ainda em posição precária.

A inundação de dinheiro nos mercados emergentes [ver a valorização do real no Brasil] significa que mesmo os ministros das finanças e governantes dos bancos centrais — que se opõem ideologicamente à intervenção — acreditam que não tem escolha. Na verdade, um país depois do outro tem escolhido intervir para evitar que o valor de suas moedas dispare.

Agora o FMI abençoou tais intervenções — mas, numa concessão aos que ainda não estão convencidos, sugere que isso só deve ser feito como último recurso. Ao contrário, deveríamos aprender com a crise que os mercados financeiros precisam de regulamentação, e que os fluxos de capitais através de fronteiras são particularmente perigosos. Tais regras deveriam ser uma peça-chave de qualquer sistema para garantir a estabilidade financeira; recorrer [ao controle de capitais] apenas em último caso é uma receita para contínua instabilidade.

Existe um grande número de ferramentas disponíveis para o gerenciamento do fluxo de capitais e seria melhor que os países usassem um menu delas. Mesmo que não sejam completamente eficazes, são tipicamente muito melhor que nada.

Mas uma mudança ainda mais importante é a conexão que o FMI finalmente desenhou entre desigualdade e instabilidade. A crise foi largamente o resultado das tentativas dos Estados Unidos de dar impulso a uma economia enfraquecida por desigualdade crescente, através de uma taxa de juros baixa e do relaxamento da regulamentação [permitindo que os norte-americanos se afundassem em dívidas, parte delas feita com o refinanciamento de imóveis. O gajo refinanciava a casa, pegava dinheiro do banco e pagava a faculdade dos filhos, comprava um carro novo e assim por diante] — o que resultou em muita gente emprestando além de sua capacidade de pagar. Serão anos para desfazer as consequências deste endividamento excessivo. Mas, como outro estudo do FMI nos lembra, não é um novo padrão.

Unemployment, rising class-divide

A crise também colocou em teste outros dogmas de longo prazo que culpam a rigidez do mercado de trabalho pelo desemprego, já que países com salários mais flexíveis, como os Estados Unidos, se deram muito pior que países do norte europeu, inclusive a Alemanha. Na verdade, quando os salários enfraquecem, os trabalhadores terão ainda mais dificuldades para pagar o que devem, e os problemas no mercado imobiliário serão ainda piores. O consumo continuará represado e uma recuperação forte e sustentável não poderá ser bancada com outra bolha baseada em dívidas.

Os Estados Unidos são tão desiguais quanto eram antes da Grande Recessão e a crise, gerenciada da forma como foi, aumentou ainda mais a desigualdade de renda, tornando a recuperação ainda mais difícil. Os Estados Unidos estão a caminho de criar sua própria versão da malaise de estilo japonês [baixíssima taxa de crescimento desde os anos 90].

Mas existem formas de escapar deste dilema: reforçar o poder coletivo de barganha [dos trabalhadores], reestruturar dívidas imobiliárias, usar cenouras e porretes para forçar os bancos a retomar os empréstimos, reeestruturar a cobrança de impostos e os gastos públicos para estimular a economia agora através de investimentos de longo prazo, e implementar políticas sociais para garantir oportunidade para todos. Do jeito que está, com quase um quarto da renda e 40% da riqueza dos Estados Unidos indo para o 1% do topo, os Estados Unidos são agora ainda menos uma "terra de oportunidades" que a "velha" Europa.

Para progressistas, esses fatos abismais já são parte de uma litania de frustrações e ultraje justificado. O que é novo é que o FMI aderiu ao coro. Quando Strauss-Kahn concluiu seu discurso na Brookins Institution pouco antes do recente encontro do Fundo, disse: "No fim das contas, emprego e igualdade são tijolos da estabilidade econômica e da prosperidade, da estabilidade política e da paz.  Este é coração do mandato do FMI. Precisa ser colocado no coração da agenda política".

Strauss-Kahn está se provando um líder sagaz do FMI. Podemos apenas esperar que os governos e os mercados financeiros ouçam as palavras dele.

Joseph E. Stiglitz is a professor at Columbia University, a Nobel laureate in Economics, and the author of Freefall: Free Markets and the Sinking of the Global Economy. He is also a former Senior Vice President and Chief Economist of the World Bank.



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