segunda-feira, 25 de julho de 2011

Esta crise se deve ao mecanismo de socialização das perdas e privatização dos lucros

A crise global atual não se deve, afirma o economista italiano Carlo Vercellone, à falta de intervenção estatal, mas ao modo preciso como os Estados se moveram para salvar o capital. Portugal, Irlanda, Grécia, Espanha (os PIGs, "porcos", como estes países são chamados por suas iniciais em inglês) aparecem como os elos mais frágeis do Velho Continente, que hoje estouram socialmente e atualizam o debate sobre o destino das medidas de ajuste.

Vercellone, professor de Economia na Sorbonne, de Paris, foi convidado a vir a Buenos Aires pela Universidade de General Sarmiento, onde debateu com pesquisadores e economistas locais e desenvolveu sua tese de que estamos em um "capitalismo cognitivo" (que não tem nada a ver com o festejo das inovações tecnológicas na produção). Em conversa com Cash, Vercellone aporta uma perspectiva da crise, defende a atualidade das instituições do Estado de bem-estar e especula sobre as alternativas, ultrapassando as receitas neoliberais.

A entrevista é de Veronica Gago e está publicada no jornal argentino Página/12, 24-07-2011. A tradução é do Cepat.

Eis a entrevista.

Como caracteriza a crise atual?

A crise global é absurda por duas razões articuladas. A primeira é que, efetivamente, a crise da dívida deriva da intervenção que diferentes Estados e instituições públicas fizeram para salvar o capital dos efeitos da própria crise produzida pelos mercados financeiros. Essencialmente, esta crise de dívida se deve a este tipo de mecanismo de socialização das perdas e privatização dos lucros, e a tentativa de evitar uma espiral deflacionista como a de 1929.

Isso significa que esta crise poderia ter sido evitada?

A Europa se encontra em uma situação em que poderia dispor, a nível macroeconômico, do conjunto dos instrumentos para evitar esta crise. Com exceção da Grécia, onde existia uma tendência de alta do gasto público, nos outros países a dívida pública é elevada apenas para salvar os bancos. Mas se a Europa simplesmente aceitasse criar moeda, rompendo com os artigos da Constituição Europeia que proíbem o Banco Central Europeu de adquirir diretamente os títulos da dívida pública dos Estados-membros, teria sido capaz de garantir a dívida soberana dos diferentes Estados. Desta maneira, a especulação dos mercados financeiros teria sido, de fato, praticamente bloqueada. Monetizar a dívida pública através da intervenção do banco central e negociar com o mercado como se fez no chamado Terceiro Mundo para reestruturar a dívida, teria evitado uma crise como a atual, porque o mercado teria que ceder. A questão é saber por que isto não foi feito.

E por quê?

Creio que há duas razões essenciais que fazem ver na Europa um exemplo fortíssimo do poder da renda no capitalismo contemporâneo. O Estado era muito forte quando havia uma regulação keynesiana da moeda que supunha uma relação entre o banco central e o tesouro público. Isso significava que quando o conflito social pressionava fortemente sobre as estruturas do Estado, este era obrigado a criar moeda para, em certo sentido, favorecer o desenvolvimento do salário socializado e financiar o serviço coletivo do Estado de Bem-estar Social. Quando se decide romper o cordão umbilical entre o banco central e o tesouro público, e instalar a regra monetarista da oferta de moeda, é feito para poder desvincular o governo da pressão e das demandas das lutas. Tudo isto com o pretexto oficial de reduzir o peso da dívida pública. Assim, quando se proíbe financiar o gasto público – e a expansão do salário social – através da criação monetária por meio do banco central, obriga-se o Estado para que vá buscar financiamento nos mercados financeiros. Este período corresponde ao começo dos anos 1980, à primeira grande fase de desenvolvimento do capital financeiro.

Mas os efeitos são outros.

Evidentemente, isto não se traduz na redução do gasto público, mas em sua explosão enquanto depende de duas variáveis: do crescimento do produto interno e do nível das taxas de juros. Tendo rompido com a política keynesiana, por um lado o crescimento diminui e, por outro, as taxas de juros explodem. O resultado é exatamente o contrário do que se pensava. Na realidade, foi uma passagem de mecanismos de poder: do mecanismo de regulação da moeda que favorecia o salário social para o mecanismo de regulação da moeda que favorece o poder da renda. Tudo isto leva a pensar que a Europa e suas instituições não sofrem tanto, como se diz, de uma falta de soberania política, mas que esta soberania política é completamente absorvida pelo poder da renda financeira.

Neste contexto, você reivindica a defesa dos direitos do Estado de Bem-estar Social.

Nesse contexto, entra em jogo de modo estratégico a questão da privatização dos serviços coletivos do Estado de Bem-estar Social. Como podemos constatar na crise atual, os setores em que a demanda tende a permanecer estável ou a crescer, apesar da crise, são os setores de primeira necessidade como os bens alimentícios ou as demandas para os setores da saúde e da educação. Na Europa, estes setores eram garantidos essencialmente pela lógica do Estado de Bem-estar Social, como uma lógica para além do mercado. Na Grécia, justamente, se está experimentando um mecanismo potente de privatização de serviços coletivos do Estado de Bem-estar Social porque, creio, representa uma das últimas fronteiras que se abre à expansão mercantil do capital.

Esses setores sociais não representam hoje a mesma coisa que há 30 anos.

Pode-se dizer que o desenvolvimento do capital durante o capitalismo industrial se fundou sobre a integração progressiva daquilo que em princípio era externo ao capital. Por exemplo, a própria esfera das necessidades era inicialmente externa ao capital, depois, pouco a pouco, o consumo privado foi se integrando à acumulação do capital. Em um certo ponto, com o desenvolvimento dos serviços coletivos do Estado de Bem-estar Social, se deu uma espécie de exterior pós-capitalista. Nesta fase, a posta em jogo estratégica é conquistar, como se se tratasse de uma necessidade objetiva, este exterior ao capital para poder reconduzi-lo ao interior da lógica da formação de capital. É preciso destacar que hoje setores como a saúde e a educação têm um novo papel: são essenciais para o controle biopolítico da população,são aqueles onde a demanda está destinada a crescer e ao qual o capitalismo não poderá responder eficazmente.
Fonte: IHU

sexta-feira, 8 de julho de 2011

A Grécia arde enquanto a democracia européia está de joelhos

A crise grega é analisada por Bruno Lima Rocha, cientista político, docente de comunicação e pesquisador da Unisinos, vinculado ao Grupo Cepos, do PPG em Comunicação da Unisinos e por Fábio López López, economista.

Eis o artigo.

O dia 29 de junho de 2011 implica numa amarga derrota para a idéia de democracia européia em geral e, particularmente, deixa a Grécia de joelhos diante do Fundo Monetário Internacional (FMI), este operando como cabeça de ponte dos agentes do sistema financeiro a comprometer a banca oficial na Europa unificada. Apesar da cultura política grega ter alto nível de violência e conflito, o que se viu ultrapassa um quebra-quebra de manifestantes revoltados. O espanto calamitoso de um governo de centro-esquerda (do PASOK) eleito (mais um dentre tantos) para frear a "crise" e que termina servindo como aríete dos financistas contra os direitos das maiorias, significando para seus eleitores algo dramático, tal como uma punhalada pelas costas, uma traição profunda. Grécia, Espanha e Portugal acordam assustadas do sonho de prosperidade europeu, bancado pelo euro, Alemanha e França e retornam para o sul do mundo, de onde em tese teriam saído há mais de trinta anos.

No Velho Mundo, a chamada crise das sub-primes, ou como dizem os manifestantes do 15-M espanhol, "a estafa com nome de crise", retoma o conceito do Sul da Europa, ou Semi-periferia. Há algo em comum entre Espanha, Portugal e Grécia, além de terem sido os últimos países europeus a realizar a transição para a democracia representativa e haver recebido volumosos fundos da União Européia. Estes três Estados perderam qualquer capacidade de decisão soberana sobre seus próprios recursos e destinos, condicionando assim as vontades das maiorias democraticamente exercidas a um jogo de faz de conta. Governo que entra governo que sai, e a partir dos convênios e pacotes firmados junto ao FMI, restaria pouquíssima margem de manobra para os novos executivos e os blocos parlamentares de sustentação.

Como sempre ocorre, a noção de ordem previamente estabelecida, mesmo sendo fantasiosa, dá um sentido tranqüilizante para a maioria. Mas, a bem da verdade, "em economia a maioria sempre se equivoca". A frase não é nossa, é simplesmente de John Kenneth Galbraith, economista muito citado e cujo pensamento pouco se encontra nas publicações especializadas. Tal citação está na coluna da respeitada economista Amparo Estrada, no jornal espanhol de centro-esquerda Publico.es. Enfim, não se trata necessariamente de uma publicação de economia política crítica e muito menos autogestionária. É apenas mais um esforço contra a maré de desinformação sistemática oriunda da fábrica de sentidos (ou mentiras) da besta financeira. Porque o que houve na economia européia não foi o excesso de gasto público como garantia de um patamar mínimo do Estado de Bem-Estar Social, co-existindo num mundo de Globalização Capitalista sob pressão dos países do G-20 (liderados pela China). A diferença da estafa dos fundos de investimento e a bolha imobiliária dos EUA, na Europa foi o sistema financeiro formal que entrou na jogatina. A contaminação de bancos de correntistas e varejo, levou aos líderes europeus a convocar uma política de "salva bancos", retirando dos tesouros nacionais e aumentando o endividamento público como garantia de que os maiores bancos não quebrassem. Como o sistema financeiro de moeda única é subordinado ao Banco Central Europeu, este executa acordos supra-nacionais, forçando "políticas de austeridade" como garantia de pagamento das dívidas dos Estados, mantendo assim o fluxo de dinheiro público para o sistema financeiro. Como se diz na gíria dos críticos da direita financeira (ideologicamente vinculada ao mundo das finanças e especulação sem lastro), "a besta está cada vez mais faminta".

Ao contrário do apregoado pelos arautos do sistema, e repetido em laudas sem fim nas redações e faculdades de economia, o problema de fundo não reside na redução dos gastos públicos e sim na luta por tornar-se dono de sua capacidade de endividamento. Como nos explica o economista de linha crítica keynesiana, Vincenç Navarro (http://www.vnavarro.org/), no neoliberalismo o Estado não é um problema e sim a solução, como fonte quase inesgotável de financiamento e rolagem de dívida. É exatamente o termo de subordinação, sujeição coletiva, que foi recém votado na Grécia (no Parlamento, fabricando salsichas como se diz na gíria do meio) e antes esteve na Islândia e fora rejeitado. Tem uma diferença. Na "terra do frio", a população foi a plebiscito e decidiu-se por não pagar as dívidas com o sistema financeiro lá operando e que chegara ao ponto absurdo de gerar moeda. Os gregos refizeram a ágora democrática a base de pau e pedra enquanto os parlamentares, mais uma vez, traíam a representação soberana dos cidadãos. Na Islândia a ameaça da besta se cumpriu. Os bancos europeus retaliaram e fizeram uma gritaria, afirmando que o capitalismo corria risco sistêmico. Na verdade, dura e crua, é que são os maiores bancos da Europa os causadores da crise, os beneficiados da estafa e os grandes interessados na aceitação dos "pacotes de austeridade", garantindo assim que a taxação destes Estados sobre seu povo seja a garantia de pagamento da dívida para com os próprios bancos.

A Grécia é o típico exemplo de um governo títere, assessorado por um lobo a tomar conta do galinheiro. Explicamos. No governo anterior do Partido Conservador (ND), o Ministério da Economia teve como "consultores" aos executivos do Goldman Sachs, a mesma empresa de fundos de risco que produzira enormes rombos no caixa dos EUA, além de emplacar o último secretário do Tesouro de Bush Jr, Henry Paulson, ex-executivo da Goldman Sachs e um dos campeões mundiais em recebimento de "bônus de produtividade!". O Estado grego, de tão bem assessorado que foi, maquiou seus balanços (tal e como o golpe da empresa Enron, a primeira grande estafa na era dos papéis podres) e aumentou sua dívida para além do acordo europeu (60% de endividamento e 3% de déficit público). O buraco sem fim foi alargado nas obras para as Olimpíadas de 2004 e, simultaneamente, em operações criminosas de swap cambial, cuja aleatoriedade era nenhuma e o Banco Central grego acabava pagando mais do que podia aos apostadores da roleta digital. A dívida crescera em exorbitância. Agora, que não tem mais como rolá-la, o Banco Central Europeu (BCE) oferece o beijo de vampiro através do FMI, o mesmo que instaurara o absurdo corralito ao final do governo De la Rúa, resultando na rebelião piquetera, no cacelorazo e sua derrubada através de uma pueblada aos gritos do lema: "que se vayan todos!".

Estes dados – irrefutáveis – justificam a tese que da subordinação coletiva, onde os Estados Nacionais adotam tais políticas que beneficiam os bancos e porque aceitam ser "assessorados" por banqueiros. Os Estados Soberanos deixaram de ser soberanos, por conta do seu nível de endividamento, implicando na perda ainda maior da já pouca soberania popular através do voto e outros mecanismos de democracia indireta. Eles são dependentes do crédito dos banqueiros, que usam tal poder para impor políticas aos Estados. Basta imaginar a condição de chantagem que um grande conglomerado pode fazer ao dizer... "não compro mais seus títulos para rolagem da divida soberana!" Isso ocorreu em sucessivos ataques contra moedas de países-alvo, desde o Efeito Tequila (1994 e 1995), passando pela crise da Rússia (1998, 1999) e agora após a quebra de 2008. Atualmente os bancos agora são sócios do Estado, fenômeno este já antes verificado nas monarquias absolutistas e em Cidades-Estado como Veneza e Florença.

Qualquer semelhança com a rebelião grega não é nenhuma coincidência. De forma quase ininterrupta, os gregos estão nas ruas desde outubro de 2008. Na ocasião, o assassinato pela polícia de um jovem libertário em uma manifestação noturna, acendeu a chama em uma juventude marcada pela alta qualificação nos estudos formais e quase nenhuma perspectiva de emprego e independência financeira. Ao longo de 2010, após o ataque planejado contra a moeda grega, ato este que ocorrera em fevereiro de 2010 em uma reunião informal de mega especuladores (big shots) das finanças em escala mundial, somou-se à rebelião de juventude marcada por aspectos de contracultura anti-autoritária, o esforço organizativo dos sindicatos daquele país. O resultado são greves gerais contínuas e a não legitimidade do governo do Pasok (centro-esquerda, da mesma linha do PSOE espanhol) que tenta empurrar o acordo com o FMI goela abaixo através de maioria parlamentar conseguida no acordo com a extrema direita. 

Na Espanha, a partir de 15 de maio do corrente ano, uma parcela significativa da juventude espanhola (até 30 anos de idade), convoca acampamentos nas praças, boicotando a política oficial e não participando das eleições municipais. Neste pleito, surge o típico paradoxo da democracia representativa. O Partido Popular (misto de pós-franquismo com neoliberalismo selvagem, co-representado pelo grupo midiático Intereconomía) tem uma vitória arrebatadora, galvanizando o voto de protesto contra as vacilações de José Luiz Zapatero (PSOE) e sua demora, tanto em tomar medidas contra a estafa bancária (repito, chamada de "crise" pelos supostos especialistas), como em diminuir la fiesta, a farra dos gastos públicos, aumentando a política de pão e circo, através do consumo cultural de massa, o futebol enriquecido e o lazer de larga escala.

A fraude com nome de "crise", seus mecanismo de desinformação

É hora de chamar os economistas neoliberais (tanto os da escola austríaca como os tributários de Chicago) para a peleia intelectual, desembainhando as adagas e duelando. Qualquer economista político de mediana capacidade desmente estas premissas pseudo-científicas, que nada mais são do que modelos doutrinários pré-concebidos. Tanto a leitura do já citado espanhol Vincenç Navarro, como do professor da PUC-SP, Ladislau Dowbor (http://www.dowbor.org/) em seus excelentes ensaios "A crise financeira sem mistérios" e "Manifesto por uma Democracia Econômica", bastam para compreender os mecanismos da estafa que a mídia "especializada" (como The Economist, ou Intereconomía da Espanha) batizara de "crise", como para interpretar as formas de discurso que busca re-legitimar os pactos entre Estados através dos interesses de bancos e fundos de investimento.

Vale observar mais uma vez o fenômeno da desinformação estrutural, implicando nos sentidos massificados pela mídia corporativa e a favor da globalização transnacional capitalista. Mesmo não sendo cientificamente comprovado, reconhecemos que o termo crise é o mais evidente, e que não fica tão nítida para o leitor, sobre o que se sustenta a tese de q na verdade não existe uma crise. A média das pessoas está convencida de que a "crise" existe e simplesmente afirmar que isso é uma invenção de alguns agentes manipuladores, parece insuficiente. Reconhecemos, é necessário algo que justifique ou explique isso, alguma evidencia. Este conceito da "fraude com nome de crise" pode ser afirmado a partir do postulado de que é impossível haver equívoco entre agentes com experiência e forte posição de mercado, quando estes mesmos agentes são detentores de informação perfeita. Estes são os causadores das fraudes em escala global, cuja conta que não fecha e é comprometedora de todo o sistema financeiro, termina por afogar os caixas nacionais, ou supra-nacionais, como é  o caso da Europa unificada. Estes são os causadores da "crise", os mega especuladores, os fraudadores, cujas posições iniciais terminam por gerar o comportamento de manada nos demais especuladores e agentes com menor poder de barganha.

A desfaçatez é tamanha que o próximo presidente do Banco Central Europeu já traz consigo a marca da direita financeira. O italiano Mario Draghi, que irá assumir no início de 2012, é um operador das privatizações de estatais italianas, incluindo o muito conhecido no Brasil imbróglio da Telecom Italia – que tem conseqüências na disputa de controle pela Brasil Telecom contra o Citigroup, tendo como fiel da balança e voto de minerva na composição acionária a ninguém menos do que o Opportunity na figura de Daniel Dantas. Além disso, Draghi é simplesmente um ex-alto executivo da Goldman Sachs, empresa de fundos de investimento de risco cujo DNA está contém uma das maiores fraudes em papéis e ativos da história mundial, cujo operador principal fora Henry Paulson. Esta é outra evidência para expormos a tese de dependência dos Estados ao setor financeiro privado ou para-estatal. O poder desses agentes é tanto que eles escolheram o presidente do BC europeu.

A Europa do Sul é a América Latina de ontem?

A situação de Portugal, Espanha e Grécia é pior que a dos países da América Latina sob alguns aspectos. O fato destes países não terem a senhoriagem do dinheiro, não poderem desvalorizar seu câmbio, apenas aprofundará o sofrimento desses povos. Num momento como esse, um país que manda em sua moeda pode recorrer a uma desvalorização. Assim, com essa desvalorização, se redefinem os preços dentro do país e compensa a ineficiência produtiva deste. Deste modo, em um momento de queda de demanda (família, governos – central e sub-nacionais – e empresários param de gastar e investir) a demanda externa pode amenizar a situação. É preciso recordar que, para estes países, a adoção do euro foi dolorosa, pois os cidadãos sentiram a perda no realinhamento dos preços – sendo tudo arredondado para cima, menos os salários. Muito parecido com os primeiros anos da adoção do Plano Real no Brasil, quando saímos da estagflação (estagnação econômica com inflação galopante), para a estagnação com a economia estável. Em suma, fizeram um pobre grego usar uma moeda do nível da Alemanha, cabendo a esta última pagar a maior parte da conta da Europa inteira.

Não apenas estes países estão enrascados, a Itália, por exemplo, logo entra no mesmo problema. Isto pode gerar efeitos de aprofundamento do problema, chegando ao conjunto da União Européia, comprometendo, por motivos de interdependência, uma grande parcela da economia mundial. Nunca é demais lembrar que o mecanismo de concentração e empobrecimento, além de matar pessoas, depois de muito tempo, pode chegar inclusive a atingir uma parte dos próprios bancos. A solução Keynesiana de "gastem e se endividem com juros baixos", já foi aplicada. E agora restam poucos instrumentos para recuperar a saúde da economia.   

Nesta situação desesperadora, com a Europa à beira de um ataque de nervos, é onde verificamos os reais limites da democracia representativa e da unificação através de mercados, como não condizentes com as promessas tanto de Bem-Estar Social como de exercício soberano da vontade das maiorias. Os governos de Portugal, Espanha e Grécia estão diante de um túnel do tempo, retrocedendo ao período em que na América Latina, o FMI ditava as regras e o Poder Executivo de nossos países operava como títere deste organismo multilateral.

Mas, como sempre, há esperança e esta vem de baixo. A democracia se reinventa nas praças das maiores cidades espanholas e nas ruas da Grécia.
A crise grega é analisada por Bruno Lima Rocha, cientista político, docente de comunicação e pesquisador da Unisinos, vinculado ao Grupo Cepos, do PPG em Comunicação da Unisinos e por Fábio López López, economista.

Eis o artigo.

O dia 29 de junho de 2011 implica numa amarga derrota para a idéia de democracia européia em geral e, particularmente, deixa a Grécia de joelhos diante do Fundo Monetário Internacional (FMI), este operando como cabeça de ponte dos agentes do sistema financeiro a comprometer a banca oficial na Europa unificada. Apesar da cultura política grega ter alto nível de violência e conflito, o que se viu ultrapassa um quebra-quebra de manifestantes revoltados. O espanto calamitoso de um governo de centro-esquerda (do PASOK) eleito (mais um dentre tantos) para frear a "crise" e que termina servindo como aríete dos financistas contra os direitos das maiorias, significando para seus eleitores algo dramático, tal como uma punhalada pelas costas, uma traição profunda. Grécia, Espanha e Portugal acordam assustadas do sonho de prosperidade europeu, bancado pelo euro, Alemanha e França e retornam para o sul do mundo, de onde em tese teriam saído há mais de trinta anos.

No Velho Mundo, a chamada crise das sub-primes, ou como dizem os manifestantes do 15-M espanhol, "a estafa com nome de crise", retoma o conceito do Sul da Europa, ou Semi-periferia. Há algo em comum entre Espanha, Portugal e Grécia, além de terem sido os últimos países europeus a realizar a transição para a democracia representativa e haver recebido volumosos fundos da União Européia. Estes três Estados perderam qualquer capacidade de decisão soberana sobre seus próprios recursos e destinos, condicionando assim as vontades das maiorias democraticamente exercidas a um jogo de faz de conta. Governo que entra governo que sai, e a partir dos convênios e pacotes firmados junto ao FMI, restaria pouquíssima margem de manobra para os novos executivos e os blocos parlamentares de sustentação.

Como sempre ocorre, a noção de ordem previamente estabelecida, mesmo sendo fantasiosa, dá um sentido tranqüilizante para a maioria. Mas, a bem da verdade, "em economia a maioria sempre se equivoca". A frase não é nossa, é simplesmente de John Kenneth Galbraith, economista muito citado e cujo pensamento pouco se encontra nas publicações especializadas. Tal citação está na coluna da respeitada economista Amparo Estrada, no jornal espanhol de centro-esquerda Publico.es. Enfim, não se trata necessariamente de uma publicação de economia política crítica e muito menos autogestionária. É apenas mais um esforço contra a maré de desinformação sistemática oriunda da fábrica de sentidos (ou mentiras) da besta financeira. Porque o que houve na economia européia não foi o excesso de gasto público como garantia de um patamar mínimo do Estado de Bem-Estar Social, co-existindo num mundo de Globalização Capitalista sob pressão dos países do G-20 (liderados pela China). A diferença da estafa dos fundos de investimento e a bolha imobiliária dos EUA, na Europa foi o sistema financeiro formal que entrou na jogatina. A contaminação de bancos de correntistas e varejo, levou aos líderes europeus a convocar uma política de "salva bancos", retirando dos tesouros nacionais e aumentando o endividamento público como garantia de que os maiores bancos não quebrassem. Como o sistema financeiro de moeda única é subordinado ao Banco Central Europeu, este executa acordos supra-nacionais, forçando "políticas de austeridade" como garantia de pagamento das dívidas dos Estados, mantendo assim o fluxo de dinheiro público para o sistema financeiro. Como se diz na gíria dos críticos da direita financeira (ideologicamente vinculada ao mundo das finanças e especulação sem lastro), "a besta está cada vez mais faminta".

Ao contrário do apregoado pelos arautos do sistema, e repetido em laudas sem fim nas redações e faculdades de economia, o problema de fundo não reside na redução dos gastos públicos e sim na luta por tornar-se dono de sua capacidade de endividamento. Como nos explica o economista de linha crítica keynesiana, Vincenç Navarro (http://www.vnavarro.org/), no neoliberalismo o Estado não é um problema e sim a solução, como fonte quase inesgotável de financiamento e rolagem de dívida. É exatamente o termo de subordinação, sujeição coletiva, que foi recém votado na Grécia (no Parlamento, fabricando salsichas como se diz na gíria do meio) e antes esteve na Islândia e fora rejeitado. Tem uma diferença. Na "terra do frio", a população foi a plebiscito e decidiu-se por não pagar as dívidas com o sistema financeiro lá operando e que chegara ao ponto absurdo de gerar moeda. Os gregos refizeram a ágora democrática a base de pau e pedra enquanto os parlamentares, mais uma vez, traíam a representação soberana dos cidadãos. Na Islândia a ameaça da besta se cumpriu. Os bancos europeus retaliaram e fizeram uma gritaria, afirmando que o capitalismo corria risco sistêmico. Na verdade, dura e crua, é que são os maiores bancos da Europa os causadores da crise, os beneficiados da estafa e os grandes interessados na aceitação dos "pacotes de austeridade", garantindo assim que a taxação destes Estados sobre seu povo seja a garantia de pagamento da dívida para com os próprios bancos.

A Grécia é o típico exemplo de um governo títere, assessorado por um lobo a tomar conta do galinheiro. Explicamos. No governo anterior do Partido Conservador (ND), o Ministério da Economia teve como "consultores" aos executivos do Goldman Sachs, a mesma empresa de fundos de risco que produzira enormes rombos no caixa dos EUA, além de emplacar o último secretário do Tesouro de Bush Jr, Henry Paulson, ex-executivo da Goldman Sachs e um dos campeões mundiais em recebimento de "bônus de produtividade!". O Estado grego, de tão bem assessorado que foi, maquiou seus balanços (tal e como o golpe da empresa Enron, a primeira grande estafa na era dos papéis podres) e aumentou sua dívida para além do acordo europeu (60% de endividamento e 3% de déficit público). O buraco sem fim foi alargado nas obras para as Olimpíadas de 2004 e, simultaneamente, em operações criminosas de swap cambial, cuja aleatoriedade era nenhuma e o Banco Central grego acabava pagando mais do que podia aos apostadores da roleta digital. A dívida crescera em exorbitância. Agora, que não tem mais como rolá-la, o Banco Central Europeu (BCE) oferece o beijo de vampiro através do FMI, o mesmo que instaurara o absurdo corralito ao final do governo De la Rúa, resultando na rebelião piquetera, no cacelorazo e sua derrubada através de uma pueblada aos gritos do lema: "que se vayan todos!".

Estes dados – irrefutáveis – justificam a tese que da subordinação coletiva, onde os Estados Nacionais adotam tais políticas que beneficiam os bancos e porque aceitam ser "assessorados" por banqueiros. Os Estados Soberanos deixaram de ser soberanos, por conta do seu nível de endividamento, implicando na perda ainda maior da já pouca soberania popular através do voto e outros mecanismos de democracia indireta. Eles são dependentes do crédito dos banqueiros, que usam tal poder para impor políticas aos Estados. Basta imaginar a condição de chantagem que um grande conglomerado pode fazer ao dizer... "não compro mais seus títulos para rolagem da divida soberana!" Isso ocorreu em sucessivos ataques contra moedas de países-alvo, desde o Efeito Tequila (1994 e 1995), passando pela crise da Rússia (1998, 1999) e agora após a quebra de 2008. Atualmente os bancos agora são sócios do Estado, fenômeno este já antes verificado nas monarquias absolutistas e em Cidades-Estado como Veneza e Florença.

Qualquer semelhança com a rebelião grega não é nenhuma coincidência. De forma quase ininterrupta, os gregos estão nas ruas desde outubro de 2008. Na ocasião, o assassinato pela polícia de um jovem libertário em uma manifestação noturna, acendeu a chama em uma juventude marcada pela alta qualificação nos estudos formais e quase nenhuma perspectiva de emprego e independência financeira. Ao longo de 2010, após o ataque planejado contra a moeda grega, ato este que ocorrera em fevereiro de 2010 em uma reunião informal de mega especuladores (big shots) das finanças em escala mundial, somou-se à rebelião de juventude marcada por aspectos de contracultura anti-autoritária, o esforço organizativo dos sindicatos daquele país. O resultado são greves gerais contínuas e a não legitimidade do governo do Pasok (centro-esquerda, da mesma linha do PSOE espanhol) que tenta empurrar o acordo com o FMI goela abaixo através de maioria parlamentar conseguida no acordo com a extrema direita. 

Na Espanha, a partir de 15 de maio do corrente ano, uma parcela significativa da juventude espanhola (até 30 anos de idade), convoca acampamentos nas praças, boicotando a política oficial e não participando das eleições municipais. Neste pleito, surge o típico paradoxo da democracia representativa. O Partido Popular (misto de pós-franquismo com neoliberalismo selvagem, co-representado pelo grupo midiático Intereconomía) tem uma vitória arrebatadora, galvanizando o voto de protesto contra as vacilações de José Luiz Zapatero (PSOE) e sua demora, tanto em tomar medidas contra a estafa bancária (repito, chamada de "crise" pelos supostos especialistas), como em diminuir la fiesta, a farra dos gastos públicos, aumentando a política de pão e circo, através do consumo cultural de massa, o futebol enriquecido e o lazer de larga escala.

A fraude com nome de "crise", seus mecanismo de desinformação

É hora de chamar os economistas neoliberais (tanto os da escola austríaca como os tributários de Chicago) para a peleia intelectual, desembainhando as adagas e duelando. Qualquer economista político de mediana capacidade desmente estas premissas pseudo-científicas, que nada mais são do que modelos doutrinários pré-concebidos. Tanto a leitura do já citado espanhol Vincenç Navarro, como do professor da PUC-SP, Ladislau Dowbor (http://www.dowbor.org/) em seus excelentes ensaios "A crise financeira sem mistérios" e "Manifesto por uma Democracia Econômica", bastam para compreender os mecanismos da estafa que a mídia "especializada" (como The Economist, ou Intereconomía da Espanha) batizara de "crise", como para interpretar as formas de discurso que busca re-legitimar os pactos entre Estados através dos interesses de bancos e fundos de investimento.

Vale observar mais uma vez o fenômeno da desinformação estrutural, implicando nos sentidos massificados pela mídia corporativa e a favor da globalização transnacional capitalista. Mesmo não sendo cientificamente comprovado, reconhecemos que o termo crise é o mais evidente, e que não fica tão nítida para o leitor, sobre o que se sustenta a tese de q na verdade não existe uma crise. A média das pessoas está convencida de que a "crise" existe e simplesmente afirmar que isso é uma invenção de alguns agentes manipuladores, parece insuficiente. Reconhecemos, é necessário algo que justifique ou explique isso, alguma evidencia. Este conceito da "fraude com nome de crise" pode ser afirmado a partir do postulado de que é impossível haver equívoco entre agentes com experiência e forte posição de mercado, quando estes mesmos agentes são detentores de informação perfeita. Estes são os causadores das fraudes em escala global, cuja conta que não fecha e é comprometedora de todo o sistema financeiro, termina por afogar os caixas nacionais, ou supra-nacionais, como é  o caso da Europa unificada. Estes são os causadores da "crise", os mega especuladores, os fraudadores, cujas posições iniciais terminam por gerar o comportamento de manada nos demais especuladores e agentes com menor poder de barganha.

A desfaçatez é tamanha que o próximo presidente do Banco Central Europeu já traz consigo a marca da direita financeira. O italiano Mario Draghi, que irá assumir no início de 2012, é um operador das privatizações de estatais italianas, incluindo o muito conhecido no Brasil imbróglio da Telecom Italia – que tem conseqüências na disputa de controle pela Brasil Telecom contra o Citigroup, tendo como fiel da balança e voto de minerva na composição acionária a ninguém menos do que o Opportunity na figura de Daniel Dantas. Além disso, Draghi é simplesmente um ex-alto executivo da Goldman Sachs, empresa de fundos de investimento de risco cujo DNA está contém uma das maiores fraudes em papéis e ativos da história mundial, cujo operador principal fora Henry Paulson. Esta é outra evidência para expormos a tese de dependência dos Estados ao setor financeiro privado ou para-estatal. O poder desses agentes é tanto que eles escolheram o presidente do BC europeu.

A Europa do Sul é a América Latina de ontem?

A situação de Portugal, Espanha e Grécia é pior que a dos países da América Latina sob alguns aspectos. O fato destes países não terem a senhoriagem do dinheiro, não poderem desvalorizar seu câmbio, apenas aprofundará o sofrimento desses povos. Num momento como esse, um país que manda em sua moeda pode recorrer a uma desvalorização. Assim, com essa desvalorização, se redefinem os preços dentro do país e compensa a ineficiência produtiva deste. Deste modo, em um momento de queda de demanda (família, governos – central e sub-nacionais – e empresários param de gastar e investir) a demanda externa pode amenizar a situação. É preciso recordar que, para estes países, a adoção do euro foi dolorosa, pois os cidadãos sentiram a perda no realinhamento dos preços – sendo tudo arredondado para cima, menos os salários. Muito parecido com os primeiros anos da adoção do Plano Real no Brasil, quando saímos da estagflação (estagnação econômica com inflação galopante), para a estagnação com a economia estável. Em suma, fizeram um pobre grego usar uma moeda do nível da Alemanha, cabendo a esta última pagar a maior parte da conta da Europa inteira.

Não apenas estes países estão enrascados, a Itália, por exemplo, logo entra no mesmo problema. Isto pode gerar efeitos de aprofundamento do problema, chegando ao conjunto da União Européia, comprometendo, por motivos de interdependência, uma grande parcela da economia mundial. Nunca é demais lembrar que o mecanismo de concentração e empobrecimento, além de matar pessoas, depois de muito tempo, pode chegar inclusive a atingir uma parte dos próprios bancos. A solução Keynesiana de "gastem e se endividem com juros baixos", já foi aplicada. E agora restam poucos instrumentos para recuperar a saúde da economia.   

Nesta situação desesperadora, com a Europa à beira de um ataque de nervos, é onde verificamos os reais limites da democracia representativa e da unificação através de mercados, como não condizentes com as promessas tanto de Bem-Estar Social como de exercício soberano da vontade das maiorias. Os governos de Portugal, Espanha e Grécia estão diante de um túnel do tempo, retrocedendo ao período em que na América Latina, o FMI ditava as regras e o Poder Executivo de nossos países operava como títere deste organismo multilateral.

Mas, como sempre, há esperança e esta vem de baixo. A democracia se reinventa nas praças das maiores cidades espanholas e nas ruas da Grécia.


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segunda-feira, 4 de julho de 2011

A Essência do Sistema!

A análise do Sistema Econômico e Político Global, pelo aspecto da hegemonia dos EUA mais Europa, precisa ser visto pela sua ideologia dominante e pelos elementos concretos de sua ação, assim vejamos:
A partir da elaboração de um eminente formulador - Wladimir Pomar - "Um dos problemas da ultra-esquerda é que continua não distinguindo neoliberalismo de liberalismo.  É verdade que ambas são políticas oriundas do capitalismo, do mesmo modo que o democratismo burguês.  No entanto, do mesmo modo que o liberalismo foi a política de superação do democratismo burguês, o neoliberalismo é a política de superação do liberalismo.  O democratismo burguês marcou a revolução burguesa, prometendo liberdade, fraternidade e igualdade para todos, enquanto o liberalismo, que o sucedeu, fincou pé na liberdade de compra e venda da força de trabalho pelo capital, na fraternidade da paz social, mesmo que com o auxílio das baionetas, e na igualdade formal das oportunidades, mesmo que a igualdade formal do sufrágio universal tivesse que ser conquistado nas barricadas.  De qualquer modo, o liberalismo marcou o período de consolidação do capitalismo, no qual todos os seus ramos gozavam de liberdade, fraternidade e igualdade na concorrência do mercado."
O Liberalismo constitui-se em uma ideologia, aliás, bem tradicional, agora o Neoliberalismo nem isto alcança, não passa de um embuste, é um agregado pragmático de ações visando a concentração de poder e riqueza sem limites, sem ponderações, sem idealismo construtivo. E o resultado de sua implantação é a desagregação acelerada de países e sociedades.
Os pressupostos do ideário liberal podem ser notados, por exemplo, operando no STF brasileiro, uma instituição de perfil conservador mas também de tendência liberal, e ao mesmo tempo em que julga constitucional a lei Maria da Penha, garante uma avançada interpretação de igualdade de direitos a homossexuais e ademais libera as manifestações e desinterdita o debate sobre drogas. Por outro lado o STF também anula grandes investigações contra a alta burguesia nacional como Satiagraha e Castelo de Areia, e por fim normatiza que não é cabível o uso de algemas para crimes de colarinho branco, isto deixa claro o que é liberalismo nos costumes e liberalismo de mercado elitista. Os dois convivem e é esta a organização social proposta pela corte.
As questões estão imbricadas mas também hierarquizadas, e a excelência da análise política sempre estará determinada pela capacidade em visualizar um sistema com seus inter-relacionamentos e valorações.
O sistema é global, e todo um grupo de grandes diretrizes do mercadismo e estão sendo implantados em cada um dos países do mundo, inclusive e fortemente no Brasil, citamos os elementos essenciais destas diretrizes:
- Respeito absoluto a propriedade e aos contratos, por cima de sua função social
- Reforço e respeito ao sistema de patentes e direitos autorais
- Garantia total a dívidas e acordos financeiros, independente da equanimidade e da justiça
- Liberdade de fluxos de capitais, financeirização aprofundada, concentração primária de benefícios no sistema financeiro, desregulamentação bancária.
- Proteção e garantia a investimentos estrangeiros, inclusive por sobre as leis do país
- Deslocalização e desnacionalização de capitais, transnacionalização de empresas,
- Dissolução da propriedade empresarial no mercado de ações
- Manutenção do sistema de paraísos fiscais e isenções tributárias para as corporações
- Acordos supranacionais de regulação do comércio internacional com foco liberalizante
- Consolidação de Bancos Centrais totalmente independentes como o BC-Europeu,  ou independentes e "privatizados" como o FED dos EUA
- Controle da emissão de moeda via dívida governamental e endividamento público acentuado.
- Democracia representativa, com abolição de qualquer espaço de democracia direta e definição de financiamento totalmente privado de campanhas.
- Abolição do conceito de setores estratégicos ou exclusivos de propriedade públicos
- Privatização completa de serviços públicos, desmonte do estado de bem estar social
- Liberdade corporativa de imprensa, mídia privada e interconectada
- Controle da internet e da expressão pública
- Totalidade da produção agropecuária baseada em trangênicos patenteados
- Medicina focada na doença e mediada pela tecnologia, cada vez mais cara e não preventiva
- Educação privada e endividamento acentuado para os cursandos de universidades
- Desmonte do sindicalismo, alienação e desmobilização social.
- Regulação, controle e tributação das emissões de carbono, pois toda a atividade humana ou econômica gera carbono, o resultado político disto é que quem regula a emissão de CO2 controla tudo, todo o ciclo econômico e social e a própria vida.
- Erradicação do pleno emprego, rebaixamento de benefícios sociais, uniformização global de custos salariais e mobilidade de mão de obra.
- Tributação regressiva, com os assalariados pagando proporcionalmente mais impostos
- Ação governamental restrita e com ênfase na proteção concessão de privilégios a setores privados e a estatização de prejuízos
- Instituição de agências reguladoras independentes e seqüestradas pelo mercado e auto-regulamentação de setores econômicos
- Liberdade de cartel e monopólio privados, fusões e consolidações empresariais.
 
O maior segmento destas diretrizes são tradicionalmente liberais, as mais recentes são de perfil mais neoliberal.
A lógica do conjunto é o de afastar dos governos nacionais, da vontade democrática da população e dos sistemas legais a gestão e controle do processo econômico. Passando pela  eliminação das próprias salvaguardas liberais contra as deformações do mercado como o cartel.
Condiciona-se a lógica política com o aprofundamento do déficit democrático e o rebaixamento dos estados nacionais, com a resultante da consolidação da supremacia das corporações privadas transnacionais.
Todas e cada uma destas diretrizes têm sido introduzidas em nosso país, e tem-se avançado no seu aprofundamento, estamos perdendo, piorando e regredindo na maior parte delas, o governo Lula não fez mais que diminuir a velocidade em alguns pontos, em outros até aumentou.
Além do mais o sistema mundial é perigoso e agressivo, e quando centro hegemônico do capitalismo, "EUA e o consórcio Europeu", não conseguem a conversão das elites locais como ocorreu no Brasil na era Collor e FHC, parte-se para o ataque direto com ação em processos eleitorais como no México, até formas mais incisiva como as "revoluções coloridas" na Ucrânia, o apoio e reconhecimento a golpes de estado (Honduras), desencadeamento de guerras civis e a desagregação de países como na Iugoslávia, a ação militar em suporte a facções como no Afeganistão e agora na Líbia, ou a invasão direta como no Iraque. Este processo agressivo de expansão vem desde a Guerra Fria, e aprofundou-se depois da dissolução da URSS, agora é pau puro.
Assim que o Iraque foi conquistado iniciou-se a implantação sistemática de todas as diretrizes do sistema, a mesma coisa planeja-se para a Líbia, assim como na Grécia onde a economia foi colapsada em uma articulação construída pelo próprio sistema, a neoliberalização grega será aprofundada em prejuízo da soberania do país.
Recordemos que o modelo de capitalismo segregacionista e aristocrático foi dominante até a Segunda Guerra Mundial, e foi levado ao extremo pelo capitalismo nazi-fascista europeu e o império monárquico japonês, mas foram derrotados, quem se impôs foi a estratégia do capitalismo liberal. Mas o racismo ainda perdura e faz parte do sistema econômico e social da maior parte do mundo e do nosso país.
Mas o hoje segregacionismo não está no centro dos elementos estruturais do sistema. O capitalismo liberal avança com liberdade de costumes e igualdade de cidadania, mantendo-se o regime de propriedade e concentração de rendas e poder.
O lugar do segregacionismo, do racismo, da discriminação, o ataque a questões de costumes, também são dados culturais, enraizados no sistema de classes histórico e usados pesadamente no jogo político, haja vista a última eleição presidencial.
Olhando com perspectiva, e tendo a II Guerra Mundial como ponto de inflexão, visualizemos como era a sociedade brasileira em 1950. De lá para cá as questões de gênero, raça, etnia e costumes tiveram um avanço notável, agora o sistema concentrador do mercado amainou? Pelo contrário, aprofundou-se, sofisticou e entrelaçou-se em um emaranhado do tamanho do mundo.
O caminho político está no reforço da ênfase dos setores democrática populares e dos nacional-desenvolvimentistas no entendimento e confrontação dos princípios condutores da estratégia liberal/neoliberal, que são muito reais e objetivos, e que levam a desnacionalização da riqueza e do poder, a estagnação e regressão social, a destruição da natureza e a liquidação de perspectivas desenvolvimentistas e emancipadoras do país.
Por WK

domingo, 3 de julho de 2011

A Inconstitucionalidade dos Pedágios e os Direitos Fundamentais

Direito fundamental de ir e vir

Do Blog ContextoLivre
 

Entre os diversos trabalhos apresentados, um deles causou polêmica entre os participantes. "A Inconstitucionalidade dos Pedágios", desenvolvido pela aluna do 9º semestre de Direito da Universidade Católica de Pelotas (UCPel) Márcia dos Santos Silva chocou, impressionou e orientou os presentes.
A jovem de 22 anos apresentou o "Direito fundamental de ir e vir" nas estradas do Brasil. Ela, que mora em Pelotas, conta que, para vir a Rio Grande apresentar seu trabalho no congresso, não pagou pedágio e, na volta, faria o mesmo. Causando surpresa nos participantes, ela fundamentou seus atos durante a apresentação.
Márcia explica que na Constituição Federal de 1988, Título II, dos "Direitos e Garantias Fundamentais", o artigo 5 diz o seguinte: "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade" E no inciso XV do artigo: "é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens". A jovem acrescenta que "o direito de ir e vir é cláusula pétrea na Constituição Federal, o que significa dizer que não é possível violar esse direito.
E ainda que todo o brasileiro tem livre acesso em todo o território nacional. O que também quer dizer que o pedágio vai contra a constituição".
Segundo Márcia, as estradas não são vendáveis. E o que acontece é que concessionárias de pedágios realiza contratos com o governo Estadual de investir no melhoramento dessas rodovias e cobram o pedágio para ressarcir os gastos.
No entanto, no valor da gasolina é incluído o imposto de Contribuição de Intervenção de Domínio Econômico (Cide), e parte dele é destinado às estradas. "No momento que abasteço meu carro, estou pagando o pedágio. Não é necessário eu pagar novamente. Só quero exercer meu direito, a estrada é um bem público e não é justo eu pagar por um bem que já é meu também", enfatiza.
A estudante explicou maneiras e mostrou um vídeo que ensinava a passar nos pedágio sem precisar pagar. "Ou você pode passar atrás de algum carro que tenha parado. Ou ainda passa direto. A cancela, que barra os carros é de plástico, não quebra, e quando o carro passa por ali ela abre. Não tem perigo algum e não arranha o carro", conta ela, que diz fazer isso sempre que viaja. Após a apresentação, questionamentos não faltaram.
Quem assistia ficava curioso em saber se o ato não estaria infringindo alguma lei, se poderia gerar multa, ou ainda se quem fizesse isso não estaria destruindo o patrimônio alheio.
As respostas foram claras. Segundo Márcia, juridicamente não há lei que permita a utilização de pedágios em estradas brasileiras. Quanto a ser um patrimônio alheio, o fato, explica ela, é que o pedágio e a cancela estão no meio do caminho onde os carros precisam passar e, até então, ela nunca viu cancelas ou pedágios ficarem danificados.
Márcia também conta que uma vez foi parada pela Polícia Rodoviária, e um guarda disse que iria acompanhá-la para pagar o pedágio. "Eu perguntei ao policial se ele prestava algum serviço para a concessionária ou ao Estado. Afinal, um policial rodoviário trabalha para o Estado ou para o governo Federal e deve cuidar da segurança nas estradas. Já a empresa de pedágios, é privada, ou seja, não tem nada a ver uma coisa com a outra", acrescenta.
Ela defende ainda que os preços são iguais para pessoas de baixa renda, que possuem carros menores, e para quem tem um poder aquisitivo maior e automóveis melhores, alegando que muita gente não possui condições para gastar tanto com pedágios. Ela garante também que o Estado está negando um direito da sociedade. "Não há o que defender ou explicar. A constituição é clara quando diz que todos nós temos o direito de ir e vir em todas as estradas do território nacional", conclui. A estudante apresentou o trabalho de conclusão de curso e formou-se em agosto de 2008. Ela não sabia que área do Direito pretende seguir, mas garante que vai continuar trabalhando e defendendo a causa dos pedágios.

Aúdio encontrado no Blog do Mutirão

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“Coronel Redl”, de István Szabó, 1985

  “Coronel Redl”, de István Szabó, 1985 – Império Austro-húngaro, final do século XIX, início do século XX. Um menino de origem humilde, Alf...