quinta-feira, 24 de novembro de 2011

A rede do poder corporativo mundial. Artigo de Ladislau Dowbor

"O caos financeiro planetário, em última instância, tem uma base muito organizada. No pânico gerado, debatem-se as políticas de austeridade, as dívidas públicas, a irresponsabilidade dos governos, deixando na sombra o ator principal, as instituições de intermediação financeira", escreve Ladislau Dowbor em seu site.

Dowbor é graduado em Economia Política pela Université de Lausanne (Suíça), com especialização em Planificação Nacional pela Escola Superior de Estatística e Planejamento, onde fez o mestrado em Economia Social e doutorado em Ciências Econômicas. Atualmente, é professor na PUC-SP.

Eis o artigo.

"Há uma grande diferença entre suspeitar
 a existência de um fato, e demonstrá-lo empiricamente"
Vitali, Glattfelder e Battiston (1)

Todos temos acompanhado, décadas a fio, as notícias sobre grandes empresas comprando-se umas às outras, formando grupos cada vez maiores, em princípio para se tornarem mais competitivas no ambiente cada vez mais agressivo do mercado. Mas o processo, naturalmente, tem limites. Em geral, nas principais cadeias produtivas, a corrida termina quando sobram poucas empresas, que em vez de guerrear, descobrem que é mais conveniente se articularem e trabalharem juntas, para o bem delas e dos seus acionistas. Não necessariamente, como é óbvio, para o bem da sociedade.

Controlar de forma organizada uma cadeia produtiva gera naturalmente um grande poder econômico, político e cultural. Econômico por meio do imenso fluxo de recursos – maior do que o PIB de muitos países – político pela apropriação de grande parte dos aparelhos de Estado, e cultural pelo fato de a mídia de massa mundial criar, com pesadíssimas campanhas publicitárias – financiadas pelas empresas, que incluem os custos nos preços de venda –, uma cultura de consumo e dinâmicas comportamentais que lhes interessa, e que gera boa parte do desastre planetário que enfrentamos.

Uma característica básica do poder corporativo é o quanto é pouco conhecido. As Nações Unidas tinham um departamento, UNCTC - United Nations Center for Transnational Corporations -, que publicava, nos anos 1990, um excelente relatório anual sobre as corporações transnacionais. Com a formação da Organização Mundial do Comércio, simplesmente fecharam o UNCTC e descontinuaram as publicações. Assim, o que é provavelmente o principal núcleo organizado de poder do planeta deixou simplesmente de ser estudado, a não ser por pesquisas pontuais dispersas pelas instituições acadêmicas, e fragmentadas por países.

O documento mais significativo que hoje temos sobre as corporações é o excelente documentário "A Corporação (The Corporation)", estudo científico de primeira linha, que em duas horas e doze capítulos mostra como funcionam, como se organizam, e que impactos geram. Outro documentário excelente, "Trabalho Interno (Inside Job)", que levou o Oscar de 2011, mostra como funciona o segmento financeiro do poder corporativo, mas limitado essencialmente a mostrar como se gerou a presente crise financeira. Temos também o clássico do setor, "Quando as Corporações Regem o Mundo (When Corporations Rule the World)" de David Korten. Trabalhos deste tipo nos permitem entender a lógica, geram a base do conhecimento disponível.

Mas nos faz imensa falta a pesquisa sistemática sobre como as corporações funcionam, como se tomam as decisões, quem as toma, com que legitimidade. O fato é que ignoramos quase tudo do principal vetor de poder mundial que são as corporações.

É natural e saudável que tenhamos todos uma grande preocupação em não inventarmos conspirações diabólicas, maquinações maldosas. Mas, ao vermos como os principais setores de atividade corporativa se reduziram a poucas empresas extremamente poderosas, começamos a entender que se trata sim de poder político. Agindo no espaço planetário, e na ausência de governo mundial, manejam grande poder sem nenhum controle significativo.

A pesquisa do ETH - Instituto Federal Suíço de Pesquisa Tecnológica (2) vem pela primeira vez nesta escala iluminar a área com dados concretos. A metodologia é muito interessante. Selecionaram 43 mil corporações no banco de dados Orbis 2007, de 30 milhões de empresas, e passaram a estudar como se relacionam: o peso econômico de cada entidade, a sua rede de conexões, os fluxos financeiros, e em que empresas têm participações que permitem controle indireto. Em termos estatísticos, resulta um sistema em forma de bow-tie¸ ou "gravata borboleta", onde temos um grupo de corporações no "nó", e ramificações para um lado que apontam para corporações que o "nó" controla, e ramificações para outro que apontam para as empresas que têm participações no "nó".

A inovação, é que a pesquisa aqui apresentada realizou este trabalho para o conjunto das principais corporações do planeta, e expandiu a metodologia de forma a ir traçando o mapa de controles do conjunto, incluindo a escada de poder que às vezes corporações menores detêm, ao controlarem um pequeno grupo de empresas que por sua vez controla uma série de outras empresas e assim por diante. O que temos aqui é exatamente o que o título da pesquisa apresenta, "a rede do controle corporativo global".

Em termos ideológicos, o estudo está acima de qualquer suspeita. Antes de tudo, é importante mencionar que o ETH de Zurique faz parte da nata da pesquisa tecnológica no planeta, em geral colocado em segundo lugar depois do MIT dos Estados Unidos. Os pesquisadores do ETH detêm 31 prêmios Nobel, a começar por Albert Einstein. A equipe que trabalhou no artigo entende tudo de mapeamento de redes e da arquitetura de poder que resulta. Stefano Battiston, um dos autores, assina pesquisas com J. Stiglitz, ex-economista chefe do Banco Mundial. O presente artigo, com dez páginas, é curto para uma pesquisa deste porte, mas é acompanhado de 26 páginas de metodologia, de maneira a deixar transparentes todos os procedimentos. E em nenhum momento tiram conclusões políticas apressadas: limitam-se a expor de maneira muito sistemática o mapa do poder que resulta, e apontam as implicações.

A pesquisa é de difícil leitura para leigos, pela matemática envolvida. Pela importância que representa para a compreensão de como se organiza o poder corporativo do planeta, resolvemos expor da maneira mais clara possível os principais aportes, ao mesmo tempo que disponibilizamos abaixo o link do artigo completo.

O que resulta da pesquisa é claro: "A estrutura da rede de controle das corporações transnacionais impacta a competição de mercado mundial e a estabilidade financeira. Até agora, apenas pequenas amostras nacionais foram estudadas e não havia metodologia apropriada para avaliar globalmente o controle. Apresentamos a primeira pesquisa da arquitetura da rede internacional de propriedade, junto com a computação do controle que possui cada ator global. Descobrimos que as corporações transnacionais formam uma gigantesca estrutura em forma de gravata borboleta (bow-tie), e que uma grande parte do controle flui para um núcleo (core) pequeno e fortemente articulado de instituições financeiras. Este núcleo pode ser visto como uma "superentidade" (super-entity), o que levanta questões importantes tanto para pesquisadores como para os que traçam políticas.(3)

Para demostrar como este travamento acontece, os autores analisam a estrutura mundial do controle corporativo. O controle é aqui definido como participação dos atores econômicos nas ações, correspondendo "às oportunidades de ver os seus interesses predominarem na estratégia de negócios da empresa". Ao desenhar o conjunto da teia de participações, chega-se à noção de controle em rede. Esta noção define o montante total de valor econômico sobre o qual um agente tem influência.

O modelo analisa o rendimento operacional e o valor econômico das corporações, detalha as tomadas mútuas de participação em ações (mutual cross-shareholdings) identificando as unidades mais fortemente conectadas dentro da rede. "Este tipo de estruturas, até hoje observado apenas em pequenas amostras, tem explicações tais como estratégias de proteção contra tomadas de controle (anti-takeover strategies), redução de custos de transação, compartilhamento de riscos, aumento de confiança e de grupos de interesse. Qual seja a sua origem, no entanto, fragiliza a competição de mercado… Como resultado, cerca de 75% da propriedade das firmas no núcleo ficam nas mãos de firmas do próprio núcleo. Em outras palavras, trata-se de um grupo fortemente estruturado (tightly-nit) de corporações que cumulativamente detêm a maior parte das participações umas nas outras"(4).

Este mapeamento leva, por sua vez, à análise da concentração do controle. À primeira vista, sendo firmas abertas com ações no mercado, imagina-se um grau relativamente distribuído também do poder de controle. O estudo buscou "quão concentrado é este controle, e quem são os que detêm maior controle no topo". Isto é uma inovação relativamente aos numerosos estudos anteriores que mediram a concentração de riqueza e de renda. Segundo os autores, não há estimativas quantitativas anteriores sobre o controle. O cálculo consistiu em identificar qual a fração de atores no topo que detém mais de 80% do controle de toda a rede. Os resultados são fortes. Encontramos que apenas 737 dos principais atores (top-holders) acumulam 80% do controle sobre o valor de todas as ETNs… Isto significa que o controle em rede (network control) é distribuído de maneira muito mais desigual do que a riqueza. Em particular, os atores no topo detêm um controle dez vezes maior do que o que poderia se esperar baseado na sua riqueza(5).

Combinando o poder de controle dos atores no topo (top ranked actors) com as suas interconexões, "encontramos que, apesar de sua pequena dimensão, o núcleo detém coletivamente uma ampla fração do controle total da rede. No detalhe, quase 4/10 do controle sobre o valor econômico das ETNs do mundo, por meio de uma teia complicada de relações de propriedade, está nas mãos de um grupo de 147 ETNs do núcleo, que detém quase pleno controle sobre si mesmo. Os atores do topo dentro do núcleo podem assim ser considerados como uma "superentidade" na rede global das corporações. Um fato adicional relevante neste ponto é que três quartos do núcleo são intermediários financeiros".



Capitalismo revelado

Exemplo de apenas algumas conexões financeiras internacionais. Em vermelho, grupos europeus, em azul norte-americanos, outros países em verde. A dominância dos dois primeiros é evidente, e muito ligada à crise financeira atual. Somente uma pequena parte dos links é aqui mostrada. Fonte Vitali, Glattfelder e Fattiston.

Saber que as corporações regem o planeta não é novidade. Saber como estão articuladas, quem são e quanta riqueza e poder controlam, bem como as ramificações das suas decisões, devidamente quantificado e demonstrado, é novidade sim, e ajuda imensamente na luta por uma economia que funcione. Este poder articulado explica muito melhor para os não economistas do planeta porque não se conseguem os 300 bilhões anuais que liquidariam a miséria no planeta, e se transferem em meses trilhões para banqueiros que sequer reinvestem, e aprofundam a especulação e a desorganização econômica.

Os números em si são muito impressionantes, e estão gerando impacto no mundo científico, e vão repercutir inevitavelmente no mundo político. Os dados não só confirmam como agravam as afirmações dos movimentos de protesto que se referem ao 1% que brinca com os recursos dos outros 99%. O New Scientist reproduz o comentário de um dos pesquisadores, Glattfelder, que resume a questão: "com efeito, menos de 1% das empresas consegue controlar 40% de toda a rede". E a maioria são instituições financeiras, entre as quais Barclays Bank, JPMorgan Chase&Co, Goldman Sachs e semelhantes(3).

Algumas implicações são bastante evidentes. Assim, ainda que na avaliação do New Scientist as empresas se comprem umas às outras por razões de negócios e não para dominar o mundo, não ver a conexão entre esta concentração de poder econômico e o poder político constitui evidente prova de miopia. Quando numerosos países, a partir dos anos Reagan e Thatcher, reduziram os impostos sobre os ricos, lançando as bases da trágica desigualdade planetária atual, não há dúvidas quanto ao poder político por trás das iniciativas. A lei recentemente passada nos Estados Unidos, que libera totalmente o financiamento de campanhas eleitorais por corporações, tem implicações igualmente evidentes. O desmantelamento das leis que obrigavam as instituições financeiras a fornecer informações e que regulavam as suas atividades passa a ter origens claras.

Outra conclusão importante refere-se à fragilidade sistêmica que geramos na economia mundial. Quando há milhões de empresas, há concorrência real, ninguém consegue "fazer" o mercado, ditar os preços, e muito menos ditar o uso dos recursos públicos. Esses desequilíbrios se ajustam com inúmeras alterações pontuais, assegurando uma certa resiliência sistêmica. Com a escala do poder corporativo, as oscilações adquirem outra dimensão. Por exemplo, com os derivativos em crise, boa parte dos capitais especulativos se reorientou para commodities, levando a fortes aumentos de preços, frequentemente atribuídos de maneira simplista ao aumendo da demanda da China por matérias-primas. A evolução recente dos preços de petróleo, em particular, está diretamente conectada a estas estruturas de poder(4).

Os autores trazem também implicações para o controle dos trustes, já que estas políticas operam apenas no plano nacional: "instituições antitruste ao redor do mundo acompanham de perto estruturas complexas de propriedade dentro das suas fronteiras nacionais. O fato de séries de dados internacionais bem como métodos de estudo de redes amplas terem se tornado acessíveis apenas recentemente, pode explicar como esta descoberta não tenha sido notada durante tanto tempo". Em termos claros, estas corporações atuam no mundo, enquanto as instâncias reguladoras estão fragmentadas em 194 países, sem contar a colaboração simpática dos paraísos fiscais.

Outra implicação é a instabilidade financeira sistêmica gerada. Estamos acostumados a dizer que os grandes grupos financeiros são demasiado grandes para quebrar. Ao ver como estão interconectados, a imagem muda, é o sistema que é grande e poderoso demais para que não sejamos todos obrigados a manter os seus privilégios. "Trabalhos recentes têm mostrado que quando uma rede financeira é muito densamente conectada fica sujeita ao risco sistêmico. Com efeito, enquanto em bons tempos a rede parece robusta, em tempos ruins as empresas entram em desespero simultaneamente. Esta característica de 'dois gumes' foi constatada durante o recente caos financeiro."

Ponto fundamental, os autores apontam para o efeito de poder do sistema financeiro sobre as outras áreas corporativas. "De acordo com alguns argumentos teóricos, em geral, as instituições financeiras não investem em participações acionárias para exercer controle. No entanto, há também evidência empírica do oposto. Os nossos resultados mostram que, globalmente, os atores do topo estão no mínimo em posição de exercer considerável controle, seja formalmente (por exemplo, votando em reuniões de acionistas ou de conselhos de administração) ou por meio de negociações informais."

Finalmente, os autores abordam a questão óbvia do clube dos superricos. "Do ponto de vista empírico, uma estrutura em "gravata borboleta" com um núcleo muito pequeno e influente constitui uma nova observação no estudo de redes complexas. Supomos que possa estar presente em outros tipos de redes onde mecanismos de "ricos-ficam-mais-ricos" (rich-get-richer) funcionam… O fato de o núcleo estar tão densamente conectado poderia ser visto como uma generalização do fenômeno de clube dos ricos (rich-club phenomenon)." A presença esmagadora dos grupos europeus e norte-americanos neste universo sem dúvida também ajuda nas articulações e acentua os desequilíbrios.

Conclusões gerais a se tirar? Não faltam na internet comentários de que o fato de serem poucos não significa grande coisa. Na minha análise, é óbvio que se trata sim de um clube de ricos, e de muito ricos, que se apropriam de recursos produzidos pela sociedade em proporções inteiramente desproporcionais em relação ao que produzem. Trata-se também de pessoas que controlam a aplicação de gigantescos recursos, muito mais do que a sua capacidade de gestão e de aplicação racional. Um efeito mais amplo é a tendência de uma dominação geral dos sistemas especulativos sobre os sistemas produtivos. As empresas efetivamente produtoras de bens e serviços úteis à sociedade teriam todo interesse em contribuir para um sistema mais inteligente de alocação de recursos, pois são em boa parte vítimas indiretas do processo. Neste sentido, a pesquisa do ETH aponta para uma deformação estrutural do sistema, e que terá em algum momento de ser enfrentada.

E quanto ao que tanto preocupa as pessoas, a conspiração? A grande realidade que sobressai da pesquisa é que nenhuma conspiração é necessária. Ao estarem organizados em rede, e com um número tão diminuto de pessoas no topo, não há nada que não se resolva no campo de golfe no fim de semana. Esta rede de contatos pessoais é de enorme relevância. Mas sobretudo os interesses são comuns, e não é necessária nenhuma conspiração para que os defendam solidariamente, como na batalha já mencionada para se reduzir os impostos que pagam os muito ricos, ou para se evitar taxação sobre transações financeiras, ou ainda para evitar o controle dos paraísos fiscais.

O caos financeiro planetário, em última instância, tem uma base muito organizada. No pânico gerado, debatem-se as políticas de austeridade, as dívidas públicas, a irresponsabilidade dos governos, deixando na sombra o ator principal, as instituições de intermediação financeira. No início do pânico da crise financeira, em 2008, a publicação do FMI Finance & Development estampou na capa em letras garrafais a pergunta "Who's in charge?", insinuando que ninguém está coordenando nada. Para o bem ou para o mal, a pergunta está respondida.

Anexo

Abaixo, as primeiras 50 corporações listadas. Note-se que na classificação por setor (NACE Code), os números que começam por 65, 66 e 67 correspondem a instituições financeiras. Lehman Brothers tem direito a uma nota a parte dos autores.





Notas

[1] Há uma grande diferença entre suspeitar a existência de um fato, e demonstrá-lo empiricamente – Vitali, Glattfelder e Battiston. Veja aqui.

[2] S. Vitali, J.B Glattfelder e S. Battiston – The Network, of Global Corporate Control –  Chair of Systems Design, ETH Zurich – corresponding author sbattiston@ethz.ch – O texto completo foi disponibilizado em arXiv em pré-publicação, e publicado pelo PloS One em 26 de outubro de 2011.

[3] New Scientist (em português e em inglês)

[4] O aumento do risco sistêmico nos grandes sistemas integrados é estudado por Stiglitz em Risk and Global Economic Architecture, 2010.

Fonte: IHU

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terça-feira, 22 de novembro de 2011

Como o capital financeiro privatizou o Estado nos EUA - Alan Nasser, da Carta Maior

O ex-economista chefe do Fundo Monetário Internacional, Simon Johnson, escreveu, em 2009, sobre o golpe silencioso que levou à "reemergência de uma oligarquia financeira americana". Johnson deixou claro que não tinha a intenção de usar "golpe" como um floreio retórico nem como uma metáfora. O capital financeiro tinha efetivamente privatizado o Estado. O neoliberalismo havia sido bem sucedido não só em permanentemente garantir um governo reacionário, mas tinha capturado o próprio Estado. O artigo é de Alan Nasser.

Alan Nasser (*)
O desempenho da economia norte-americana desde meados da década de 1970 até o presente não se iguala com a sua relativa robustez durante o período que economistas chamam de Idade de Ouro – 1949-1973. Este foi o mais longo período de crescimento sustentado na história dos EUA, quando a maioria dos trabalhadores (brancos) conseguiram alcançar um grau de segurança material que não se conhecia até então, e que se tornou inalcançável desde então. Mas a partir do fim da década de 1960 e pelos anos 1970 o mal-estar econômico se tornava cada vez mais evidente, dando sinais de que algo pior viria: Não se pensava ser possível ter altas porcentagens de inflação e desemprego – estagflação – em um mundo keynesiano (1), mas havia, e era aparentemente incurável. Ao mesmo tempo, a produtividade dos trabalhadores diminuiu drasticamente. As margens de lucro foram continuamente caindo por mais de dez anos na medida em que concorrentes econômicos japoneses e europeus pegavam um pedaço cada vez maior da porção da produção norteamericana tanto doméstica quanto internacional.

As elites corporativas e políticas responderam com um tratamento de banho frio. "O padrão de vida do americano médio", pronunciou Paul Volker, presidente do Banco Central dos Estados Unidos, em 17 outubro de 1979, "tem que cair. Eu não acho que podemos escapar disso." A taxa de juros foi às alturas. A parcimônia era a ordem do dia, e ainda é.

Em 1983 uma análise do declínio dos EUA e a subsequente ascensão do Thatcher-Reaganismo apareceu no livro Beyond the Waste Land, escrito pelos economistas radicais baseados em Harvard Sam Bowles, David M. Gordon e Thomas Weisskopf. O livro recebeu várias resenhas positivas, como no The New York Times e no The New York Review of Books. Entre os revisores estavam os conhecidos economistas americanos John Kenneth Galbraith, James Tobin e Kenneth Arrow.

Os autores argumentavam que um fator sócio-político de grande importância era crucial no declínio da hegemonia dos Estados Unidos: os trabalhadores tinham se tornado mais seguros e mais encorajados pelos benefícios do New-Deal Keynesiano, como a previdência social e o seguro desemprego, e também por programas sociais favoráveis aos trabalhadores da Great Society feitos por Lyndon Johnson. 

A coragem dos trabalhadores foi especialmente marcante nos anos 1960 e no começo dos anos 1970. Houve um aumento notável em ações dos trabalhadores, desde greves até sabotagem industrial. Com menos trabalhadores se preocupando de onde sairia a sua próxima refeição, viu-se um aumento do relaxamento no trabalho, atrasos, troca de empregos, pressão para a melhora na segurança do local de trabalho e demanda por salários mais altos e mais benefícios. O resultado foi um declínio na produtividade (output por unidade de input de trabalho) uma diminuição do lucro pressionada pelo aumento dos salários.

Mais importante ainda, o legado do New Deal e da Great Society resultou em um deslocamento na distribuição de renda do capital em direção ao trabalho.

Bowles, Gordon e Weisskopf argumentavam que com uniões de trabalhadores eficazes e uma segurança de trabalho sem precedentes, o trabalho tinha alcançado um grau de poder sobre o capital até então nunca visto. Esta análise foi desenvolvida mais recentemente pelos economistas Jonathan Goldstein e David Kotz, que mostram que toda recessão da Idade de Ouro foi gerada por uma redução nas margens de lucro pressionada pelo aumento de salários na expansão econômica que a antecedeu. De acordo com Bowles, Gordon e Weisskopf, o capital não aceitou isso passivamente. A América corporativa iniciou uma contraofensiva que os autores chamaram de Grande Repressão. E podemos dizer que o contra-ataque do capital persiste até hoje.

Pensamento liberal sobre a política da elite
Muitos dos mais proeminentes revisores de Beyond the Waste Land ficaram escandalizados pela asserção dos autores de que o capital deliberadamente organizava resistência política ativa contra os avanços da classe dos trabalhadores. No New York Times (31 Julho, 1983) Peter Passell, que na época escrevia editoriais sobre economia para o Times, reclamou que o livro mostrava uma "ênfase em teorias da conspiração." John Kenneth Galbraith compreendia melhor e era mais desdenhoso da ortodoxia do que liberais do tipo Paul Krugman ou Robert Reich. Mesmo assim ele também não conseguia imaginar que aqueles interessados pudessem deliberadamente reunir forças contra os interesses da classe dos trabalhadores. 

Em sua generosa aclamação do livro no New York Review of Books (2 Julho, 1983) Galbraith registrou uma "séria queixa contra a posição dos autores sobre o poder político... Eles veem o atual comportamento deplorável da economia como sendo o resultado de um exercício pensado e deliberado do poder corporativo." Galbraith repudiou a convicção dos autores "de que o desastre atual foi planejado – que ele reflete de um modo deliberado o interesse das corporações. Nisso eu não acredito. Eu atribuiria [esse desastre] muito mais à aderência do mundo corporativo a uma ideologia irrelevante e ultrapassada, e aos lideres políticos, sem exclusão do presidente, que não veem os danos que estão causando."

É como se reconhecer o ativismo politico das elites desse crédito à analise de classes, que é considerada muito marxista para nosso próprio bem. A fala sobre o domínio corporativo do Estado abre as portas para reconceptualizações inaceitavelmente subversivas sobre questões que fomos treinados a entender em termos mais seguros e menos sediciosos. Ver uma recessão como um ataque do capital, por exemplo, nos força a fazer os ajustes apropriados em uma gama de conceitos políticos e econômicos. 

Na verdade, como Galbraith reconheceu, Beyond the Waste Land demanda que pensemos e agimos de modo diferente em relação ao que consideramos ser poder político. É menos inquietante imaginar que "ideologia irrelevante" e ignorância política estão no centro do enfrentamento econômico atual do que ver a depressão econômica como o resultado de um ataque deliberado dos oligarcas nos trabalhadores.

Estas objeções liberais são muito menos críveis agora do que eram 28 anos atrás. A elite é como um filósofo tentando se guiar pela teoria intelectualmente mais cogente. O poder politico não é uma questão de defender esta ou aquela ideologia; é uma questão de legislar de acordo com o interesse deste ou aquele grupo. O poder político é exercitado com mais sucesso quando aqueles cujos interesses são mais consistentemente preenchidos pelo exercício do poder do Estado. Cui bono? permanece sendo o melhor teste para saber quem é que interessa para os administradores do Estado. Os últimos governam, os primeiros guiam o Estado.

Por este teste só os mais cegos não conseguem ver que Wall Street agora coordena o show. Os cegos abundam entre os intelectuais liberais. Em sua coluna no New York Times de 23 novembro de 2009, Paul Krugmann confessa que "levei um tempo para entender isso. Mas as preocupações expressas do Sr. Obama se tornam compreensíveis se supomos que ele está recebendo as suas ideias, direta ou indiretamente, de Wall Street." Não diga.

A epifania de Krugman já estava disponível antes de Obama ser eleito. Em setembro de 2008, o capital financeiro avançou e aberta e desenvergonhadamente deixou de lado seus representantes políticos e começou a ditar diretamente politicas para o Congresso e a Casa Branca. Hank Paulson demandou $700 bilhões para os banksters, sem compromissos: não haveria restrições em como o dinheiro seria gasto, sem audiências, sem debate no Congresso, sem avaliações de especialistas e nenhuma responsabilidade recairia sobre Paulson. Obama suspendeu sua campanha por um dia para pedir que os congressistas democratas obedecessem as ordens de Paulson. Seus melhores conselheiros econômicos, seu ministro da Fazenda, o presidente de seu Banco Central revelaram-se ser na sua maioria desreguladores ligados a Wall Street.

Passou-se mais de um ano até que Krugman se desse conta de que Obama pudesse ser o Charley McCarthy para o Edgar Bergen de Wall Street.

A resposta da elite à crise
O ativismo politico da elite fica evidente em tempos de crise, quando ele toma a forma ou de uma contração econômica forte ou de militância da classe dos trabalhadores, ou ambos. Vamos dar uma olhada mais de perto.

A classe dominante tentou lidar diretamente com situações de crise em cada um dos três períodos de retração econômica desde 1823. Eu lido com o capitalismo americano do século dezenove (1823 -1899) como um único período de depressão, já que ao curso de mais de sessenta anos ele apresentou três fortes depressões, 1837-1843, 1873-1878 e 1893-1897. Na verdade, em todo o período de 1823-1898, com exclusão da Guerra Civil, a nação esteve em depressão mais frequentemente do que não. A Grande Depressão dos anos 1930 foi, claro, o segundo período, e os anos desde o final de 2007 até o presente compõem o terceiro período.

A oligarquia corporativa também respondeu à Idade de Ouro do New Deal/Great Society como outro período de crise, mas nesta instância como um tipo especial de crise. Neste caso, a crise não foi percebida pela elite como sendo puramente de origem econômica, mas também politica, que envolvia uma transferência tanto de renda como de poder dos mais ricos para o resto das pessoas. O resultado foi a mobilização da classe dominante. Os plutocratas abertamente resolveram assumir o comando da política. O neoliberalismo começou a tomar forma.

Depois de uma breve revisão das respostas dos plutocratas aos períodos de depressão e à Idade de Ouro, irei analisar mais profundamente o período entre meados da década de 1970 e o final do século vinte como representando uma insurgência prolongada dos interesses estabelecidos contra um capitalismo americano regulado e relativamente amistoso aos trabalhadores, e como escalando para a atual bagunça.

Comecemos com a primeira tentativa histórica da classe corporativa em tentar coordenar o seu poder como uma classe. Essa foi uma tentativa confinada inicialmente à esfera econômica. Uma vez que a elite tivesse estabelecido um regime privado de colaboração no mercado, tornou-se claro que as subsequente ameaças aos seus interesses requereria mobilização política. O que encaramos hoje é uma classe governante politicamente organizada como nunca antes, com um aperto firme no poder do Estado.

Século 19: A depressão abre as portas para a organização corporativa

Foram as ferrovias e o aço que serviram de exemplo para a instabilidade econômica crônica do capitalismo americano do século dezenove. Em todos casos as empresas repetidamente diminuíam seus lucros para competir até falir ou serem liquidadas. O capital financeiro respondeu colocando pressão em sua contraparte industrial para que ela se consolidasse, para então poder evitar a perpetuação do que estava muito perto de ser quase três quartos de século de depressão continuada.

Em famosa descrição, Keynes mostrou um caso claro de competição irracional: "Duas missas para os mortos, duas pirâmides são melhor do que uma; mas não duas ferrovias de Londres a York." Na verdade, no Reino Unido e nos Estados Unidos os magnatas das ferrovias tinham mais de uma vez construído duas ou mais ferrovias de A a B, com consequências previsíveis: bancarrotas proliferaram. Ao final do século dezenove as grandes malhas ferroviárias eram as maiores empresas de negócios do mundo, no entanto, até 1900 metade delas tinham sido liquidadas.

O magnata das finanças J. P. Morgan estava a par da contribuição da concorrência fratricida às recorrentes recessões econômicas e não acidentalmente à consequente ameça ao lucro dos bancos. Ele convenceu os maiores barões das ferrovias a se organizarem. Ele fez com que eles formassem "comunidades de interesse" para reduzir a concorrência destrutiva, fixando tarifas e/ou alocando tráfego entre ferrovias rivais. A maior parte deste esforço falhou; invariavelmente pelo menos uma das companhias quebraria sua promessa para tentar tirar vantagem das outras.

Em retrospecto, a resposta de Morgan foi marcante. Ele implorou para que suas contrapartidas da economia se consolidassem como uma questão de política. A consolidação, ele incitou, era o antídoto mais efetivo contra depressão e a queda dos lucros dos bancos induzidos pela concorrência feroz. Tal consolidação era do interesse do capital. Praticando o que ele tinha pregado, Morgan tomou controle de um sexto das maiores ferrovias dos EUA.

A indústria do aço mostrava uma dinâmica parecida. O superinovador Andrew Carnegie introduziu avanços tecnológicos que aumentavam a produtividade com uma frequência incomum. Sua taxa alta de renovação de capital acabava por diminuir seu custo unitário, aumentava os custos da concorrência e desvalorizava seu capital obsoleto, permitindo a ele levar muitos deles à falência através da concorrência de preços.

Isso fez com que grandes banqueiros como J. P. Morgan tivessem em suas mãos grande devedores incapacitados de pagar seus empréstimos. A concorrência feroz foi de novo corretamente vista por Morgan como contrária aos interesses do capital.

Carnegie era um incômodo em especial para Morgan, que repetidamente pedia a ele desacelerar suas inovações. Quando Carnegie resistiu, Morgan simplesmente o comprou e consolidou a Carnegie Steel Company com alguns de seus concorrentes mais fracos. Em 1901 o monstro do aço criado por Morgan se tornou a US Steel. Isso criou um precedente e também um ímpeto para a oligopolização de grandes indústrias, que se tornaria a marca característica do capitalismo do século vinte. A concorrência feroz foi substituída pela concorrência "correspectiva", efetivada principalmente por meio de propaganda, novos produtos, tecnologia melhorada e mudança organizacional. 

Morgan tornou-se o primeiro crítico ativo proeminente da concorrência feroz. Seu esforço consciente de tentar limitar a concorrência foi a primeira tentativa histórica de um grande ativista da classe dominante de deliberadamente intervir na dinâmica da economia em resposta a falências e depressão econômica.

As lições de Morgan são implicitamente subversivas. Ele mostrou aos seus irmãos da indústria que seus interesses individuais eram melhor alcançados através de ação conjunta. Morgan entendeu que o agente capitalista de maior sucesso não é o indivíduo, mas a classe. O mesmo, claro, se aplica ao sucesso anti-capitalista. Isto Morgan não endereçou.

O capitalismo organizado era muito diferente do seu antecessor do século dezenove, com apenas uma exceção. Em ambas as épocas o liberalismo econômico se mantinha; a regulação do mercado pelo governo era praticamente inexistente. A falta de regulação foi um fator importante na formação tanto da Grande Depressão quando da atual recessão grave.

A Grande Depressão: Golpe de Estado como resposta à politização do Estado criada pelo New Deal.

A resposta de J. P. Morgan à crise foi recomendar à sua classe formar uma nova organização industrial. A reconfiguração resultante da economia privada foi alcançada sem praticamente nenhuma participação aberta do Estado, de acordo com a ideologia predominante do laissez faire. A ideia de que o Estado pudesse dar uma resposta aos problemas econômicos através de uma intervenção ativa ainda não era parte do pensamento oficial. 

Durante a crise dos anos 1930 a ortodoxia dominante foi severamente desafiada. O precedente gerado por Morgan para lidar com o colapso econômico resultante da concorrência desenfreada era o de que eles poderiam se juntar para colocar a sua casa em ordem. Em contraste, o capital dos anos 1930 não tinha controle privado e nem estrategias adequadas para controlar a Grande Depressão.

As sementes da Depressão haviam sido plantadas nos anos 1920, quando a cena econômica era muito parecida como que precipitou a atual recessão. A produção, o investimento e os lucros cresceram muito mais rápido do que os salários. As uniões de trabalhadores eram fracas e a desigualdade cresceu – em 1928 foi o ano recorde de desigualdade de renda de então – e os trabalhadores dependiam muito na criação de dívidas para poder comprar a avalanche dos novos produtos de consumo. Durante a segunda metade da década o crescimento econômico era devido em grande parte ao consumo bancado pelo crédito financeiro.

A desigualdade sem precedentes resultante dessa configuração aumentou ainda mais a distância entre a capacidade produtiva e a demanda, e foi causa, a partir do começo de 1926, do arrefecimento das vendas dos bens de consumo duráveis – rádios, refrigeradores, torradeiras, carros – das quais a saúde da economia de produção era dependente. A taxa de crescimento da produção recuou drasticamente, o que causou a fuga do capital de investimento para mercados financeiros, ultimamente induzindo a quebra de 1929. Você já ouviu isso antes?

Refletindo sobre esses acontecimentos, os Keynesianos em volta de Roosevelt propuseram a idéia de que a economia tinha alcançado "maturidade" durante o estágio final da industrialização dos anos 1920. Todas a expansões precedentes que se seguiram das recessões tinham sido impulsionadas por investimentos feitos nos meios de produção e nos lugares de trabalho; a nação ainda estava se industrializando. Desta vez, e pela primeira vez, era diferente. A capacidade de produção em excesso era muito grande ao final da década, mas isso não ocorrera do mesmo modo que no final do século dezenove, cuja causa foram as falências em série. O flagelo tríplice de desigualdade, excesso de investimento e baixo consumo foram os culpados. Com a base da infraestrutura no lugar, e as instalações produtivas obviamente supérfluas, o único modo da economia se recuperar era se o consumo fosse ressuscitado. Mas o estado da economia privada não permitia que isso ocorresse, isto era o que Keynes tinha entendido. A sua prescrição foi feita para a recuperação de uma economia industrial madura que se encontrava em uma recessão autoperpetuante grave e contínua.

O cenário histórico estava agora pronto para o aparecimento da resposta Keynesiana de que somente um agente de fora do mercado, que não seja impulsionado pela busca do lucro, pode restabelecer uma economia capitalista madura que se encontra em depressão profunda. Muitos dos conselheiros econômicos de Roosevelt eram Keynesianos, e a combinação de sua tutela com a crescente mobilização dos trabalhadores convenceu o presidente a inciar uma importante ruptura com o precedente do mercado livre. Roosevelt iniciou um grande plano de investimento público e de empregos oferecidos pelo governo que não só reverteu a recessão de 1929-1933, mas que também gerou a maior expansão cíclica dos EUA até aquele momento, em 1934-1938.

Para a classe de negócios essa parecia ser uma guinada revolucionária exagerada. A forte denúncia dos banksters feita por Roosevelt no mesmo momento em que ele politizava o Estado em nome dos interesses da classe dos trabalhadores foi vista como uma ação terrível e sem precedentes, como se fosse um ataque popular feito pelo Estado ao poder da Grande Fortuna. A resposta óbvia da classe de negócios não foi tentar reconfigurar o setor privado como Morgan tinha feito, mas foi tentar capturar o Estado, que eles viam como sendo um perigo maior para o seu domínio do que a própria Depressão. Morgan tinha lidado com questões econômicas. Mas o surgimento de uma forma madura de organização econômica oligopolizada demandou dos líderes uma resposta política.

A elite dominante organizou em 1933 um golpe para tentar retirar a administração de Roosevelt do poder e tentar substituí-la com um governo nos moldes dos de Adolf Hitler e Benito Mussolini. (Um Comite do Congresso de 1934 determinou que Prescott Bush, avô de George W. Bush, estava em contato com Hitler.) Entre os conspiradores estavam alguns dos mais proeminentes membros da classe de negócios, muitos deles nomes familiares da época. Entre eles estavam Rockefeller, Mellon, Pew, Morgan e Dupont, assim como empresas como Remington, Anaconda, Bethlehem e Goodyear, e os donos de Bird's Eye, Maxwell House e Heinz. Cerca de vinte dos maiores homens de negócios e de finanças de Wall Street planejavam juntar um exército de quinhentos mil homens, formado em sua maioria por veteranos desempregados. Essas tropas constituiriam as forças armadas por trás do golpe e serviriam para combater qualquer resistência gerada pela revolução. 

Os revolucionários escolheram o general Smedley Butler, que havia recebido a Medalha de Honra, para organizar as suar forças armadas. Butler ficou chocado com o plano e o contou para jornalistas e para o Congresso. Roosevelt rapidamente acabou com o plano.

A tentativa de efetivar um golpe foi um evento marcante na história dos EUA, mostrando claramente o que pensavam os americanos ricos. (Não há menção desse evento nos livros de história dos EUA. Ela não é considerada adequada para ser vista impressa.) Não temos motivo para pensar que os instintos fascistas foram purgados do caráter da classe dos que guiam o Estado. Também notável, o escândalo nos alerta para o Leninismo da elite, a sua identificação com o Estado como sendo o maior prêmio político alcançável, o lugar do poder de classe.

Ironicamente, foi Keynes que colocou a captura do Estado na agenda nos anos pós-guerra. O Keynesianismo dos anos 1930 testemunhou o Estado legislando de acordo com os interesse dos trabalhadores, e concorrendo com sucesso com as empresas privadas no mercado de trabalho. Este era um Estado funcionando de modo explicitamente politizado, e nos olhos da elite, como sendo um comitê executivo da classe dos trabalhadores.

O capital aprendeu uma lição de grande importância: controlar o poder do Estado deveria figurar como a sua principal agenda politica. Também aprenderam que é mais fácil planejar do que efetivar a tomada do controle do Estado. Nos últimos anos da Era de Ouro os capitães da riqueza estabeleceram uma estratégia politica de longo prazo para desfazer o New Deal e a Great Society, e para colocar no lugar mecanismos que prevenissem o seu reaparecimento. Desta vez era para ser um New Deal para o capital, um Estado descaradamente politizado para a classe que realmente conta. Estes foram os anos de formação do neoliberalismo.

A Idade de Ouro não tão dourada para o Capital
A Idade de Ouro tem como marca característica a incrível taxa de crescimento e a segurança material sem precedentes gozada por um bom número de trabalhadores. Mas as taxas de crescimento não nos dizem nada a respeito de como os frutos do crescimento são distribuídos. O momento atual ilustra esse ponto muito bem. A taxa de crescimento da economia tem sido muito baixa, enquanto que os lucros das corporações e a renda dos 0.01% do topo tem alcançado novos recordes. Junte isto com a deliberada distribuição de renda e riquezas dos resto para os mais ricos. A distribuição é muito importante para os ricos. Se a riqueza e/ou a renda fosse redistribuída para outra classe, então o poder também seria redistribuído. E isso não é benquisto por aqueles que guiam o Estado.

O período do New Deal/Great Society viu uma crescente redistribuição de riquezas do capital em direção ao trabalho. A fatia da renda nacional apropriada pelos 1% do topo declinou gradualmente durante aqueles anos. Em 1928, o ano com maior desigualdade desde 1900, a fatia desses 1% era de mais de 23%; ao final dos anos 1930 ela tinha baixado para 16%. E caiu para 11-15% nos anos 1940, para 9-11% nos anos 1950 e 1960, e finalmente caiu para seu ponto mais baixo de 8-9% nos anos 1970.

Estes foram os primeiros 50 anos de redistribuição de renda dos mais ricos para o resto dos americanos em sua história. Os oligarcas iriam tomar providências para que isso jamais acontecesse novamente.

As elites viram a redistribuição de renda como sendo inerente a qualquer política do Estado, distribuindo para os trabalhadores benefícios que o mercado não providenciaria se deixado por ele mesmo. Se você dá a eles um pouco, então aos poucos eles irão querer tudo. Para aqueles acostumados a estar no comando, Lyndon Johnson parecia estar respondendo à pressão popular para fazer ainda mais do que o New Deal já tinha feito; ele expandiu o programa para incluir pagamentos por incapacidade ou invalidez e mais ainda. Johnson e um Congresso Democrata aprovou novas leis e emendas, em sua maioria em torno de questões ambientais e para o consumidor, que teve como resultado o corte dos lucros das empresas ao forçar as corporações a absorver alguns dos custos que antes eles externalizavam para o resto dos consumidores.

Em menos de quatro anos o Congresso aprovou uma série de leis: a Lei da Verdade no Empréstimo, a Lei do Embalamento e Rotulamento Justo, a Lei Nacional do Trafego e Segurança de Veículos, a Lei Nacional de Segurança de Gasodutos, a Lei Federal de Substâncias Perigosas, a Lei de Tecidos Inflamáveis, a Lei Federal de Inspeção de Carnes e a Lei de Proteção da Criança. Ufa!

As relações entre o governo e os negócios jamais tinham tido tamanha avalanche de legislação que limitasse a liberdade do capital pelos interesses dos trabalhadores.

Entre 1964 e 1968 o Congresso aprovou 226 das 256 leis favoráveis aos trabalhadores. Os recursos federais transferidos para os pobres aumentou de U$9.9 bilhões em 1960 para U$30 bilhões em 1968. Um milhão de trabalhadores receberam treinamento para o trabalho por causa dessas leis e dois milhões de crianças foram matriculadas em programas de pré-escola até 1968.

O que fez tudo isso especialmente assustador nos olhos dos grandes ricos era que os Republicanos pareciam ter aceitado a idéia de redistribuição de renda. Em 1971 Richard Nixon anunciou: "Agora sou um Keynesiano no que concerne a economia" (e não "Somos todos Keynesianos agora", como a sentença é no geral erroneamente citada). Na verdade Nixon era um gastador não-militar doméstico maior do que Johnson fora. Durante seu primeiro mandato ele aprovou uma lei de reforma fiscal muito importante, criou a Agência de Proteção Ambiental junto com quatro leis ambientais, a Administração de Segurança e Saúde Ocupacional, e a Comissão de Segurança dos Bens de Consumo.

A combinação de regulamentação e redistribuição de renda deixou a classe dos trabalhadores materialmente segura de um modo que jamais tinha sido, e também a deixou mais inclinada a se sentir importante. Quando a economia começou se aproximar do pleno emprego, perto do pico da expansão da Idade de Ouro, em geral aumentaram os atrasos, relaxamento, troca de empregos e a militância por parte dos trabalhadores. Os EUA alcançaram o topo das tabelas da OCDE de greves por trabalhadores em 1954, 1955, 1959, 1960, 1967 e 1970.

Logo as empresas notaram esse dado. Comentando sobre as causas da recessão de 1970-1971 que se seguiu depois da expansão dos anos 1960, um artigo de primeira página do Wall Street Journal (26 Janeiro, 1972) notou que: 

'Muitos executivos de fábricas reclamaram abertamente que nos últimos anos muito controle tinha passado da administração para os trabalhadores. Com as vendas se arrastando e a concorrência aumentando, eles se sentem mais seguros para tentar restabelecer o que eles chamam de "balanço".'

É difícil subestimar o impacto dos novos regulamentos, da redistribuição de renda e da militância dos trabalhadores nos negócios. Os regulamentos dizem respeito à classe, e veremos como eles inspiraram aqueles que estavam sendo regulados a responder como uma classe para poder se defenderem. Nós podemos começar contrastando o anti-Keynesianismo neoliberal com as tentativas padrões das empresas de tentar influenciar o governo no período pós-guerra.

Na mesma medida em que as empresas tentaram se mobilizar antes do neoliberalismo, as suas táticas eram fragmentadas e limitadas em alcance. A indústria aérea pressionaria o Conselho de Aviação Civil e/ou subornaria um senador (e.g. O senador de Washington Scoop Jackson, conhecido como "O Senador da Boeing"), empresas siderúrgicas se aproximariam do Congresso para tentar obter leis protecionistas, produtores de energia ganhariam descontos nos impostos devidos por influência de seus congressistas favoritos, e as empresas atacariam as uniões de trabalhadores. Muito disso era feito através de contato pessoal. Empresas individuais e indústrias específicas tinham estratégias próprias; não havia nenhum meio de resistência trans-setorial às ameaças das empresas como um todo. Mas é da natureza da regulação impor esse tipo de ameaça ao afetar muitas indústrias ao mesmo tempo. Não é de se surpreender que as empresas iriam responder a isso com uma nova forma de mobilização, uma tentativa das empresas de tentar tomar conta do poder do Estado através de meios políticos, uma tentativa menos dramática, mas não menos efetiva do que um golpe de Estado.

A Contrarevolta do Capital: O Legado do Relatório Powel
Ao final do século dezenove, Morgan havia incitado os donos de indústrias a se organizarem dentro do setor privado. Durante a Grande Depressão o grande capital reuniu politicamente as suas energias na tentativa de tomar o poder do Estado em um golpe. A próxima tentativa notável das empresas de coordenação e mobilização também foi através de uma ação política, novamente com o intuito de tomar controle do Estado, somente desta vez a estratégia seria uma guerra de classes metódica e a longo prazo. 

Em 1971 o futuro juiz da Corte Suprema Lewis Powell distribuiu em um círculo de empresários um relatório cuja intenção era politizar os capitães da indústria como forma de resistência ao legado do New Deal e da Great Society. O relatório fora escrito como um manual neoliberal.

"o sistema econômico Americano está sendo atacado. As empresas devem aprender a lição … de que o poder político é necessário; e que tal poder deve ser cultivado de modo assíduo; e que quando for necessário ele deve ser usado agressivamente e com determinação – sem vergonha e sem a relutância que tem sido tão característica das empresas Americanas … A força está na organização, no planejamento cuidadoso e na implementação a longo prazo, em ações consistentes ao longo de um período indefinido de tempo, e em uma escala financeira que só está disponível através da ação conjunta, e no poder político que só está disponível através da ação conjunta e de organizações nacionais."

Em seu livro notável Winner-Take-All Politics, os cientistas políticos Jacob Hacker e Paul Pierson descrevem o contra-ataque organizacional das empresas como "sendo uma versão doméstica do Choque e Pavor." As realizações foram impressionantes:

"O número de corporações com escritórios de assuntos públicos em Washington cresceu de 100 em 1968 para mais de 500 em 1978. Em 1971 somente 175 empresas tinhas lobistas registrados em Washington, mas em 1982 haviam quase 2500. O número de Comitês de Ação Política (PAC) cresceu de menos de 300 em 1976 para mais de 1200 em meados dos anos 1980. Em todas as dimensões de atividade política corporativa os números revelam uma rápida e dramática mobilização dos recursos das empresas em meados dos anos 1970."

Este período também viu o nascimento de mega-organizações militantes representantes tanto de pequenas quanto de grandes empresas. Em 1972 a Mesa Resonda de Negócios foi formada, e a sua associação incluía os CEOs de 113 das 200 empresas do topo da lista de revista Fortune. O presidente tanto da Mesa Redonda quando da Exxon nos primeiros anos do mandato de Reagan, Clifton Garvin, disse "A Mesa Redonda tenta trabalhar com qualquer partido político que esteja no poder … como um grupo a Mesa Redonda trabalha com todos os governos na medida em que nos deixam."

A Câmara de Conferência (Conference Board) focou ainda mais o capital ao unir executivos de empresas particularmente bem posicionados para entrar em contato pessoalmente com legisladores-chave. A Câmara desenvolveu uma agenda engenhosa: aprender as táticas dos grupos de interesse público e do trabalho organizado para poder subverter a agenda desses grupos.

A Mesa Redonda e a Câmara de Conferência fizeram lobbies e estabeleceram relações com funcionários do Congresso. As organizações representantes de empresas menores também cresceram rapidamente nos anos 1970. Com o custo unitário mais alto, e sem o poder de estabelecer preços que só os oligopólios têm para poder balancear os custos administrativos da regulamentação, as empresas estavam altamente motivadas a se mobilizar. A Câmara do Comércio e a Federação Nacional das Empresas Independentes dobraram o número de seus membros, tendo a Câmara triplicado o seu orçamento.

Foi durante este período que a presença corporativa em Washington tornou-se manifestamente presente. Enquanto as empresas sempre foram bem representadas na capital federal, as câmaras legislativas jamais tinham visto tamanha corporativação. 

Mas a estratégia corporativa não se limitava a somente subornar políticos. As maiores organizações aprenderam a sua lição vendo seus antagonistas, os grupos de interesse público, avançando a demanda popular por mais regulamentação e trabalho organizado. A contrarevolta das empresas imitou a estratégia desses grupos. Os grupos corporativos fizeram uso de seus amplos recursos, incluindo técnicas sofisticadas de propaganda e comunicação para organizar campanhas em massa compostas de um grupo heterogêneo de acionistas, empresas locais, empregados e empresas mutuamente dependentes, como fornecedores e varejistas. Washington iria sofrer uma torrente de ligações, petições e cartas avançando os interesses das empresas.

Em pouco tempo as elites ultrapassaram tanto as organizações de serviços públicas quanto os trabalhadores organizados no que eles faziam de melhor – organização de baixo para cima.

Dentro de dez anos o controle corporativo estava bem estabelecido. Nos anos 1980 os PACs corporativos repassaram cinco vezes mais dinheiro a aqueles que avançavam seus interesses no congresso do que eles tinham feito nos anos 1970.

O programa da infraestrutura política do capital unido iria desfazer as políticas e prioridades do Estado que tinham gerado a redistribuição de renda e o ativismo dos trabalhadores através da limitação do capital e do aumento do poder dos trabalhadores por quase três décadas. Em suma, o legado do New Deal e da Great Society tinha que ser desfeito. Mas estes eram projetos político-econômicos que iriam requer um impulso continuado do Estado para poder continuarem a ter efeito. O capital mobilizado tinha que capturar o Estado e o tornar inoperativo para os fins dos proletários. O Estado tinha que ser reconstituído explicitamente como um Estado capitalista já que a elite o via até então como organizado para os trabalhadores e contra o capital. Para tanto, era requerido o equivalente funcional de um golpe de Estado.

E houve um golpe. O ex economista chefe do Fundo Monetário Internacional, Simon Johnson, escreveu em um dos maiores semanários sobre "a reemergência de uma oligarquia financeira americana" em "O Golpe Silencioso", The Atlantic (Maio 2009). Johnson deixou claro que não tinha a intenção de usar "golpe" como um floreio retórico nem como uma metáfora. O capital financeiro tinha efetivamente privatizado o Estado. O neoliberalismo havia sido bem sucedido não só em permanentemente garantir um governo reacionário, mas tinha capturado o próprio Estado. 

Anteriormente, uma mudança de governo - por exemplo do governo de Eisenhower para o de Kennedy – poderia levar a uma mudança significativa nas políticas domésticas dentro do contexto de um Estado Keynesiano. Já o neoliberalismo procurou mudar as prioridades mais fundamentais do Estado.

Missão Cumprida: O Estado Neoliberal Privatizado
Todos os principais países capitalistas se desindustrializaram nos últimos trinta anos. A capacidade industrial do Ocidente já está demasiadamente madura, a produção de widgets tem explicado a queda na porcentagem do total da produção, do total de empregos e do total de lucros nestes países que uma vez foram democracias. A participação do FIRE tem aumentado, e seus chefes agora dão as cartas. Esses acontecimentos ocorreram concomitantemente com uma sequência de crises financeiras (2) . Esta configuração requer muito mais – ao invés de menos – atuação do governo na vida econômica.

Resgatar ou não resgatar – e quem deve ser resgatado às custas de quem? Como a produção pode prosperar se o clima econômico atual aumentou a concorrência entre os países desenvolvidos desindustrializados, e com os mercados emergentes prontos a entrar na briga? As respostas para estas perguntas são claras. A elite financeira recebe tudo, enquanto que a produção é "reestruturada" como um setor de salários baixos que tem como alvo os mercados que mais crescem no mundo, que não estão nas metrópoles imperiais.

A taxa de desemprego deve ser mantida alta até que os salários baixem o suficiente para fazer com que os EUA se torne um concorrente no mercado global. Nada disso poderia começar a ser feito sem a união do Estado com os interesses corporativos. O resgate financeiro e a resestruturação da indústria automobilística feita por Obama são os exemplos mais claros disto. O novo Estado deve se tornar – ou se tornou? - um Estado capitalista, mas não no sentido trivial de ser um Estado em um país capitalista, e sim como um Estado que é de forma não ambígua a favor das grandes riquezas .

Colocando o caráter de classe do Estado na agenda política
O governo não é o mesmo que o Estado. As alternativas de governo – Republicano ou Democrata – dentro do contexto de um Estado neoliberal anti-Keynesiano devem ser tão limitadas a ponto de não figurarem como alternativas. Já deveríamos esperar que não houvesse nada de diferente entre os partidos, dada a dissolução das funções sociais do Estado no período pós-guerra. Se o que sobrou do New Deal e da Great Society for considerado pelos administradores do Estado como a "religião antiga", como Obama as caracterizou em A Audácia da Esperança, então as políticas alternativas devem ser uma bagatela, da perspectiva dos interesses da classe dos trabalhadores, e as pseudo-disputas entre os partidos devem ser vistas como não sendo importantes.

O desdobramento histórico do capitalismo norteamericano colocou o caráter de classe do Estado diretamente na agenda política. Isso foi a prioridade número um da plutocracia por um longo período de tempo. Está mais claro do que nunca para muitos americanos que todo o estabelecimento político não está preparado e não quer lidar com a economia e com o Estado a partir dos interesses dos trabalhadores. As preocupações da classe dominante do Estado neoliberal homogeniza as opções de políticas e torna a politica partidária padrão odiosa e obsoleta. 

Um programa político de esquerda efetivo deve dar aos seus constituintes uma concepção radicalmente revisada do que significa fazer política. E não menos importante é a formação de uma prática política que encarna de modo atrativo esta reconcepção radical. Um OWS independente é exatamente como tal prática se pareceria em seu estágio embrionário. Muito depende de como tal movimento irá se desenvolver. 

Notas
(1) Referências à política Keynesiana requer a lembrança de de Keynes encorajava uma política econômica muito mais radical do que o New Deal e a Great Society ofereciam. Talvez a prescrição Keynesiana mais negligenciada seja a insistência de que a politica fiscal e os empregos criados pelo governo não são ferramentas com uso limitado a recessões. Keynes acreditava que o pleno emprego requeria um estimulo constante do governo, mesmo durante períodos de expansão econômica.

(2) Economias e empréstimos (começo dos anos 1980), a crise da dívida Mexicana (1982), o colapso do peso Mexicano (1994, um ano depois da aprovação da NAFTA), a crise financeira asiática (1997), A desvalorização e calotes Russos (1998), a crise da dívida Argentina (2001), Enron (2001), Worldcom (2002), as bolhas das companhias .com no final dos anos 1990 e a atual turbulência, que não tem precedentes de seu tipo na história do capitalismo.

(*) Alan Nasser é Professor Emeritus de Economia Política no Evergreen State College em Olympia, Washington. Este texto é uma adaptação de seu livro que está sendo escrito, O "Novo Normal": Austeridade Crônica e o Declínio da Democracia. Ele pode ser contatado em nassera@evergreen.edu

Tradução: Márcio Larruscahim

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quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Uma atitude política - O poder e a esquerda festiva

O artigo abaixo de Eduardo Guimarães mostra qual a atitude do governo do PT, e isto vale tanto para o Governo Lula quanto Dilma.
 
A decisão e a prática política do partido é a de apresentar-se como um bom administrador o estado.
 
Apenas um bom administrador do sistema burguês elitista de governo do Brasil.
 
E de fato tem conseguido isto.
 
Um bom administrador não vai fazer uma reforma ou reestruturação política mais profunda, apenas administrar bem as contas e a estabilidade. Fazer nosso capitalismo um pouco mais produtivo, com menos instabilidade e um pouquinho menos de desigualdade.
 
No final do ciclo estará satisfeito de entregar tudo funcionando para os adminstradores conservadores tradicionais.
 
Imaginem daqui a 3 anos:
- Estaremos com uma proporção de dívida sobre o PIB de 35%(a menor da história) com vasta capacidade de novo endividamento .
- Teremos reservas de 400 bilhões de dólares, com enorme possibilidade de um novo governo conservador armar um ataque especulativo atrás do outro e liquidar tudo isto num upa.
- O Pre-Sal vai estar maduro, voltar o regime de concessão onde o concessionário paga só 5% de imposto e privatizar as reservas da Petrobras vai gerar comissionamentos e caixa gigantesco.
 
Sem uma reestruturação no perfil político social do Brasil em um futuro próximo veremos o PT fazer rico o Estado Brasileiro para em seguida entregar tudo para os partidos conservadores fazerem a maior pilhagem da história do país, superando a privataria de FHC.
 
Quem está tomando corpo político é o PSD, um bando de milhonários de extrema direita. Além da onda anticorrupção alienante e que derruba um ministro atrás do outro, junto com a imagem do governo.
 
Ser um administrador competente foi a opção dos partidos socialistas e sociais democratas da Europa, nada de revolução, nem reformas produndas, nem umas reforminhas, daí convencemos a população de que precisamos de um governo de esquerda para que? Para administrar bem o capitalismo? Então melhor entregar para os verdadeiros capitalistas.
 
 
 
 
O poder e a esquerda festiva

Eduardo Guimarães

 <http://www.blogcidadania.com.br/wp-content/uploads/2011/11/titanic.png>
http://www.blogcidadania.com.br/wp-content/uploads/2011/11/titanic.png

Leio postagem do jornalista Paulo Henrique Amorim em que ele fornece duas
informações cruciais porque conduzem a uma reflexão que já passou da hora de
ser feita. PH, que sabe das coisas, diz que o governo Dilma não fará "ley de
medios" alguma porque acredita que a tecnologia dará conta do recado. São,
portanto, duas informações. Vamos a elas.

Não chegará a ser surpresa se o governo Dilma ou o Congresso não propuserem
uma lei da mídia de verdade, como a da Argentina, a dos Estados Unidos ou a
da França, entre tantas outras. Um governo que não consegue nem impedir que
a mídia lhe derrube um ministro por mês certamente não teria força para
aprovar uma lei que a mesma mídia não quer.

A outra informação é a de que o governo, simplificando a explicação, aposta
na fusão da tevê e do rádio com a internet e na entrada das teles (empresas
de telefonia) na produção de conteúdo. Com o tempo, os meios impressos e
eletrônicos terão que migrar para a internet. Então, serão obrigados a
disputar público com empresas que têm muito mais recursos.

Nenhum outro país sul-americano que elegeu governo oriundo da esquerda está
esperando que o fim do monopólio da direita nas comunicações lhe caía no
colo. Isso porque a esquerda brasileira difere completamente da que há em
países como Argentina, Bolívia, Equador, Paraguai, Uruguai ou Venezuela.

Nesse contexto, Argentina, Bolívia, Equador e Venezuela são os países da
região que enfrentaram as lutas mais duras para aprovar uma "ley de medios".
Por que os governos desses países optaram por não ficar esperando que a
tecnologia acabasse com o oligopólio nas comunicações? Não seria melhor do
que enfrentarem até tentativas de golpe por terem desafiado o principal
sustentáculo da direita no Terceiro Mundo?

Hugo Chávez, o casal Kirchner, Evo Morales, Rafael Correa sabem que a
influência desses impérios de comunicação entranhou-se nas sociedades
latino-americanas e que, por isso, eles acabariam se compondo com as teles e
migrando para as novas plataformas. Por isso não ficaram esperando a
democratização da comunicação cair do céu.

O Brasil, porém, está preferindo o auto-engano. Isso ocorre porque, à
diferença da esquerda de outros países que finalmente elegeram governos
progressistas, a centro-esquerda brasileira se deixou amaciar, amansar e, em
boa medida, cooptar pelo capital e suas delícias.

Já a esquerda mais radical (no bom sentido), que mantém seus dogmas
intocados tanto aqui quanto nos países que adotaram projetos de
centro-esquerda baseados em crescimento econômico fomentado pelo Estado e em
intensa inclusão social, não é opção por acalentar dogmas incompatíveis com
a realidade global contemporânea.

Na América do Sul progressista que vai se desenhando, portanto, o Brasil é o
único país em que a centro-esquerda governa, mas no qual quem manda é a
direita.

Tudo decorre, por aqui, da inevitável aproximação da centro-esquerda com os
setores "pragmáticos" da direita que se aliam até ao diabo para se manter
próximos ao poder. Com governos de coalizão como o atual ou o anterior, nos
quais coube e cabe um partido de centro-direita como o PMDB, a
centro-esquerda petista decidiu relaxar e gozar.

Essa esquerda acomodada e festiva se perdeu em autocongratulações e
convescotes, no desfrute da fartura do poder e de tudo que o dinheiro
público pode comprar. Acabou, assim, por ceder as ruas à direita –hoje,
vemos a situação inusitada de a direita estar conseguindo pôr mais gente na
rua do que a esquerda.

Por conta disso – e à diferença de outros países sul-americanos governados
pela esquerda –, nenhuma reforma estrutural de verdade foi feita no Brasil
nesses quase dez anos de governo do PT. Ou seja: se um governo de direita
voltar ao poder, desmontará facilmente todos os avanços sociais logrados até
aqui.

Bolsa Família, Prouni, exploração do Pré Sal, fomento do crescimento pelo
Estado, tudo pode virar pó em questão de meses se a direita voltar ao poder.
Políticas públicas concentradoras de renda podem voltar a ser aplicadas,
programas sociais podem ser desinflados.

Enfim, se o PSDB volta ao poder em 2014, tudo o que os setores que estão
ascendendo socialmente lograram nos últimos anos pode ser perdido
rapidamente.

Falemos do Pré Sal, por exemplo. Muitos devem ter lido as revelações do
Wikileaks sobre as reuniões entre José Serra e as petroleiras estrangeiras
durante as eleições do ano passado e as promessas que ele fez de mudar o
regime de exploração do Pré Sal de partilha para concessão. Em 2015, se esse
ou qualquer outro tucano for o presidente, a mudança ocorrerá.

Detalhe: se o modelo tucano de concessão for usado na exploração do pré Sal,
os estrangeiros novamente se fartarão com o patrimônio público brasileiro
como fizeram na época da privataria. As petroleiras alienígenas sugarão todo
o petróleo e nos darão uma gorjeta por deixarmos que seja tirado daqui.

Em vez de lutar pela diluição da capacidade da direita de falar sozinha na
mídia, o que tornaria o jogo eleitoral mais equânime, a centro-esquerda
brasileira parece acreditar em alguma força mística que a manterá no poder.
Despreza o fato de que uma eventual redução no nível de atividade econômica
colocará fim à sensação de bem-estar que vem mantendo o PT no poder.

Não que o Brasil esteja sendo mal governado. Dilma Rousseff é uma boa
gerente. Está cheia daquelas boas intenções das quais o inferno está cheio.
Uma delas é a de não conflagrar o país politicamente, adotando tática de
distensão que a está levando a ceder e ceder e ceder politicamente, ainda
que esteja gerenciando o governo com a competência que a consagrou.

Todavia, o Brasil não tem mais um líder político – tem uma gerente
competente, honesta e bem-intencionada, mas apenas uma gerente. Sem
liderança política, o povo se despolitiza. Despolitizado, torna-se presa
fácil para o canto da sereia reacionário que vai turvando o debate público
com a lente conservadora.

Enquanto o venezuelano mais humilde conhece hoje, de trás para frente, a
constituição de seu país, lida e explicada pelo Estado nas favelas urbanas e
em cada rincão da Venezuela, o brasileiro não tem nem idéia do que está por
trás do jogo do poder e continua acreditando na predestinação dos ricos e na
fatalidade de que padeceriam os pobres.

Enquanto isso, a cena que se vê na esquerda brasileira lembra a da orquestra
do Titanic, que tocava animadamente no convés enquanto o navio afundava.

A esquerda festiva precisa parar de festejar, de se congratular e de, não
raro, refestelar-se com dinheiro público. Urge que se dê conta de que o
poder não lhe pertence, de que lhe foi apenas delegado. Tem que começar a
semear já mudanças estruturais que impeçam que eventual volta da direita ao
poder desmonte tudo que foi feito na década passada.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Neocolonialismo Imposto a Grécia e a Falta de Projeto Nacional no Brasil

Europa impõe neocolonialismo à Grécia, diz economista
 
A queda de George Papandreou é uma vitória do mercado financeiro, que conseguiu enterrar a ideia - mal encaminhada - do plebiscito na Grécia. O pacote de resgate imposto pela Europa ao país é "uma forma de neocolonalismo".

A análise é do economista chileno Gabriel Palma, 64, professor da Universidade de Cambridge (Reino Unido). "Alemanha e França pensam que têm o direito de decidir o que acontece na Grécia depois do resgate. A falta de democracia é absoluta", diz.

Especializado em econometria e desenvolvimento, ele avalia que "o pior fantasma que há na Europa é a Itália".

A entrevista é de Eleonora Lucena e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 08-11-2011.

Palma critica o que chama de "passividade da América Latina" em relação ao crescimento puxado pelo preço excepcional das commodities e por fluxos de capitais externos. A Argentina é exceção, pois "está tomando medidas mais agressivas, mais pragmáticas".

Ataca a política de altos juros brasileira, que classifica como "monetarismo do século XIX", e define a desindustrialização do país como um processo de "vandalismo econômico".

Eis a entrevista.

O que acontece na Grécia?

O que acorreu na América Latina muitas vezes. Foi criada uma crise e os que pagam pela crise são outros. A Grécia cortou 25% da educação pública, 95% da saúde pública, deixou a habitação a zero. Nenhum desses setores foi causa da crise. Uns se beneficiaram e são outros os que estão pagando. Na Grécia, entre 2002 e 2007, o valor do estoque de bens financeiros (bolsa, ativos bancários, bônus públicos e privados) triplicou em termos reais. Cresceram seis vezes mais rápido que o PIB. A mentalidade moderna fala que o preço do ativo financeiro sempre reflete os fundamentos da economia. Obviamente não é isso.

Por que houve essa reação tão forte contra o plebiscito, agora descartado?

Na Irlanda o governo anterior ficou com todas as perdas do sistema privado. Fez sem perguntar a ninguém. Todos esses planos de resgate têm um elemento muito antidemocrático. Passam a dívida privada para a pública sem perguntar a ninguém. Chamar um referendo para o resgate não tinha muito sentido porque não era o ponto fundamental, que é se a Grécia segue no euro.

Na Islândia houve dois plebiscitos sobre a socialização das perdas. Se se faz um plebiscito o mais provável é que se diga não. Que a dívida privada fique com os privados. O grande erro de George Papandreou foi não ter feito isso quando assumiu o governo em outubro de 2009. Quando se passam perdas privadas para o setor publico tem que perguntar às pessoas que vão pagar. Os setores financeiros têm a maior parte desses governos no bolso. Ninguém quer a democracia. Ninguém quer o que houve na Islândia. Papandreou estava fazendo algo que era necessário, mas mal feito.

O que a Grécia deveria ter feito?

O que fez a Argentina em 2003: renegociar imediatamente com os mercados financeiros. Se eu vou a um banco e peço U$ 1 milhão para ir ao cassino e perco, a culpa é minha. Mas também do banco que emprestou dinheiro para uma coisa tão absurda. É assim o caso da Grécia. Os que emprestaram essa quantidade de dinheiro à Grécia são igualmente responsáveis por essa situação insustentável.

Na Grécia, até agora [segunda-feira, 7/11] não conseguiram chegar a um acordo sobre o primeiro-ministro, já que a escolha obvia - o ex-presidente do Banco Central Europeu, Lucas Papademos - está reivindicando muitas condições. De qualquer forma, concordaram com uma eleição geral em fevereiro, que não deve gerar um governo forte, pois nenhum partido deve ganhar a maioria.

A ameaça da França e da Alemanha contra o plebiscito não deixam a Grécia numa situação de pouca independência?

Sim. As condições que a Europa impôs à Grécia para o plano de resgate são uma forma de neocolonialismo. É cortar os gastos de educação, saúde, habitação - que paguem os que não têm responsabilidade pela crise. Houve um nível de brutalidade e de caráter antidemocrático muito forte. Alemanha e França pensam que têm o direito de decidir o que acontece na Grécia depois do resgate. A falta de democracia é absoluta.

A queda de Papandreou é uma vitória do mercado financeiro?

Sem dúvida. Isso que ele tinha feito, até poucos dias atrás, exatamente o que os mercados financeiros queriam. Hoje os mercados financeiros e as grandes corporações têm o poder de trocar governos, trocar primeiros-ministros. Isso é o fundamental da falta de democracia. Passado o drama [anúncio do plebiscito, queda de Papandreou] a atenção se volta para a Itália.

O caso grego é o pior?

O pior fantasma que há na Europa é a Itália. Nos próximos dois anos 600 bilhões de euros, quase U$ 1 trilhão, da dívida vencem e precisam ser renegociados. Qual será o preço? Não vejo de onde possa vir um governo forte, racional, capaz de adotar políticas fiscais que faça a situação sustentável. A menos que se tomem medidas muito drásticas. Uma das poucas soluções para a Itália seria que, de forma unilateral, transformasse sua dívida curta em dívida longa. Uma solução dolorosa.

A dívida total da Grécia é algo em torno de 350 bilhões de euros. E essa é a quantia que a Itália precisa renegociar todo ano. Ao menos a Itália não tem um déficit primário, como a Grécia, mas nas taxas de juros atuais --aproximadamente 7% na renegociação da dívida-- o país está entrando num esquema de Ponzi: precisam pegar dinheiro novo emprestado apenas para pagar o serviço da dívida existente.

Ou seja, precisam adicionar o serviço ao estoque da dívida. O problema central é que a dívida italiana, de quase 2 trilhões de euros, é cerca de duas vezes todo o fundo de resgate do euro. E a Espanha pode ser a próxima - embora a relação dívida/PIB seja apenas metade da italiana, o déficit do setor é de 9% do PIB e o desemprego chegou a 21%.

Veja a confusão. O maior déficit público na União Europeia é o da Grécia, de 143% do PIB em 2010. Depois vem a Itália, com 120%. Bélgica, Portugal e Irlanda, com menos de 100%.

A Grécia deveria ter renegociado de forma unilateral?

No primeiro dia. Como fez a Argentina. Os bancos europeus estão numa situação precária não só pela situação da dívida pública, ativos da dívida grega espanhola italiana, mas porque tinham ativos de subprime dos EUA e outros ativos muito precários. Não há como subestimar a precariedade dos bancos europeus.

E os resgates?

Os governos europeus saíram comprando dívida grega, que é de curto prazo. Houve uma transferência da dívida do mercado financeiro para os governos europeus. Esses governos europeus fizeram pressão em alguns bancos para que eles também mantivessem a dívida grega. Se há um default forte grego alguns bancos europeus vão sofrer fortemente, principalmente alemães e franceses. Mas 100% desses bancos vão ser resgatados pelos governos de seus países. Não vão fazer outro Lehman, com grandes perdas privadas. A dívida pública européia vai aumentar mais com o resgate desses bancos.

Está previsto um corte de 50% na dívida grega. Mas hoje os bônus valem quanto?

No mercado secundário o bônus vale menos de 50%. Hoje em dia não há preço, está tudo no ar. Hoje não vale nada, até que as coisas se resolvam. Antes dessa negociação era mentira que valiam 100%. Baixar a 50% é reconhecer um fato que já existe. Foi uma negociação da Alemanha e da França com os bancos privados que têm a dívida grega.

Mas o grande problema é a dívida italiana. Os bancos alemães e franceses têm muita dívida italiana. Esses 50% é sobre o que vale a dívida grega, mas a maior parte dela está com os governos europeus e alguns bancos grandes que têm de alguma forma a garantia dos governos. Se algum banco entrar em dificuldade os governos vão resgatar esses bancos. Por isso não creio que vá haver um grande mercado secundário de dívida grega como houve na América Latina.

A China vai salvar a Europa?

China já tem U$ 600 bilhões de dívida europeia. A China também pode ter muitas perdas. Mas os governos querem que a China compre mais, mais dívida italiana e espanhola. O mais provável é que compre um pouco. A pressão sobre a china é muito forte nesse momento, porque eles têm uma quantidade enorme de US$ 3 trilhões de reserva. Podem comprar toda a dívida espanhola e toda a dívida italiana. O grande problema dessa dívida é que é de curto prazo.

Por que China faria isso?

Para a China não convém um desastre mundial; tem interesse em deixar as coisas pelo menos como estão agora. Ela tem U$ 600 bilhões de dívida europeia. Se a China comprar a divida haverá muito menos pressão para que ela faça uma valorização da sua moeda. Há também fatores políticos. O mais importante é que, se amanhã a China tomar Taiwan numa negociação e a transformar numa Hong Kong, não haverá um país do mundo que vai se atrever a levantar um dedo. É a questão política para a China: ter todo mundo dependendo dela de tal forma que ninguém reclame sobre direitos humanos, sobre a valorização da moeda, nem por sua política em relação a Taiwan.

A China está desacelerando?

O crescimento continua a taxas muito espetaculares. A China é a única coisa que funciona nesse mundo, com Índia e algo de Ásia. É o único motor que está empurrando a economia mundial. Se desacelerar, complica a situação. China e Índia têm um mercado interno fantástico. Se os mercados externos se desaceleram, eles podem olhar mais para o mercado interno. E a China tem uma situação de balanço de pagamentos muito positiva.

Qual sua avaliação sobre as medidas sobre câmbio e fluxo de capital tomadas pela Argentina?

A Argentina é um caso à parte, faz coisas diferentes em política econômica. No resto da América Latina, Brasil, Chile, Peru não houve mudanças significativas de política econômica; são neoliberais. Os juros do BC brasileiro são os mais altos do mundo; no câmbio, o real é o mais sobrevalorizado do mundo, segundo o Goldman Sachs. São políticas ortodoxas, como na grande parte da América Latina. O êxito tem se baseado no crescimento dos preços das commodities e na grande entrada de capital estrangeiro.

A situação desses dois fatores que têm empurrado o crescimento é bastante incerta. O preço das matérias-primas não tem motivo para seguir subindo na situação atual. E a entrada de capital pode mudar a todo o momento. Os governos se ajustaram a isso como se fosse uma situação permanente e não transitória. Fizeram ajuste pelo consumo, não por investimento. Se os termos de intercâmbio voltam a níveis normais ou a entrada de capital se reduzir, o ajuste que terá que fazer a América Latina vai ser bastante forte.

E a probabilidade de que isso aconteça é alta. O preço das matérias-primas está onde está metade por causa da China, da Índia etc. E a outra metade é pela grande especulação das commodities. Essa especulação pode perfeitamente terminar. Pode haver um ajuste muito forte e muito rápido. Estamos dependendo de dois estímulos muito instáveis. O problema é que América Latina se ajustou a isso. Se os termos de intercâmbio fossem os históricos, o déficit de conta-corrente do Brasil seria mais do dobro do que é agora.

Mas Brasil tem mercado interno grande, uma indústria. Mesmo assim o ajuste seria grande?

O mais importante que vai minorar o ajuste são as grandes reservas que tem o BC; é um grande colchão. Isso México, Peru e Chile não têm. Com sorte, o Brasil vai seguir. Com má-sorte vai desacelerar mais.

O Brasil deveria cortar mais os juros?

O que mais me perguntam quando viajo à Ásia é: o que estão pensando os brasileiros para ter a política monetária que têm? Para mim é uma situação de monetarismo do século XIX. A única razão que existe é a inércia. O ponto das taxas de juros é sempre o mesmo: é muito fácil subi-las, mas muito difícil baixá-las, criou-se uma inércia. Como subiram no nível que subiram é muito difícil baixá-las para ter uma política monetária racional.

E as medidas argentinas?

Argentina é diferente na América Latina, tanto na política monetária quanto nos problemas que tem. Não que eu seja otimista, mas ao menos, uma coisa interessante na Argentina é que se está tomando medidas mais agressivas, mais pragmáticas, no sentido de uma política monetária expansiva, uma política fiscal expansiva, de uma regulação dos fundos de pensão e de outras partes do mercado financeiro. Pelo menos está fazendo algo.

Uma coisa que para mim me desespera é a passividade do resto da América Latina, de um pouco sentar-se e esperar para ver o que acontece. A Argentina tem uma política mais pró-ativa, não só reativa. Isso ao menos lhe dá uma possibilidade de seguir adiante. Não dá para subestimar os problemas da economia argentina.

Por quê?

A Argentina tem uma situação de balança de pagamentos muito mais complicada que o Brasil. Não só o balanço de pagamentos depende do preço alto das commodities, mas também as receitas públicas. O dia em que o preço da soja e de outros produtos importantes para a Argentina, como o trigo, voltar a seus níveis normais, o país não só ter um problema de balanço de pagamentos, mas também fiscal. No dia em que os preços do ferro e da soja voltarem a níveis normais, o Brasil terá um problema sério de balanço de pagamentos, mas não de contas públicas. Argentina terá os dois.

Mas as medidas são boas?

São muito melhores do que não fazer nada. Melhor do que a posição brasileira de usar só política monetária, deixar o câmbio flexível, deixar que os mercados ajeitem as coisas. Hoje em dia eles não são capazes de ajeitar nada. Portanto, fazer algo na direção certa é muito positivo. É difícil saber se essas medidas serão suficientes, ou ela terá que tomar medidas mais fortes.

O que o Brasil deveria fazer?

Sem dúvida não tem nenhum sentido o câmbio nem a taxa de juros. Essas duas variáveis não têm nenhum fundamento na realidade da economia brasileira nem de nenhuma perspectiva de teoria econômica ou de um ponto real. É basicamente deixar que os mercados financeiros internacionais determinem o tipo de câmbio brasileiro. É inaudito, pois o Brasil deveria estar defendendo a sua capacidade produtiva doméstica. Mas com esse câmbio e com essa taxa de juros, estão destruindo a indústria manufatureira brasileira.

Estamos vivendo uma situação em que os países, incluindo China e Índia, deverão cuidar mais de seus mercados domésticos como motor de crescimento. Nessa situação é imperdoável o que o Brasil fez com sua indústria manufatureira. Em 1980, o valor da produção manufatureira brasileira em dólares era igual que a soma da China, Índia, Coreia, Malásia e Tailândia. Hoje é 10% dessa soma.

Isso é vandalismo econômico. O Brasil tinha uma capacidade manufatureira que o colocava numa situação muito favorável para aproveitar a globalização com uma força industrializadora interna. E, por sua política monetária, cambial, de taxa de juros, e abandono da política industrial fez exatamente o contrário. Fez com que a indústria brasileira como percentagem do PIB caísse à metade do que era em 1980.

Custa muito construir e é muito fácil destruir. Ter construído uma indústria manufatureira como tinha o Brasil em 1980. Tinha os seus problemas, mas eram muito menores que os que tinham a indústria manufatureira chinesa ou hindu. Esses países conseguiram uma industrialização sem precedentes. O argumento de que isso aconteceu porque os salários são menores na Índia e China do que no Brasil não tem sentido.

Porque o que importa do ponto de vista produtivo é o custo laboral por unidade de produto. Ainda que o salário brasileiro fosse o dobro do chinês, a produtividade brasileira era três vezes a chinesa. Era mais barato produzir no Brasil. O custo unitário da produção manufatureira brasileira nos anos 1980 era menor que o chinês. Porque o diferencial de produtividade era maior que o diferencial de salário.

O Brasil tinha uma indústria muito poderosa, uma situação de baixos custos produtivos, numa situação ótima pra aproveitar a globalização e transformar-se num centro industrial muito forte, especialmente no processamento de matérias primas. E, em lugar disso, abandonou sua indústria manufatureira à sorte dos mercados, com esse tipo de câmbio, taxas de juros. Os países asiáticos, partindo de uma situação muito pior do que a brasileira, o superaram.

Daqui para adiante, os mercados domésticos vão ter um papel mais importante para o crescimento, mais do que tiveram nos últimos 20, 30 anos. Isso vai custar caro ao Brasil. Como há setores dinâmicos na economia brasileira, há pelo menos uma base para reconstruir a indústria. Mas para isso precisa mexer no câmbio, na política industrial, uma taxa de juros. É necessário fazer mais o que Luciano Coutinho está tentando fazer no BNDES, e não o que o BC está fazendo. É preciso um projeto nacional.



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