quinta-feira, 29 de abril de 2010

NEOLIBERALISMO E CRISE NA AMÉRICA LATINA: O CASO BRASIL

Luiz Filgueiras*

No início dos anos 90, o Brasil, tendo à frente o Governo Collor de Mello, foi o último país da América Latina a aderir e implementar o projeto político-econômico neoliberal, sistematizado doutrinariamente em 1989, de forma inequívoca, pelo chamado “Consenso de Washington”. Com a deposição constitucional desse governo em 1992, e sua substituição pelo Governo Itamar Franco, o ritmo de implantação desse projeto diminuiu durante o período 1993/1994, sendo retomado posteriormente com toda a força, e amplamente executado, pelos dois Governos de Fernando Henrique Cardoso (1995/2002).

Após mais de uma década dessa experiência, os resultados essenciais, com nuances e detalhes secundários, são os mesmos verificados nos demais países do Continente, quais sejam: estabilidade relativa dos preços e baixíssimo crescimento econômico, acompanhados pelo aumento das dívidas externa e interna; a desnacionalização do aparato produtivo, com transferência de renda do setor público para a setor privado e da órbita produtiva para a órbita financeira; a elevação das taxas de desemprego e a redução dos rendimentos do trabalho. Em suma, aprofundamento dramático da dependência e da vulnerabilidade externa do país, a ampliação da fragilidade financeira do setor público, a precarização do mercado de trabalho e a manutenção ou deterioração das condições sociais – pobreza, criminalidade, violência e desigualdade de renda e de riqueza.

Todo esse processo, como outros ocorridos nos demais países da América Latina, esteve sempre ancorado num plano de estabilização, de combate à inflação. Inicialmente o Plano Collor (1990), de curta duração, e posteriormente, a partir de dezembro de 1993, o Plano Real[1]. Em momentos distintos, ambos criaram as condições políticas propícias à implementação das “políticas pró-mercado”. Estas últimas, embora sejam, por natureza, excludentes e antipopulares, puderam se legitimar, momentaneamente, pela queda da inflação e, especificamente no caso do Plano Real, pela aceleração do crescimento econômico ocorrida nos primeiros nove meses de implantação da nova moeda. Desse modo, especialmente este último plano, ao abrir indiscriminadamente a economia brasileira e valorizar o real (a moeda), se constituiu também, assim como o Plano Cavallo na Argentina, na vanguarda do projeto neoliberal. Por isso, em ambos os casos, a dificuldade em mantê-los, a partir de um certo ponto, implicou o questionamento de todo esse projeto.

Na seqüência deste artigo evidencia-se os traços comuns das políticas de estabilização implementadas na América Latina sob a hegemonia do neoliberalismo, destacando-se, em particular, o caso brasileiro, mas também identificando-se a Argentina como o exemplo maior da aplicação dessas políticas e das dificuldades de superação do modelo liberal, em razão da completa subordinação das burguesias latino-americanas ao imperialismo.

Políticas de Estabilização e Modelo Neoliberal na América Latina

A história da implementação e gestão do projeto neoliberal no Brasil, bem como o início de sua crise[2], tal como nas demais experiências da América Latina, evidencia uma trajetória já amplamente conhecida, qual seja:

1- Implementação, em todos os países, de planos de combate à inflação calcados, em geral, na abertura indiscriminada da economia e na valorização de suas respectivas moedas frente ao dólar.

2- No momento imediato à adoção dos planos, queda abrupta dos índices inflacionários e crescimento da produção, do emprego e da renda.

3- Como decorrência, na etapa seguinte, surgem e avolumam-se saldos negativos na Balança Comercial (exportação/importação de mercadorias) e na conta de Transações Correntes (soma da Balança Comercial, da Balança de Serviços e das Transferências Unilaterais), colocando esses países numa situação de vulnerabilidade e dependência com relação ao fluxo de capitais estrangeiros.

4- A atração desses capitais, que possibilita conjunturalmente, e de forma precária, o equilíbrio das contas externas, exige a abertura financeira desses países, com a adoção de facilidades operacionais e tributárias para os investimentos estrangeiros e uma política de taxas de juros permanentemente elevadas, além da privatização/desnacionalização do patrimônio público (empresas e serviços).

5- Como conseqüência dessa política, contaminam-se as finanças públicas, com o crescimento explosivo do montante de juros das dívidas externa e interna pago pelo governo. Por isso, cresce o déficit público total, apesar dos cortes nas despesas e do aumento da carga tributária que possibilitam superávits primários – que são utilizados, exatamente, para pagar, parcialmente, os juros devidos.

6- Como resultado final, crescem as dívidas públicas (interna e externa), deterioram-se os serviços públicos, desacelera-se o crescimento, eleva-se a taxa de desemprego, caem os níveis de rendimento, concentra-se renda, aumenta a pobreza e restringem-se as políticas sociais, criando-se as bases para a crise social e política.

Na realidade, os países periféricos não têm competitividade suficiente para manter o grau de abertura comercial/financeiro exigido pelos governos dos países desenvolvidos, em particular o G7 (sob a hegemonia americana), e as instituições multilaterais, como o FMI, a OMC e o Banco Mundial. Essa política, com forte acentuação da dependência internacional, coloca esses países em situação vulnerável frente a todo e qualquer evento negativo que ocorra no plano internacional, mesmo que seja de natureza conjuntural, e que se expressa em fuga de capitais e pressões sobre a taxa de câmbio.

Por sua vez, esses eventos, que tendem a afetar os preços internos e reduzir as reservas cambiais do país, levam os Bancos Centrais a aumentar a taxa de juros e, em alguns casos, a emitir títulos da dívida pública com correção cambial, como forma de cumprir as metas de inflação – formais ou não – pré-estabelecidas e de elevar ainda mais a remuneração do capital financeiro, além de assegurar-lhe o cumprimento dos compromissos assumidos pelo governo.

Quando, por certas circunstâncias conjunturais, agudizam-se os dois problemas anteriormente mencionados – vulnerabilidade externa e fragilidade financeira do setor público -, aparece o “apoio” do FMI, tendo por contrapartida mais um ajuste fiscal, cujo objetivo é acenar para os “mercados” a viabilidade do pagamento dos serviços das dívidas externa e interna. Portanto, as dificuldades e a lógica dos processos são semelhantes em todos os países.

Desse modo, fecha-se um círculo deletério de acúmulo de dificuldades no balanço de pagamentos, nas finanças públicas, na produção e no emprego do país. A “fuga para frente” se dá sempre a partir de um novo ajuste fiscal, com aumento de impostos e/ou cortes nas despesas, demissões de funcionários, arrocho salarial, mais privatizações e contenção do crescimento econômico. Em todos os casos, os recursos e o aval do FMI aliviam, momentaneamente, em cada conjuntura específica imediata, as respectivas vulnerabilidades externas de cada país, em troca de mais transferência de renda e riqueza para os países desenvolvidos e, em particular, do segmento produtivo para o segmento financeiro da economia e do setor público para o setor privado.

Em resumo: essa política econômica apenas transfere os problemas para o futuro imediato, com o subseqüente agravamento da vulnerabilidade externa e o aprofundamento da fragilidade financeira do Estado, até que ocorra uma nova conjuntura internacional desfavorável que, por sua vez, levará à próxima crise e a um novo acordo com o FMI.

Neoliberalismo e Crise no Brasil

No Brasil, a crise cambial, que inviabilizou a política de sobrevalorização do real frente ao dólar, eclodiu em janeiro de 1999, início do segundo mandato de FHC. Isto ocorreu apesar de um empréstimo “preventivo” do FMI de US$ 44 bilhões. A desvalorização cambial deixou o seu rastro na evolução da dívida pública, que saltou de R$ 388 bilhões em dezembro de 1998 para R$ 500 bilhões em fevereiro de 1999, e implicou redução no ritmo da atividade econômica e aumento do desemprego, além de afetar os preços, que voltaram a subir a taxas mais elevadas.

Os quadros a seguir evidenciam a evolução dos principais indicadores macroeconômicos do Brasil, antes e depois (1994/2002) da implementação da nova moeda (o real), nos quais se destacam dois momentos distintos após a implementação do real, quais sejam: até 1998, quando se encerra o 1o mandato de FHC, com o real sobrevalorizado frente ao dólar, e a partir de 1999, quando ocorre a crise e muda a política cambial, com a adoção do câmbio flexível e a instituição das metas inflacionárias. Conforme se demonstra a seguir, essa mudança no câmbio alivia momentaneamente a vulnerabilidade externa, mas de forma alguma a resolve. A fragilidade financeira do setor público, por sua vez, continua se aprofundamendo, bem como permanece a dificuldade de se retomar o crescimento econômico.

O quadro 1 abaixo evidencia, após a implantação do Plano Real, a queda radical da inflação, que se reduz, sistematicamente, de 2.406% em 1994 para 1,7% em 1998. Como contrapartida, o saldo positivo da Balança Comercial, que era de US$ 10,5 bilhões em 1994, transforma-se em saldos negativos cada vez maiores, atingindo US$ 6,6 bilhões em 1998. O saldo negativo do Balanço de Serviços, por sua vez, cresce em mais de 100% no período: de US$ 14,7 bilhões em 1994 para US$ 30,4 bilhões em 1998. Como resultado final, a dependência externa aprofunda-se dramaticamente, com o saldo negativo na conta de Transações Correntes (Balança Comercial + Balança de Serviços + Transferências Unilaterais) saltando de US$ 1,7 bilhões em 1994 para US$ 35,2 em 1998.




O quadro 2 abaixo também demonstra, de forma cabal, o aprofundamento da dependência externa do país. O saldo negativo acumulado na conta de Transações Correntes, no período imediatamente anterior ao Plano Real (1990/1994), foi de US$ 13,6 bilhões; enquanto esse mesmo saldo no período seguinte acumulou a assombrosa cifra negativa de US$ 109,7 bilhões (1995/1998) ou US$ 181,0 bilhões (1995/2002).





A deterioração macroeconômica também se fez sentir nas finanças públicas, no baixo crescimento econômico e na elevação do desemprego. O quadro 3 evidencia o salto na dívida externa do país – de US$ 148,3 bilhões em 1994 para US$ 235,1 bilhões em 1998 – e na dívida líquida de todo o setor público – de 29,2% do PIB em 1994 para 42,6% em 1998. Por sua vez, o PIB, que cresceu 5,9% em 1994, reduziu cada vez mais sua taxa, chegando a –0,12% em 1998, o que implicou um salto na taxa de desemprego de 14,3% para 18,3% na região metropolitana de São Paulo, a principal do país. Esse salto só não foi maior porque já havia ocorrido um salto anterior, em virtude da abertura comercial patrocinada pelo Plano Collor em 1990, que elevou a taxa de desemprego de 8,8% em 1989 para 14,9% em 1992.






O crescimento, a partir de 1994, da vulnerabilidade externa do país e da fragilidade financeira do setor público levou, inexoravelmente, à fuga de capitais e à crise cambial, que se manifestou no início de 1999. Esta última implicou o aumento das taxas de inflação e, no transcorrer do ano, agravou ainda mais a situação financeira do setor público, ao tempo em que manteve a estagnação das atividades econômicas e elevou, mais uma vez, as taxas de desemprego.

No entanto, já no final deste mesmo ano e do ano seguinte, os capitais financeiros começaram a retornar ao país rapidamente, o que impediu uma recessão mais profunda em 1999 e possibilitou uma retomada em 2000. Isso ocorreu por dois motivos: 1- ao contrário das crises do México, da Ásia e da Rússia, esses capitais nada perderam, uma vez que se retiraram antes da explosão do câmbio, e mesmo os que ficaram acabaram se protegendo, com o estímulo do governo, através da compra de títulos públicos com correção cambial; 2- o FMI aportou ao governo, ainda em 1998, portanto antes mesmo de eclosão da crise cambial, um mega empréstimo de US$ 44 bilhões, a partir de um acordo onde se estabeleceram metas de superávit primário para o setor público e as taxas de inflação.

Voltando a observar o quadro 1, já analisado anteriormente, pode-se perceber, a partir de 1999, uma melhora na Balança Comercial do país, cujo déficit transforma-se num superávit de US$ 2,5 bilhões em 2001; o mesmo ocorrendo com relação à conta de Transações Correntes, que reduz o seu déficit para US$ 23,2 bilhões em 2001. No entanto, isto ocorre muito mais pela redução das importações, em virtude do baixo crescimento econômico, do que por um maior dinamismo das exportações. Além disso, a contribuição da Balança de Serviços para a redução desse saldo foi reduzidíssima, apenas US$ 3,0 bilhões. Na verdade, tudo isto significa, no curto prazo, uma pequena redução da vulnerabilidade externa - medida pela relação desses saldos com o PIB - propiciada pela desvalorização do real. No entanto, no longo prazo, qualquer crescimento maior da economia, acima de 4% por exemplo, recoloca de novo o constrangimento externo. O quadro 2 mostra que, mesmo após a desvalorização, o saldo negativo acumulado na conta de Transações Correntes cresceu em mais US$ 75,5 bilhões no período (1999/2002).

De outro lado, conforme pode ser visto no quadro 3, a fragilidade financeira do setor público continuou aumentando, tendo a sua dívida líquida atingido 53,1% do PIB em 2001 e já alcançando a marca de 54,5% em 2002. Além disso, em razão da dificuldade de voltar a crescer – as taxas de evolução do PIB falam por si só -, também elevou-se a taxa de desemprego, passando de 18,3% em 1998 para 19% em 2001.

Dada essa situação, é difícil acreditar que a posição do Brasil seja completamente diferente da Argentina, ou que sua economia tenha “fundamentos sólidos, reconhecidos pelo sistema financeiro internacional e que, por isso, não está sentindo grandes impactos com o desenrolar da crise Argentina”. De fato, atualmente, ainda é evidente a vulnerabilidade externa da economia brasileira, bem como a fragilidade das finanças públicas – apesar da adoção do câmbio flutuante. Antes de tratar as implicações políticas, presentes na atual conjuntura, seria interessante uma rápida consideração sobre a crise Argentina, exemplo paradigmático de aplicação do modelo liberal e das dificuldades em substituí-lo.

O Exemplo da Argentina

A Argentina, momentaneamente, se encontra numa situação muito mais grave que o Brasil, em virtude da sustentação do modelo liberal e do Plano Cavallo por quase onze anos, com a manutenção de uma política de câmbio fixo, e do fato de já ter queimado praticamente todo o seu patrimônio público, reduzido o valor dos salários e das aposentadorias e demitido um enorme contingente de funcionários públicos. Política essa que já teria entrado em colapso em 1994, apenas três anos após o seu início, se não fosse a implementação do Plano Real no Brasil e a constituição do Mercosul, que possibilitaram um comércio bilateral favorável para a Argentina.

Acontece que, a partir de janeiro de 1999, com a crise cambial brasileira, que obrigou a desvalorização do real (a moeda) e levou à adoção de uma política de câmbio flutuante, a situação voltou a piorar para a Argentina, que continuou a insistir na manutenção da paridade de um para um entre o dólar e o peso, apesar da visível perda de competitividade de sua economia e de sacrifícios econômico-sociais crescentes para poder manter essa situação.

Em todo esse processo, a postura do FMI, do Tesouro Americano e demais instituições multilaterais foi sempre a de elogiar o comportamento das autoridades econômicas argentinas, ao tempo em que elegeram a Argentina como o grande modelo de desenvolvimento a ser seguido pelos demais países da América Latina. Quando as dificuldades se aprofundaram, o comportamento desses organismos foi o mesmo das outras crises – México, Ásia, Rússia e Brasil -, qual seja: aprofundamento do ajuste fiscal, com mais cortes nas despesas e redução de salários e aposentadorias.

No entanto, após dezembro de 2001, com a eclosão da revolta social e a implosão do sistema de conversibilidade, os discursos dos governos dos países desenvolvidos, do FMI e dos economistas ortodoxos/liberais mudaram. Agora, a responsabilidade da crise é totalmente da Argentina, que adotou o câmbio fixo por conta própria, sem apoio da comunidade financeira internacional e dos organismos multilaterais. E mais, a principal causa da crise é a adoção insuficiente, por parte da Argentina, das reformas e das políticas recomendadas pelo receituário liberal. Em suma, a proposição é de que os governos argentinos não foram liberais e ortodoxos o suficiente, na condução econômica do país.

Na verdade, o que se assiste hoje na Argentina é um profundo fracasso do modelo liberal, num país que mais o implementou e mais se subordinou à sua lógica. Portanto, a crise não decorre da ausência de políticas liberais; muito pelo contrário, a violência da crise e a forma como ela ocorreu derivou diretamente da adoção do modelo liberal em sua inteireza. E, o que é mais grave, não se apresentaram, até agora, alternativas políticas na sociedade argentina que possam indicar e sustentar outro modelo. Daí decorre a crise clássica de hegemonia política que ora se assiste. O atual presidente, Duhalde, segundo colocado nas últimas eleições e alçado ao poder por uma aliança política completamente desacreditada, carece de legitimidade. Pressionado, de um lado, pelas camadas médias da população, que tiveram confiscadas suas poupanças e contas-correntes – como fez Collor no Brasil -, pelos desempregados, famintos e miseráveis em geral; e, de outro, pelos interesses econômico-financeiros dos bancos e das empresas estrangeiras, que compraram as estatais dos serviços públicos, encontra-se numa terrível dificuldade em arbitrar as perdas decorrentes da inevitável desvalorização do peso.

Por sua vez, a pressão dos organismos internacionais e dos governos dos países desenvolvidos está sendo violenta, com ameaças de todo o tipo: suspensão de crédito para exportação, retirada de bancos e empresas estrangeiras, rejeição de qualquer empréstimo, etc., até que a Argentina concorde em adotar um novo programa imposto pelo FMI. Alguns religiosos da ortodoxia e do liberalismo, dentro e fora da Argentina, como o ex-presidente Carlos Menem – condutor e responsável maior pela presente situação -, chegam a defender a dolarização da economia, com o país abrindo mão definitivamente de ter uma moeda nacional. Em conseqüência, propõem uma integração subordinada ao NAFTA, através de acordo com os Estados Unidos, e um distanciamento maior do Brasil e do Mercosul.

Perspectivas Políticas no Brasil

A construção político-ideológica neoliberal, que vê o mercado capitalista como o fim da história, apresenta a globalização do capital, e suas consequências, como tendo uma força avassaladora, quase que como fenômenos da natureza, inevitáveis e incontroláveis, dando a falsa impressão da existência de um caminho único e inexorável para a humanidade. Com isso, aquilo que é produto da ação política e das decisões de sujeitos definidos (os governos das grandes potências econômicas, as grandes corporações produtivas-financeiras transnacionais e as instituições econômicas multilaterais sob domínio do capital financeiro) transfigura-se num processo autônomo, acima da vontade e da ação dos indivíduos e dos sujeitos coletivos.

A consequência prática dessa hegemonia ideológica, ao longo das duas últimas décadas do século passado, foi a difusão, para toda a sociedade, de um sentimento de impotência, reforçado diariamente pelos meios de comunicação, que se expressava numa tendência à aceitação passiva de uma única direção, à qual todos deviam se adaptar, ou perecer. No entanto, no Brasil, como em todo o mundo, a chegada do novo milênio coincidiu com a crise do projeto econômico-político neoliberal. Os seus resultados econômicos e sociais, para os países periféricos e para as classes trabalhadoras, falaram mais alto do que o discurso neoliberal sobre a eficiência dos mercados. O caráter regressivo e anti-social do projeto foi desnudado. E mais ainda, a chamada 3a via, expressão da capitulação da social-democracia à política e à ideologia neoliberais, também entrou em crise. Os exemplos de vários países europeus e do próprio Estados Unidos, mas especialmente o da França, não deixam dúvidas.

No Brasil, os efeitos desastrosos do modelo neoliberal, apesar de todo o controle e manipulação da informação pelos monopólios da comunicação, são hoje evidentes. Por outro lado, e talvez por isso mesmo, observa-se uma retomada dos movimentos sociais e da ação política das esquerdas. A base política do Governo FHC, na sua maioria fisiológica, rachou com a proximidade das eleições. Do ponto de vista eleitoral, o candidato à Presidência da República mais à esquerda, Luis Inácio Lula da Silva, pertencente ao Partido dos Trabalhadores, situa-se, em todas as pesquisas de opinião em 1o lugar, já alcançando o dobro das intenções de votos do 2o colocado.

Em suma, vive-se um momento favorável, de questionamento da via liberal e de todas as suas conseqüências. No entanto, existem dúvidas e problemas. Dúvidas quanto à natureza do projeto alternativo que será implementado, caso Lula ganhe, motivadas pelas ações mais recentes da direção do PT em buscar alianças no campo conservador, que garantisse a vitória já no 1o turno das eleições. E problemas em razão do distanciamento, que não é recente, do PT em relação aos movimentos sociais, com destaque para o Movimento dos Sem Terra (MST).

De qualquer forma, com todas as limitações que se possa colocar à candidatura de Lula, do ponto de vista eleitoral, ela é o único caminho para as esquerdas questionarem o modelo liberal, e abrirem a possibilidade da execução de um projeto alternativo. A palavra é, rigorosamente, possibilidade, apenas uma possibilidade, que vai depender da capacidade das esquerdas organizarem cada vez mais o povo brasileiro e fortalecerem e ampliarem os movimentos sociais.

Os exemplos dramáticos da Argentina e da Venezuela são claríssimos: 1- Se a 3a via é uma tragédia nos países desenvolvidos, nos países da periferia ela é uma farsa, porque é impossível de ser constituída, pois suas burguesias, completamente subordinadas ao imperialismo, já não possuem qualquer tipo de projeto que se possa denominar de nacional. 2- Para se superar o modelo liberal há que se avançar, necessariamente, na organização e conscientização popular e na construção de um partido político verdadeiramente socialista. A via eleitoral, por si só, não tem capacidade suficiente para o enfrentar o neoliberalismo e transformar a sociedade. 3- As esquerdas podem até chegar ao poder de alguns países através da via eleitoral, mas só terão capacidade de realmente exercê-lo, efetuando mudanças econômicas, sociais e políticas profundas na sociedade se estreitarem os seus laços na América-Latina. Só assim terão capacidade para enfrentarem o imperialismo americano e o seu projeto de total domínio do Continente, através da implantação da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA).


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* Professor Adjunto da Faculdade de Ciências Econômicas (FCE) da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e Doutor em Economia pela UNICAMP. Atualmente exerce o cargo de Diretor da FCE. E-mail: luizfil@ufba.br.
[1] Essa data marca o início formal do Plano Real, a partir do anúncio de um programa de ajuste fiscal e de suas duas fases seguintes, quais sejam: a criação de uma quase moeda (a URV) em março de 1994 e, quatro meses depois, isto é, a partir de 1o de julho a sua transformação em uma nova moeda: o real.
[2] Para uma análise detalhada de todo esse processo ver, de minha autoria, “A História do Plano Real”, livro publicado pela editora Boitempo, SP, 2000.

FONTE: Biblioteca CLACSO

Veja também:
Reunião do COPOM - 27 de janeiro de 2010

sexta-feira, 23 de abril de 2010

A Idade Mendes - Por Leandro Fortes

Publicado no blog brasiliaeuvi

http://brasiliaeuvi.wordpress.com/


No fim das contas, a função primordial do ministro Gilmar Mendes à frente do Supremo Tribunal Federal foi a de produzir noticiário e manchetes para a falange conservadora que tomou conta de grande parte dos veículos de comunicação do Brasil. De forma premeditada e com muita astúcia, Mendes conseguiu fazer com que a velha mídia nacional gravitasse em torno dele, apenas com a promessa de intervir, como de fato interveio, nas ações de governo que ameaçavam a rotina, o conforto e as atividades empresariais da nossa elite colonial. Nesse aspecto, os dois habeas corpus concedidos ao banqueiro Daniel Dantas, flagrado no mesmo crime que manteve o ex-governador do Distrito Federal José Roberto Arruda no cárcere por 60 dias, foram nada mais que um cartão de visitas. Mais relevante do que tudo foi a capacidade de Gilmar Mendes fixar na pauta e nos editoriais da velha mídia a tese quase infantil da existência de um Estado policialesco levado a cabo pela Polícia Federal e, com isso, justificar, dali para frente, a mais temerária das gestões da Suprema Corte do País desde sua criação, há mais cem anos.

Num prazo de pouco menos de dois anos, Mendes politizou as ações do Judiciário pelo viés da extrema direita, coisa que não se viu nem durante a ditadura militar (1964-1985), época em que a Justiça andava de joelhos, mas dela não se exigia protagonismo algum. Assim, alinhou-se o ministro tanto aos interesses dos latifundiários, aos quais defende sem pudor algum, como aos dos torturadores do regime dos generais, ao se posicionar publicamente contra a revisão da Lei da Anistia, de cuja à apreciação no STF ele se esquivou, herança deixada a céu aberto para o novo presidente do tribunal, ministro Cezar Peluso. Para Mendes, tal revisão poderá levar o País a uma convulsão social. É uma tese tão sólida como o conto da escuta telefônica, fábula jornalística que teve o presidente do STF como personagem principal a dialogar canduras com o senador Demóstenes Torres, do DEM de Goiás.

A farsa do grampo, publicada pela revista Veja e repercutida, em série, por veículos co-irmãos, serviu para derrubar o delegado Paulo Lacerda do comando da PF, com o auxílio luxuoso do ministro da Defesa, Nelson Jobim, que se valeu de uma mentira para tal. E essa, não se enganem, foi a verdadeira missão a ser cumprida. Na aposentadoria, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva terá tempo para refletir e registrar essa história amarga em suas memórias: o dia em que, chamado “às falas” por Gilmar Mendes, não só se submeteu como aceitou mandar para o degredo, em Portugal, o melhor e mais importante diretor geral que a Polícia Federal brasileira já teve. O fez para fugir de um enfrentamento necessário e, por isso mesmo, aceitou ser derrotado. Aliás, creio, a única verdadeira derrota do governo Lula foi exatamente a de abrir mão da política de combate permanente à corrupção desencadeada por Lacerda na PF para satisfazer os interesses de grupos vinculados às vontades de Gilmar Mendes.

O presidente do STF deu centenas de entrevistas sobre os mais diversos assuntos, sobretudo aqueles sobre os quais não poderia, como juiz, jamais se pronunciar fora dos autos. Essa é, inclusive, a mais grave distorção do sistema de escolha dos nomes ao STF, a de colocar não-juízes, como Mendes, na Suprema Corte, para julgar as grandes questões constitucionais da nação. Alheio ao cargo que ocupava (ou ciente até demais), o ministro versou sobre tudo e sobre todos. Deu força e fé pública a teses as mais conservadoras. Foi um arauto dos fazendeiros, dos banqueiros, da guarda pretoriana da ditadura militar e da velha mídia. Em troca, colheu farto material favorável a ele no noticiário, um relicário de elogios e textos laudatórios sobre sua luta contra o Estado policial, os juízes de primeira instância, o Ministério Público e os movimentos sociais, entre outros moinhos de vento vendidos nos jornais como inimigos da democracia.

Na imprensa nacional, apenas CartaCapital, por meio de duas reportagens (“O empresário Gilmar” e “Nos rincões de Mendes”), teve coragem de se contrapor ao culto à personalidade de Mendes instalado nas redações brasileiras como regra de jornalismo. Por essa razão, somos, eu e a revista, processados pelo ministro. Acusa-nos, o magistrado, de má fé ao divulgar os dados contábeis do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), uma academia de cursinhos jurídicos da qual Mendes é sócio. Trata-se de instituição construída com dinheiro do Banco do Brasil, sobre terreno público praticamente doado pelo ex-governador do DF Joaquim Roriz e mantido às custas de contratos milionários fechados, sem licitação, com órgãos da União.

Assim, a figura de Gilmar Mendes, além de tudo, está inserida eternamente em um dos piores momentos do jornalismo brasileiro. E não apenas por ter sido o algoz do fim da obrigatoriedade do diploma para se exercer a profissão, mas, antes de tudo, por ter dado enorme visibilidade a maus jornalistas e, pior ainda, fazer deles, em algum momento, um exemplo servil de comportamento a ser seguido como condição primordial de crescimento na carreira. Foi dessa simbiose fatal que nasceu não apenas a farsa do grampo, mas toda a estrutura de comunicação e de relação com a imprensa do STF, no sombrio período da Idade Mendes.

Emblemática sobre essa relação foi uma nota do informe digital “Jornalistas & Companhia”, de abril de 2009, sobre o aniversário do publicitário Renato Parente, assessor de imprensa de Gilmar Mendes no STF (os grifos são originais):

“A festa de aniversário de 45 anos de Renato Parente, chefe do Serviço de Imprensa do STF (e que teve um papel importante na construção da TV Justiça, apontada como paradigma na área da tevê pública), realizada na tarde do último domingo (19/4), em Brasília, mostrou a importância que o Judiciário tem hoje no cenário nacional. Estiveram presentes, entre outros, a diretora da Globo, Sílvia Faria, a colunista Mônica Bergamo, e o próprio presidente do STF, Gilmar Mendes, entre outros.”

Olha, quando festa de aniversário de assessor de imprensa serve para mostrar a importância do Poder Judiciário, é sinal de que há algo muito errado com a instituição. Essa relação de Renato Parente com celebridades da mídia é, em todos os sentidos, o pior sintoma da doença incestuosa que obriga jornalistas de boa e má reputação a se misturarem, em Brasília, em cerimônias de beija-mão de caráter duvidoso. Foi, como se sabe, um convescote de sintonia editorial. Renato Parente é o chefe da assessoria que, em março de 2009, em nome de Gilmar Mendes, chamou o presidente da Câmara, deputado Michel Temer (PMDB-SP), às falas, para que um debate da TV Câmara fosse retirado do ar e da internet. Motivo: eu critiquei o posicionamento do presidente do STF sobre a Operação Satiagraha e fiz justiça ao trabalho do delegado federal Protógenes Queiroz, além de citar a coragem do juiz Fausto De Sanctis ao mandar prender, por duas vezes, o banqueiro Daniel Dantas.

Certamente em consonância com o “paradigma na área de tevê pública” da TV Justiça tocada por Renato Parente, a censura na Câmara foi feita com a conivência de um jornalista, Beto Seabra, diretor da TV Câmara, que ainda foi mais além: anunciou que as pautas do programa “Comitê de Imprensa”, a partir dali, seriam monitoradas. Um vexame total. Denunciei em carta aberta aos jornalistas e em todas as instâncias corporativas (sindicatos, Fenaj e ABI) o ato de censura e, com a ajuda de diversos blogs, consegui expor aquela infâmia, até que, cobrada publicamente, a TV Câmara foi obrigada a capitular e recolocar o programa no ar, ao menos na internet. Foi uma das grandes vitórias da blogosfera, até então, haja vista nem um único jornal, rádio ou emissora de tevê, mesmo diante de um gravíssimo caso de censura e restrição de liberdade de expressão e imprensa, ter tido coragem de tratar do assunto. No particular, no entanto, recebi centenas de e-mails e telefonemas de solidariedade de jornalistas de todo o país.

Não deixa de ser irônico que, às vésperas de deixar a presidência do STF, Gilmar Mendes tenha sido obrigado, na certa, inadvertidamente, a se submeter ao constrangimento de ver sua gestão resumida ao caso Daniel Dantas, durante entrevista no youtube. Como foi administrada pelo Google, e não pelo paradigma da TV Justiça, a sabatina acabou por destruir o resto de estratégia ainda imaginada por Mendes para tentar passar à história como o salvador da pátria ameaçada pelo Estado policial da PF. Ninguém sequer tocou nesse assunto, diga-se de passagem. As pessoas só queriam saber dos HCs a Daniel Dantas, do descrédito do Judiciário e da atuação dele e da família na política de Diamantino, terra natal dos Mendes, em Mato Grosso. Como último recurso, a assessoria do ministro ainda tentou tirar o vídeo de circulação, ao menos no site do STF, dentro do sofisticado e democrático paradigma de tevê pública bolado por Renato Parente.

Como derradeiro esforço, nos últimos dias de reinado, Mendes dedicou-se a dar entrevistas para tentar, ainda como estratégia, vincular o próprio nome aos bons resultados obtidos por ações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), embora o mérito sequer tenha sido dele, mas de um juiz de carreira, Gilson Dipp. Ministro do Superior Tribunal de Justiça e corregedor do órgão, Dipp foi nomeado para o cargo pelo presidente Lula, longe da vontade de Gilmar Mendes. Graças ao ministro do STJ, foi feita a maior e mais importante devassa nos tribunais de Justiça do Brasil, até então antros estaduais intocáveis comandados, em muitos casos, por verdadeiras quadrilhas de toga.

É de Gilson Dipp, portanto, e não de Gilmar Mendes, o verdadeiro registro moralizador do Judiciário desse período, a Idade Mendes, de resto, de triste memória nacional.

Mas que, felizmente, se encerra hoje.

terça-feira, 13 de abril de 2010

Serra, o Brasil não pode mais...

Do blog Tijolaço.com do Dep. Brizola Neto em 10/04/2010:


Li boa parte de seu discurso, senhor José Serra. Talvez eu seja hoje o que o senhor foi, na minha idade, quando era um jovem, que presidia a União Nacional dos Estudantes e apoiava o Governo João Goulart no Comício da Central. Quando o senhor defendia o socialismo que hoje condena, o patriotismo que hoje trai, o desenvolvimento autônomo do Brasil do qual hoje o senhor debocha.

O senhor, como Fernando Henrique, é útil aos donos do Brasil – sim, Serra, o Brasil tem donos, poque 1% dos brasileiros mais ricos tem o mesmo que todos os 50% mais pobres – porque foi diferente no passado e, hoje, cobre-se do que foi para que não lhe vejam o que é.

O símbolo do Brasil que não pode mais, que não pode ser mais como o fizeram.

Não pode mais o Brasil ser das elites, porque nossas elites, salvo exceções, desprezam nosso povo, acham-no chinfrim, malandro, preguiçoso, sujo, desonesto, marginal. Têm nojo dele, fecha-lhe os vidros com película para nem serem vistos.

Não pode mais ser o país das elites, porque nossas elites, em geral, não hesitam em vender tudo o que este país possui – como o senhor, aliás, incentivou fazer – para que a “raça superior” venha aqui e explore nossas riquezas de maneira “eficiente” e “lucrativa”. Para eles, é claro, e para os que vivem de suas migalhas.

Não pode mais ser o Brasil dos governantes arrogantes, como o senhor, que falam de cima – quando falam – que empolam o discurso para que, numa língua sofisticada, que o povo não entende, negociem o que pertence a todos em benefício de alguns.

Não pode mais ser o país dos sábios que, de tão sabidos, fizeram ajoelhar este gigante perante o mundo e nos tornaram servos de uma ordem econômica e política injustas. O país dos governantes “cultos”, que sabem miar em francês e dizer “sim, senhor” em inglês.

Não pode mais ser o país do desenvolvimento a conta-gotas, do superávit acima de tudo, dos juros mais acima de tudo ainda, dos lucros acima do povo, do mercado acima da felicidade, do dinheiro acima do ser humano.

O Brasil pode hoje mais do que pôde no governo do que o senhor fez parte.

Pôde enfrentar a mais devastadora crise econômica mundial aumentando salário, renda, consumo, produção, emprego quando passamos décadas ouvindo, diante numa crise na Malásia ou na Tailândia que era preciso arrochar mais o povo.

Pôde falar de igual para igual no mundo, pôde retomar seu petróleo, pôde parar de demitir, pôde retomar investimentos públicos, pôde voltar a investir em moradia, em saneamento, em hidrelétricas, em portos, em ferrovias, em gasodutos. Pôde ampliar o acesso à educação, ainda que abaixo do que mereça o povo, pôde fazer imensas massas de excluídos ingressarem no mundo do consumo e terem direito a sonhar.

Pôde, sim, assumir o papel que cabe no mundo a um grande país, líder de seus irmãos latinoamericanos.

O Brasil pôde ser, finalmente, o país em que seu povo não se sente um pária. Uma país onde o progresso não é mais sinônimo de infelicidade.

É por isso, Serra, que o Brasil não pode mais andar para trás. Não pode voltar para as mãos de gente tão arrogante com seu povo e tão dócil aos graúdos. Não pode mais ser governado por gente fria, que não sente a dor alheia e e não é ansiosa e aflita por mudar.

Não pode mais, Serra, não pode mais ser governado por gente que renegou seus anos mais generosos, mais valentes, mais decididos e que entregou seus sonhos ao pragmatismo, que disfarça de si mesmo sua capitulação ao inimigo em nome do discurso moderno, como se pudesse ser moderno aquilo que é apoiado pelo Brasil mais retrógrado, elitista, escravocrata, reacionário.

Há gente assim no apoio a Lula e a Dilma, por razões de conveniência-político eleitoral, sim. Mas há duzentas vezes mais a seu lado, sem qualquer razão senão a de ver que sua candidatura e sua eleição são a forma de barrar a ascenção da “ralé”. Onde houver um brasileiro empedernidamente reacionário, haverá um eleitor seu, José Serra.

Normalmente não falaria assim a um homem mais velho, não cometeria tal ousadia.

Mas sinto esta necessidade, além de mim, além de minha timidez natural, além de minha própria insuficiência. Sinto-me na obrigação de ser a voz do teu passado, José Serra. É um jovem que a Deus só pede que suas convicções não lhes caiam como o tempo faz cair aos cabelos, que suas causas não fraquejem como o tempo faz fraquejar o corpo, que seu amor ao povo brasileiro sobreviva como a paixão da vida inteira. Que o conhecimento, que o tempo há de trazer, não seja o capital de meu sucesso, mas ferramenta do futuro.

Vi um homem, já idoso, enfrentar derrotas eleitorais e morrer como um vitorioso, por jamais ter traído as idéias que defendeu. Erros, todo humano os comete. Traição, porém, é o assassinato de nós mesmos. Matamos quem fomos em troca de um novo papel.

Talvez venha daí sua dificuldade de dormir.

Na remota hipótese de vencer as eleições, José Serra, o senhor será o derrotado. O senhor é o algoz dos seus melhores sonhos.

Base Social e Poder: Relações entre Classes Sociais, Disputa de Poder e Objetivos Estratégicos

"A política é o campo de batalha onde diferentes bases sociais se enfrentam e pelo poder de definir a direção da...