domingo, 30 de agosto de 2015

Uma saída imediata para superar a crise.


Jose Carlos de Assis

Economista, doutor em Engenharia de Produção pela Coppe-UFRJ, professor de Economia Internacional da UEPB

27 de Agosto de 2015

Meses atrás escrevi “meu último artigo sobre política econômica antes do grande desastre”. Retomo agora minha colaboração com os blogs. É que chegou o grande desastre, cuja principal virtude é nos confrontar com fatos, e não com ideologia. Não há, hoje, nenhuma pessoa que tenha um mínimo de discernimento que acredita no sucesso da política econômica de Joaquim Levy. Ela é a expressão acabada de um favorecimento sórdido aos banqueiros, os únicos que apresentaram lucros trimestrais gigantescos enquanto a Nação afunda.
Entretanto, não me interessa agora empilhar xingamentos. Isso está sendo feito com regularidade pela esmagadora maioria dos economistas e políticos progressistas, e mesmo por alguns conservadores que estão assustados com a dimensão do desastre. Chegou a hora de contribuir de alguma forma para a solução desta que já é a maior crise de nossa história. Em toda minha vida, como jornalista, como economista e como professor, procurei sempre ter uma postura propositiva. Às vezes ataquei, sim, mas foi no estrito interesse público.
Esse desastre em que estamos tem saída. Curiosamente, é uma saída simples. Na verdade, é uma saída que repete iniciativa já adotada no Governo Lula para o enfrentamento da crise de 2008. Como o foco do desastre agora é a Petrobrás e a cadeia do petróleo, é aí o ponto a atacar. Ajudei o senador Roberto Requião a formular um projeto que consiste em autorizar o Tesouro Nacional a fazer um empréstimo ao BNDES para que ele financie a Petrobrás no montante necessário para que volte aos níveis de investimentos do ano passado.
A Petrobrás emitiria debêntures para dar em garantia ao BNDES. E usaria os recursos assim obtidos para irrigar toda a cadeia produtiva do petróleo que lhe está associada por contratos de fornecimento e de construção, inclusive de navios plataformas, pagando imediatamente os atrasados. Claro, a preliminar indispensável para isso é que o Governo faça imediatamente uma reestruturação radical do sistema de governança da Petrobrás, a qual deve servir de exemplo para o resto da administração indireta. Já as empresas privadas envolvidas em falcatruas devem pagar indenizações e multas, mas sem declaração de inidoneidade para operar com o setor público, pois isso as destruiria.
O fundamento desse projeto, como disse, foi a operação de 2009/10. Na época, o Governo Lula autorizou o Tesouro a emprestar R$ 180 bilhões ao BNDES para que ele salvasse o sistema produtivo, sobretudo privado, do grande apetite dos banqueiros que decidiram estancar-lhe o crédito. Também agora o sistema bancário privado, sobretudo o internacional, quer arrancar o couro da Petrobrás em termos de taxa de juros a pretexto de que perdeu grau de investimento.  O importante a notar é que, no médio prazo, nos dois casos, não há real aumento da dívida pública: o aumento inicial é logo compensado pelo crescimento econômico em face da redução da relação dívida/PIB, como em 2010.
Colaborei também com o senador Paim no sentido de elaborar um projeto que, a fim de eliminar ambiguidades jurídicas da Lavajato, discrimine claramente na lei empresário de empreiteira. A investigação e os processos-espetáculo da Lavajato encharcaram a sociedade brasileira de ódio contra as empreiteiras, confundindo pessoa jurídica com pessoa física. Empresa, conceitualmente, é um ente social, um instrumento de realização de riqueza por meio do trabalho contratado. Não se pode criminalizar esse instrumento.
É claro que empresários e executivos que tenham cometido irregularidades devem pagar pelo que fizeram. Mas da mesma maneira que uma faca, instrumento de descascar legumes, não é culpada quando alguém a maneja para um crime, empresa não pode ser destruída porque seus gestores cometeram infrações. A grande fonte de desemprego que ocorre atualmente na área do petróleo e afins, ameaçando atingir cerca de 500 mil direta e indiretamente, é justamente a ausência de uma definição legal clara que separe essas duas entidades, a empresa e o empresário.
A “vingança” que se prepara contra os empresários ultrapassa o razoável. Fala-se em encampação das ações majoritárias das empreiteiras para dar o controle ao Estado que depois as colocaria no mercado para venda. É um despropósito completo. Não existe encampação pura e simples no nosso sistema jurídico. Há desapropriação por interesse público. Isso requer fundamentação e indenização. Então o Estado vai desapropriar o controle das empreiteiras envolvidas na Lavajato e pagar a indenização devida? De quanto? Que lógica há nisso?
Mas há outras questões de caráter prático que devem ser consideradas. Empreiteira é uma empresa especial. Seus donos correm os maiores riscos no sistema capitalista, a saber, risco ambiental,  risco financeiro, risco social,  risco trabalhista, risco arqueológico, risco histórico, risco de atrasos nos pagamentos do Estado. Quem vai correr esses riscos, e em nome de quem, no caso de uma desapropriação do controle? Uma siderúrgica corre alguns desses riscos, de uma vez por todas; a empreiteira corre enquanto durar a obra.
A combinação do projeto Requião com o projeto Paim resolve a crise no setor petróleo e, considerando que a cadeia do petróleo arrasta cerca de 20% da economia – do estaleiro ao botequim junto dele -, funcionaria como força de arraste da economia brasileira. Mantenho a avaliação que fiz anteriormente de que, juntando os efeitos da Lavajato com os do arrocho Joaquim Levy, fecharemos o ano com uma contração próxima de 5%, e uma taxa de desemprego nas vizinhanças de 15%, em média, e de cerca de 25% para os jovens. Mas 2016 ainda podemos salvar.

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quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Iniciativas do governo desagradaram interesses estrangeiros

Giorgio Romano Schutte aponta alguns feitos dos governos do PT que contrariaram interesses e produziram azedume na comunidade financeira internacional

Isaías Dalle -
CUT.org.br -
na Carta Maior - 27/08/2015

Giorgio Romano Schutte, professor de Relações Internacionais da Federal do ABC, fala sobre crise brasileira e interesses estrangeiros

Iniciativas brasileiras desagradaram a comunidade financeira internacional. E setores políticos internos, observando os ventos que vinham de fora, acharam que era hora de tentar derrubar Dilma. A opinião é do holandês Giorgio Romano Schutte. Ele veio ao Brasil no início da década de 1990, para fazer intercâmbio com o movimento sindical brasileiro. Aqui constituiu família e continuou estudando, tornando-se doutor em Sociologia e especialista em Economia Política Internacional.


Leitor assíduo da imprensa internacional e de relatórios e análises financeiras, não titubeia ao apontar alguns momentos em que os governos Lula e Dilma contrariaram interesses e produziram azedume na comunidade financeira internacional: a aprovação do marco regulatório do pré-sal, a tentativa brasileira de mediar um acordo nuclear com o Irã e a tentativa de Dilma, em 2012, de baixar a taxa básica de juros.

Enquanto para ele Lula é pé quente, a atual presidente é pé frio. Mas, segundo ele, talvez um dos maiores problemas de Dilma tenha sido a falta de articulação e de diálogo com a sociedade.

Leia trechos da entrevista:

Professor, antigamente, até os anos 1970, 80, era muito comum associarmos crises internas a interesses estrangeiros. Existem interesses estrangeiros por detrás da crise econômica e política que vivemos hoje?

É um assunto que as pessoas têm evitado porque têm receio de cair na ideia de que há um complô internacional. Não é disso que se trata, isso tem que ficar bem claro.

O que se passa na minha cabeça toda a vez que eu penso no que vem acontecendo depois de 2009? Até então, no meio da crise internacional, o Brasil era o queridinho de todo o mundo. Pela primeira vez, o Brasil era visto como solução, e não mais como parte do problema. Entrou para o G-20, estava à frente dos BRICS. E o que acontece em 2010? O Lula, pela primeira vez em oito anos, toma uma medida que vai diretamente contra os interesses internacionais, que foi a mudança do marco regulatório de exploração do petróleo, do pré-sal. O Lula vinha fazendo o governo que havia prometido, atendendo as camadas populares sem contrariar interesses das elites. Já na questão do pré-sal, isso é uma coisa muito grande – embora alguns digam o contrário e tentem fazer uma mistificação. Quando a gente ficou sabendo dos grampos (grampos telefônicos da agência de segurança dos EUA), eram grampos sobre a Dilma e a Petrobrás. Depois se você observar todas as visitas seguintes, da Hillary Clinton, do ministro da Energia americano, houve época que de três em três meses havia uma delegação americana de alto nível no Brasil, e ia direito para o Rio, nem passava por Brasília, tinham mais interesse em falar com a Graça Foster (ex-presidente da Petrobrás) do que com a própria Dilma. Então, quando o Brasil faz uma legislação que praticamente garante o controle total – é o que eu chamaria de uma reestatização moderada –vai contra interesses muito organizados e poderosos.

E isso passou até com certa facilidade no Congresso. Por quê?

É verdade. Porque o Lula estava com 85% de aprovação, porque era o momento em que ele estava com o queijo e a faca na mão. O Lula também tinha legitimidade internacional. Foi uma estratégia muito ousada, especialmente considerando que não houve essa ousadia antes. Então, esse é um ponto. Outra coisa: em que momento o Brasil deixou de ser o país queridinho? Eu tenho clareza que foi no momento em que o Lula inventou de mexer com o Irã. Porque se encontrar com o Ahmadinejad (Mahmoud, presidente iraniano), você não sabe o que isso significa na cabeça dos conservadores dos Estados Unidos, mas nem só de lá. Irã? Bomba? Quem se sente ameaçado imediatamente é Israel. E eles têm um lobby muito forte. Há interesses muito fortes que se sentiram contrariados com essa atitude do Lula.

Mas a intenção do Lula e do embaixador Celso Amorim era justamente evitar que a energia nuclear fosse utilizada para a fabricação da bomba.

Mas na visão de Israel, e mesmo agora, depois do acordo costurado pelo Obama, isso é totalmente inaceitável e eles são contra. Eles dizem que é o mesmo erro que Inglaterra e França cometeram em 1938 com o Hitler. Então isso teve um impacto muito grande. Houve claramente um lobby anti-Brasil. Foi muito mal visto pela diplomacia americana e pelo Congresso.

Olhando em perspectiva agora, você acha que aquela atitude do Brasil foi precipitada, errada, ou não?

Eu tenho dúvidas se o Lula e o Celso Amorim sabiam da reação que aquilo provocaria nos Estados Unidos. Havia certa ilusão, porque existia a carta do Obama pedindo a ajuda do Brasil, a interferência. Mas na cabeça dos Estados Unidos o que era para acontecer era o Lula tentar e não dar certo, pois isso seria mais um argumento para convencer os chineses e os russos para impor as sanções. Agora, o Lula ir lá e conseguir, isso não estava no script.

Achavam que o Lula iria fracassar na tarefa.

E ele devia saber que era essa a ideia. O Brasil, então, antes da crise atual, já deixara de ser só o queridinho. Até então, você pegava a imprensa americana, “The Economist”, “New York Times”, “Financial Times”, só coisa positiva sobre o Brasil. E começa a ter uma abordagem um pouco mais crítica. Tem um monte de coisas pequenas que você vai juntando para entender o clima. Isso azedou a relação. Em 2012, houve o golpe no Paraguai. E a reação da Dilma, muito forte, muito surpreendente, os Estados Unidos imaginaram que o Brasil ia dizer “tudo bem”. Então, com o Paraguai fora do Mercosul, na mesma reunião, foi convidada a Venezuela para integrar o bloco. Isso foi a Dilma que fez (a presidência temporal do Mercosul, naquele momento, pertencia ao Brasil). Isso causou também muito mal estar. E aí veio a denúncia da espionagem. A Dilma disse que não ia mais. Isso vai causando atrito, na área de relações internacionais. Voltando à área econômica. O que acontece em 2010? O Brasil, como eu disse, havia reagido muito bem à crise, e era bem visto por todos.

O Brasil passa a ser visto como exemplo.

Isso. Mas o que acontece depois? Os Estados Unidos, para tentar resolver os problemas deles, inundam o mercado de dólares. Esse dinheiro, o famoso relaxamento monetário (...) significa muito dinheiro disponível. Muito dinheiro veio para cá, o que o Guido Mantega classificou como tsunami financeiro. Mas era dinheiro que vinha atrás de oportunidade de especulação, no curto prazo. Isso valorizou o câmbio. A indústria até então conseguiu resistir à concorrência externa e estava importando bens de capital para se qualificar tecnologicamente. Mas a partir de 2010 o Brasil vai registrar déficits enormes na balança de manufatura, chegando a US$ 100 bilhões". Então a Dilma percebe que não dá mais para conviver com aquela taxa de juros que existia, atraindo dólares e valorizando o câmbio. Então, quando ela começa em 2012 a atacar de maneira muito corajosa a taxa de juros, isso se torna uma coisa que contraria a comunidade financeira internacional. Não é que os banqueiros se juntaram num quarto e decidiram: vamos derrubar a Dilma. Mas o que eu acho é que ela não percebeu que estava comprando briga com gente muito poderosa sem explicar. Ela não explicou o que estava fazendo, como um Dom Quixote sozinha lutando. E o Guido Mantega como um Sancho Pança. Mas ela comprou essa briga. Então a partir de 2012 ela passou a ser vista como uma mulher que quebra contratos. Não dá para confiar nessa mulher.

Alguma liderança da comunidade financeira chegou a se pronunciar claramente contra essa política?

Todos os relatórios financeiros começam a questionar a capacidade do governo. Enfim, a credibilidade do governo. Acompanhando as análises internacionais sobre o Brasil, nota-se que começa um clima muito negativo. Tanto é que ela não consegue resistir, ela teve de voltar atrás. Porque ela começou baixando a taxa Selic, depois atacou o spread dos bancos, e depois tem a questão da eletricidade, da redução das tarifas. Há coisas curiosas. Essa foi a única batalha em que ela teve apoio da Fiesp.

Embora a Fiesp defendesse uma nova rodada de licitações no setor.

Sim, mas na questão da redução das tarifas, apoiou. Isso lá fora era visto como quebra de contrato. Não era, mas foi visto como se fosse. É reflexo de interesses muito objetivos, e não subjetivos, como, por exemplo, querer destruir o PT. Nada disso, se o PT não atrapalhar minha rentabilidade, posso conviver com o PT.

A Dilma poderia ter deixado isso mais claro para a população, não?

É o que eu digo. Tanto na questão do Ahmadinejah, que ainda é da época do Lula, esse mal estar que ficou com os Estados Unidos. No caso do Ahmadinejah, eu não estou dizendo que o Lula e o Celso Amorim não deveriam ter feito, mas eu acho que eles subestimaram o que estavam fazendo: comprando uma briga grande. O que eu acho que talvez eles pudessem ter feito? Conversado mais com os amigos. Tinha interlocução com a França, a Rússia, a China. Mas na hora esses países deixaram o Brasil falando sozinho.

Da mesma forma que no caso da Dilma, em 2012, subestimou o que estava fazendo. Porque o setor financeiro não é apenas os bancos, é onde a elite coloca seu dinheiro. Além disso, há um problema estrutural no Brasil. O setor produtivo também tem dinheiro no setor financeiro. Eles pensam em investir o dinheirinho do BNDES, que tem juros baixos, mas o dinheiro deles mesmos eles aplicam no setor financeiro.

Ao mesmo tempo, como você falou, a Dilma, para comprar essa briga necessária, deveria ter articulado, montado uma base de apoio.

Isso começa a criar um clima que desperta forças políticas internas que percebem que o vento está a favor da derrubada da Dilma.

Começam a tentar atrapalhar.

É. E uma coisa que o Lula fez, porque ele é muito pé quente, e a Dilma é muito pé-fria, é que o Lula aproveitou o momento em que ele podia ser bonzinho. Quando ele diz em 2002 que ele ia respeitar contratos, é isso o que essa gente quer ouvir. Agora, o que é importante notar, e isso a imprensa anunciou na semana passada, a taxa de investimentos diretos, que é o dinheiro conhecido como de longo prazo, ainda é muito grande. (A taxa) ao longo do governo Dilma ficou acima dos US$ 60 bilhões ao ano, inclusive neste. Quando eu cheguei ao Brasil, em 1990, era de US$ 1 bilhão. Isso tem de explicar: se um país está em tantas dificuldades, como continua atraindo essas taxas de investimento direito?  O Lula pegou um momento muito específico da história, em que pôde dar liberdade ao capital e ainda fazer política social. Já a Dilma é muito pé-fria, pegou a seca, depois vem a Lava Jato, que serve para quem quer derrubar o marco regulatório do pré-sal. A ideia é manter o governo como está e pressioná-lo para mudar a legislação do petróleo.

Isso tudo somado despertou as forças internas que querem derrubar o governo.

Não creio mais que haja muitos setores internos interessados em derrubar o governo. Para quê? Está ótimo assim. É um governo facilmente cooptável para fazer políticas impopulares. O que eles querem é evitar a volta do Lula e desestabilizar a Dilma, impedir que ela possa fazer qualquer guinada à esquerda. Mas nesta movimentação surgiram várias contradições, vários monstros, como o surgimento desse Eduardo Cunha, que é quase como um Collor para a burguesia. Outro monstro que eles criaram é o da intolerância. Isso tudo é extremamente inconveniente para quem tem interesses financeiros.

Você diria que a elite percebeu esse inconveniente e daí o recuo demonstrado pela imprensa mais recentemente?

Com certeza. É só observar editoriais do “Financial Times” e o “New York Times” mais recentes. É de interesse manter o governo. Até porque as políticas que eles querem estão sendo implementadas. Uma coisa é certa: com essa política, eles vão destruir o PT.

Quando você pensa em América Latina, você vê a crise brasileira criando obstáculos para os governos vizinhos?

Veja como são as coisas. Na Argentina, a Cristina Kirchner deu a volta por cima. O candidato dela está na frente das pesquisas.

Será porque ela foi contra o que dizia o mercado?

Não, é porque ela enfrentou a imprensa. Agora é o contrário: a eleição na Argentina vai ser boa para o Brasil. Já na Venezuela a situação é um pouco diferente. O Nicolás Maduro tem muitas dificuldades para governar. Ele não estava preparado. Mas lá também a direita não consegue se apresentar como projeto alternativo.

Uma coisa curiosa na crise brasileira é que ela é operada também a partir da máquina do Estado. São agentes públicos cooperando para a crise.

Sim, mas isso não tem nada a ver com a questão internacional. O Estado brasileiro é muito conservador e é estruturado para não fazer políticas em prol da população. Ele faz tudo para a coisa não funcionar.  Se você for a algum evento e perguntar para um professor da Unicamp, por exemplo, o que tem de ser feito, ele vai dizer que é preciso grandes investimentos em infraestrutura. Mas espera aí. Isso não foi tentado com o PAC? Por que está tudo atrasado? A população pensa que isso tem a ver com corrupção. Nada disso. A corrupção se aproveita disso. Há problemas estruturais muito fortes. A refinaria lá em Abreu e Lima (PE), há problemas seríssimos de planejamento, de engenharia. Qual foi a última vez que o Brasil havia construído uma refinaria? Nos anos 1970. Um país que fica mais de 30 anos sem investir nisso, perde sua capacidade. E aí há também o casamento perverso de uma coisa positiva, que é a democracia, a transparência, com o neoliberalismo, onde o Estado não investe. Isso cria a ideia de que tudo que vem do governo é suspeito. Então você tem um país onde há mais engenheiros no TCU (Tribunal de Contas da União) do que no Ministério do Transporte. Ou seja, o Estado que funciona é o Estado que controla. E tem um fetichismo: na dúvida, para a obra. Um juiz ou promotor que para uma obra é visto como herói.

Créditos da foto: EBC

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sexta-feira, 7 de agosto de 2015

O desenvolvimento não é um caso de polícia

A suposição de que existe um 'mercado puro' ignora a realidade dos cartéis e oligopólios coordenados pela voragem da dinâmica finananceira mundial.

por: Saul Leblon - na Carta Maior - 07/08/2015

Em sua cruzada contra a corrupção, o juiz Moro anunciou que ademais do setor petrolífero, ilícitos detectados na área elétrica passarão também a ser de sua conta. 
 
Em breve, o mesmo fio condutor poderá leva-lo a práticas e protagonismos semelhantes – às vezes até com os mesmos personagens e métodos --   em um outro setor, depois em outro e outro, até quem sabe roçar a área financeira.
 
Desta vislumbrará, quem sabe, uma espiral de malfeitos encadeados agora na esfera global.

 
Incansável, o esquadra do Paraná navegará então seu fervor missioneiro por entre acordos e associações cada vez mais complexos, emaranhados e cartelizados, que poderá avocar igualmente como de sua alçada por conta dos encadeamentos intrínsecos.

 
Em algum momento nesse périplo, o juiz Moro poderá invadir a seara da Alta Corte inglesa. Ali, o juiz Cooke, calçado em investigações do Serviço de Fraudes Sérias, acaba de condenar  o primeiro réu do escândalo da Libor.
 
Tom  Hayes, o sentenciado, criou um cartel para fixar a taxa de juro tomada como referência na correção de trilhões de dólares em ativos no mundo.
 
Hayes manipulou dados para coloca-la a serviço das carteiras e lucros de seu banco, o UBS.
 
Fez isso em conluio com outros bancos e operadores em diferentes praças do mundo. 
 
Nada muito diferente do que armaram os empreiteiros da Petrobrás; ou os executivos da Siemens, Alstom e assemelhado no metrô de São Paulo; ou que fazem, ainda, bancos e endinheirados nativos, parte deles flagrados no escândalo do HSBC que revelou a plutocracia brasileira como topo de linha no ranking internacional de lavagens e sonegação...
 
Com todo esse caminho pela frente, o meritíssimo de Curitiba corre o risco de repetir assim o mapa inútil de Borges: aquele que se auto anula ao adquirir, finalmente, a escala da realidade.
 
A escala do capitalismo em nosso tempo é a da grande geografia dos carteis e oligopólios induzidos e coordenados pela voragem da dinâmica financeira.
 
Hoje eles abarcam da produção de cerveja a de sucrilhos, passando pela de lâmpadas, aviões, navios, plataformas de petróleo, vagões de metrô, tarifas de bancos, spreads (especialidade do sindicato dos bancos brasileiros, a Febraban) e taxas de juros, como mostra o escândalo da vetusta praça de Londres.
 
O cartel de bancos que manipulou a Libor durante anos, com implicações na estrutura de custos de todas as praças do planeta,  evidencia  o quanto o mito da livre iniciativa tem de propaganda enganosa (Leia o especial de Carta Maior)
 
Essa constatação não deve ser confundida com um endosso passivo à corrupção como se fora ela uma fatalidade. 
 
O que a cartografia capitalista do século XXI argui, porém, é a irrelevância da centralidade no método, nas referências e consequências de bisonhos exércitos de brancaleones que se propõem a faxinar o capitalismo, como se o desafio estrutural do desenvolvimento no século XXI fosse um caso de polícia.
 
Há mais coisas entre o céu e a terra do que a vã filosofia da república de Curitiba consegue enxergar. 
 
No rastro dos depuradores do capitalismo, alguns dotados de indisfarçável escovão ideológico, pavimenta-se frequentemente o oposto: o fortalecimento de lógicas e interesses que convalidam justamente o que se supõe combater.
 
Isso é mais que uma ópera bufa de salvadores da pátria.
 
É uma tragédia que o Brasil enfrente a encruzilhada do seu desenvolvimento nesse momento engessado por critérios tão bisonhos, incensados por uma mídia de igual mediocridade, empenhada acima de tudo em agilizar o abate do ‘Cecil’ que desde 2002 atormenta a sua preferência na savana local.
 
A suposição de que existe um mercado puro --como o Deus com quem o procurador  Dallagnol se comunica--   enfrenta colisões apreciáveis  com a realidade do capitalismo em nosso tempo.
 
Não é só a Libor ou a Petrobras. 
 
Vivemos  um tempo em que a supremacia dos oligopólios  -- e o entrelaçamento coordenado entre bancos e corporações--  e a deriva da sociedade e do seu desenvolvimento não são realidades antagônicas.
 
Antes, exprimem uma racionalidade impossível de se combater sem uma intervenção política que credencie o Estado para isso.
 
Eis o drama da Lava Jato.
 
É justamente o oposto do que pregam, executam e propagandeiam os interesses embarcados na sulforosa cruzada de Moro e seus procuradores.
 
No capitalismo do nosso tempo, o cartel planeja a sociedade. 
 
Quem não se lembra do exemplo pedagógico flagrado no esquecido escândalo do metrô de SP?
 
Protagonista da engrenagem que há 20 anos ‘adequa’ as licitações do sistema, a multinacional francesa Alstom avocou-se em 2005 a prerrogativa de alterar o traçado de uma linha e incluir uma nova estação no trajeto.
 
A notícia, embora tenha merecido editorial da Folha, não motivou colunistas da indignação seletiva a denunciarem o desembaraço nas relações entre o cartel e o governo tucano.
 
Aos poucos o assunto morreu, com as investigações circunscritas a escalões inferiores.
 
Mas o caso deixa rastros sugestivos.
 
Eles evidenciam o quão profunda pode ser a ingerência do interesse privado na esfera pública, quando esta jaz imobilizada por um torniquete feito de  Estado fraco, incapacidade de planejamento público e crispação de interesses políticos fundidos à voragem dos mercados.
 
No caso, a multinacional francesa em conluio com outros fornecedores precisou de apenas 12 dias para emplacar uma novidade que a burocracia estadual tucana não previra em anos.
 
Ademais de alterar trajetos e estações, reduziu o mobiliário do conjunto, sem desconto correspondente, o que sugere um saldo capaz de lubrificar o bom entendimento entre bolsos corporativos, partidários e individuais.
 
Lembra a dinâmica investigada pela Lava Jato? 
 
Estamos diante de algo maior, portanto.
 
Maior que a particularidade da corrupção real e intrínseca às relações entre metrô de São Paulo, Alstons & Siemens, ou da Petrobras, Odebrechts & Camargos e casos equivalentes urbi et orbi.
 
Aos ingênuos e espertos, que embarcam o ‘gigantismo estatal’ na lista dos demônios a serem calcinados na fornalha de Curitiba, cabe esclarecer: a tragédia que devora o nosso tempo é de natureza justamente oposta, e nos coloca diante do custo  de um  ‘intervencionismo' às avessas.
 
Qual?
 
Aquele em que o oligopólio subordina a sociedade aos seus interesses, intento magnificado a partir do tsunami neoliberal dos anos 70/80. 
 
Foi esse o divisor que restringiu as ferramentas e a capacidade de planejamento do Estado de tal modo, que afogou a agenda do desenvolvimento deixando reduzido espaço de implementação para o que se pactua hoje na urna, na política democrática e nas promessas dos partidos progressistas a seus eleitores.
 
O braço local dessa engrenagem devastadora é o mesmo que agora pega carona na Lava Jato para retornar ao poder e terminar o  serviço intensificado a partir de 1995, com a chegada de FHC ao Planalto.
 
A saber, reverter direitos sociais e trabalhistas; comprimir ganhos reais de salário, esfacelar o pleno emprego e, com ele, o poder de barganha sindical...
 
Assim por diante.
 
Sobretudo, trata-se de retomar as grandes privatizações do patrimônio público brasileiro, do qual ainda restam alvos suculentos, como o Banco do Brasil, o BNDES, a Caixa Federal, a Previdência Social, o SUS e a joia da coroa deste e de todos os tempos: o pre-sal, cuja mastigação já vem sendo amaciada por Serra, e novo postulante ao comando desse revival.
 
Aquilo que já foi feito está presente no DNA da corrupção que agora se combate cortando cabeças. 
 
Um Estado ainda mais fraco, como o que se preconiza no desfecho da crise atual, diante de um mercado desregulado ainda mais forte, com um governante adicionalmente refém de seus interesses, fará com que cada cabeça cortada hoje pelas mãos justiceiras de Moro se reproduza em dobro amanhã, como na mitologia da serpente Hidra                                       nos doze trabalhos de Hércules.
 
Não é uma jabuticaba brasileira.
 
Trata-se de um traço constitutivo do capitalismo atual, existindo inclusive uma régua técnica para medir esse paradoxo da hegemonia neoliberal. 
 
A ‘razão de concentração de mercados’, esse o nome, indica o quanto um setor da economia é dominado pelos seus quatro maiores atores corporativos  -cartéis virtuais ou potenciais.
 
Hoje essa dinâmica concentradora se alastra por diferentes áreas econômicas em todo o globo.
 
Razões sistêmicas, associadas às derrotas e recuos da esquerda mundial, reforçaram esse desenho característico do movimento de expansão e concentração do capital em nosso tempo, coagulado na forma de uma dominância financeira cada vez mais autônoma, densa e abrangente
 
A migração do capital em direção à liquidez, ademais de refletir uma forma superior de dominação sobre a economia e a sociedade (exacerbada pela livre mobilidade dos fluxos especulativos) atende também a uma necessidade estrutural da economia.
 
A formação de grandes fundos é um requisito intrínseco à escala dos financiamentos requeridos pelo agigantamento dos projetos de infraestrutura, planos de universalização de serviços e, cada vez mais de agora em diante, pelas exigências de enfrentamento dos desequilíbrios climáticos (gigantescos planos de reciclagem energética, prevenção de desastres climáticos etc).
 
Essa agregação de grandes massas de capitais teria que ser feita por alguém. 
 
Que ela ocorra por meio de cartéis dilapidadores ou se dê pela subordinação ao planejamento democrático do Estado, eis a disjuntiva crucial da luta pelo desenvolvimento em nosso tempo.
 
A crise de 2008 mostrou para onde a coisa caminha quando os mercados ficam livres –‘autorregulados’-- para manipular a variável financeira, a serviço de estripulias especulativas, dissociadas de parâmetros produtivos e sociais.
 
As experiências sucessivas das grandes crises capitalistas, desde 1929, evidenciam, em contrapartida,  a incontornável necessidade de um poder de coordenação, capaz de alocar esses recursos de forma a coloca-los efetivamente  a serviço da sociedade.
 
Todo o desafio brasileiro hoje gira em torno desse nó górdio:  quem vai organizar o passo seguinte do desenvolvimento do país?
 
O escândalo da Laja Jato reflete –além da subjacente deformação irradiada pelo financiamento eleitoral—  a falta de um verdadeiro, transparente e democrático poder de coordenação da sociedade sobre as forças de mercado.
 
Na sua ausência criou-se o limbo.
 
Nele floresceu a endogamia dos interesses rapinosos de carteis, burocratas e políticos.
 
A punição exemplar é uma parte do antídoto.
 
Mas a questão do desenvolvimento subjacente à Lava Jato, definitivamente, não é um caso de polícia.
 
A mitologia em torno da Lava Jato alardeia  que a purga em marcha fará emergir um capitalismo saneado, capaz de assumir as tarefas e desafios brasileiros no século XXI.
 
Essa subestimação da Hidra ancora-se na suposta  existência de um ponto de equilíbrio intrínseco aos mercados, que dispensaria o poder de indução, coordenação e harmonização do Estado na construção de uma sociedade mais próspera e equitativa.
 
A espiral  da concentração capitalista em todo o globo, que reduz a agenda dos livres mercados a uma marca de fantasia desprovida de chão histórico, depõe contra o mirante  singelo, a partir do qual a república de Curitiba se avoca em parteira desse novo Brasil.
 
O país real e o seu desenvolvimento continuam à espera de uma repactuação política que devolva a polícia e os mercados ao seu devido lugar.

quarta-feira, 5 de agosto de 2015

A nova marcha dos insensatos e sua primeira vítima, por Mauro Santayana


 
 
 
Do blog de Mauro Santayana
 
 
Mauro Santayana
 
Esperam-se, para o próximo dia 16 de agosto — mês do suicídio de Vargas e de tantas desgraças que já se abateram sobre o Brasil — novas manifestações pelo impeachment da Presidente da República, por parte de pessoas que acusam o governo de ser corrupto e comunista e de estar quebrando o país.
 
Se esses brasileiros, antes de ficar repetindo sempre os mesmos comentários dos portais e redes sociais, procurassem fontes internacionais em que o mercado financeiro normalmente confia para tomar suas decisões, como o FMI - Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, veriam que a história é bem diferente, e que se o PIB e a renda per capita caíram, e a dívida pública líquida praticamente dobrou, foi no governo Fernando Henrique Cardoso.
 
Segundo o Banco Mundial, o PIB do Brasil, que era de 534 bilhões de dólares, em 1994, caiu para 504 bilhões de dólares, quando Fernando Henrique Cardoso deixou o governo, oito anos depois.
 
Para subir, extraordinariamente, destes 504 bilhões de dólares, em 2002, para 2 trilhões, 346 bilhões de dólares, em 2014, último dado oficial levantado pelo Banco Mundial, crescendo mais de 400% em dólares, em apenas 11 anos, depois que o PT chegou ao poder.
 
E isso, apesar de o senhor Fernando Henrique Cardoso ter vendido mais de 100 bilhões de dólares em empresas brasileiras, muitas delas estratégicas, como a Telebras, a Vale do Rio Doce e parte da Petrobras, com financiamento do BNDES e uso de “moedas podres”, com o pretexto de sanear as finanças e aumentar o crescimento do país.
 
Com a renda per capita ocorreu a mesma coisa. No lugar de crescer em oito anos, a renda per capita da população brasileira, também segundo o Banco Mundial — caiu de 3.426 dólares, em 1994, no início do governo, para 2.810 dólares, no último ano do governo Fernando Henrique Cardoso, em 2002. E aumentou, também, em mais de 400%, de 2.810 dólares, para 11.208 dólares, também segundo o World Bank, depois que o PT chegou ao poder.
 
O salário mínimo, que em 1994, no final do governo Itamar Franco, valia 108 dólares, caiu 23%, para 81 dólares, no final do governo FHC e aumentou em três vezes, para mais de 250 dólares, agora.
 
As reservas monetárias internacionais — o dinheiro que o país possui em moeda forte — que eram de 31,746 bilhões de dólares, no final do governo Itamar Franco, cresceram em apenas algumas centenas de milhões de dólares por ano, para37.832 bilhões de dólares — nos oito anos do governo FHC.
 
Nessa época, elas eram de fato, negativas, já que o Brasil, para chegar a esse montante, teve que fazer uma dívida de 40 bilhões de dólares com o FMI.
 
Depois, elas se multiplicaram para 358,816 bilhões de dólares em 2013, e para 370,803 bilhões de dólares, em dados de ontem (Bacen), transformando o Brasil de devedor em credor do FMI, depois do pagamento total da dívida com essa instituição em 2005, e de emprestarmos dinheiro para o Fundo Monetário Internacional, quando do pacote de ajuda à Grécia em 2008.
 
E, também, no terceiro maior credor individual externo dos EUA, segundo consta, para quem quiser conferir, do próprio site oficial do tesouro norte-americano — (usa treasury).
 
O IED - Investimento Estrangeiro Direto, que foi de 16,590 bilhões de dólares, em 2002, no último ano do Governo Fernando Henrique Cardoso, também subiu mais de quase 400%, para 80,842 bilhões de dólares, em 2013, depois que o PT chegou ao poder, ainda segundo dados do Banco Mundial: passando de aproximadamente 175 bilhões de dólares nos anos FHC (mais ou menos 100 bilhões em venda de empresas nacionais) para 440 bilhões de dólares entre 2002 e 2014.
 
A dívida pública líquida (o que o país deve, fora o que tem guardado no banco), que, apesar das privatizações, dobrou no Governo Fernando Henrique, para quase 60%, caiu para 35%, agora, 11 anos depois do PT chegar ao poder.
 
Quanto à questão fiscal, não custa nada lembrar que a média de déficit público, sem desvalorização cambial, dos anos FHC, foi de 5,53%, e com desvalorização cambial, de 6,59%, bem maior que os 3,13% da média dos anos que se seguiram à sua saída do poder; e que o superavit primário entre 1995 e 2002 foi de 1,5%, muito menor que os 2,98% da média de 2003 e 2013 — segundo Ipeadata e o Banco Central.
 
E, ao contrário do que muita gente pensa, o Brasil ocupa, hoje, apenas o quinquagésimo lugar do mundo, em dívida pública, em situação muito melhor do que os EUA, o Japão, a Zona do Euro, ou países como a Alemanha, a França, a Grã Bretanha — cujos jornais adoram ficar nos ditando regras e “conselhos” — ou o Canadá (economichelp).
 
Também ao contrário do que muita gente pensa, a carga tributária no Brasil caiu ligeiramente, segundo Banco Mundial, de 2002, no final do governo FHC, para o último dado disponível, de dez anos depois, e não está entre a primeiras do mundo, assim como a dívida externa, que caiu mais de 10 pontos percentuais nos últimos dez anos, e é a segunda mais baixa, depois da China, entre os países do G20 (quandl).
 
Não dá, para, em perfeito juízo, acreditar que os advogados, economistas, empresários, jornalistas, empreendedores, funcionários públicos, majoritariamente formados na universidade, que bateram panelas contra Dilma em suas varandas, no início do ano, acreditem mais nos boatos das redes sociais, do que no FMI e no Banco Mundial, organizações que podem ser taxadas de tudo, menos de terem sido “aparelhadas” pelo governo brasileiro e seus seguidores.
 
Considerando-se estas informações, que estão, há muito tempo, publicamente disponíveis na internet, o grande mistério da economia brasileira, nos últimos 12 anos, é saber em que dados tantos jornalistas, economistas, e “analistas”, ouvidos a todo momento, por jornais, emissoras de rádio e televisão, se basearam, antes e agora, para tirar, como se extrai um coelho da cartola — ou da "cachola" — o absurdo paradigma, que vêm defendendo há anos, de que o Governo Fernando Henrique foi um tremendo sucesso econômico, e de que deixou “de presente” para a administração seguinte, um país econômica e financeiramente bem sucedido.
 
Nefasto paradigma, este, que abriu caminho, pela repetição, para outra teoria tão frágil quanto mentirosa, na qual acreditam piamente muitos dos cidadãos que vão sair às ruas no próximo dia seis: a de que o PT estaria, agora, jogando pela janela, essa — supostamente maravilhosa - “herança” de Fernando Henrique Cardoso.
 
O pior cego é o que não quer ver, o pior surdo, o que não quer ouvir.
 
Está certo que não podemos ficar apenas olhando para o passado, que temos de enfrentar os desafios do presente, fruto de uma crise que é internacional, e que é constantemente alimentada e realimentada por medidas de caráter jurídico que afetam a credibilidade e a estabilidade de empresas e por uma intensa campanha antinacional, que fazem com que estejamos crescendo pouco, neste ano, embora haja diversos países ditos “desenvolvidos” que estejam muito mais endividados e crescendo menos ainda do que nós.
 
Assim como também é verdade que esse governo não é perfeito, e que se cometeram vários erros na economia, que poderiam ter sido evitados, principalmente nos últimos anos, como desonerações desnecessárias e um tremendo incentivo ao consumo que prejudicou — entre outras razões, também pelo aumento da importação de supérfluos e de viagens ao exterior — a balança comercial.
 
Mas, pelo amor de Deus, não venham nos impingir nenhuma dessas duas fantasias, que estão empurrando muita gente a sair às ruas para se manifestar: nem Fernando Henrique salvou o Brasil, nem o PT está quebrando um país que em 2002, era a décima-quarta maior economia do mundo, e que hoje já ocupa o sétimo lugar.
 
Muitos brasileiros também vão sair às ruas, mais esta vez, por acreditar — assim como fazem com relação à afirmação de que o PT quebrou o país — que o governo Dilma é comunista e que ele quer implantar uma ditadura esquerdista no Brasil.
 
Quais são os pressupostos e características de um país democrático, ao menos do ponto de vista de quem "acredita" e defende o capitalismo?
 
a) a liberdade de expressão — o que não é verdade para a maioria dos países ocidentais - dominados por grandes grupos de mídia pertencentes a meia dúzia de famílias, mas que, do ponto de vista formal, existe plenamente por aqui;
 
b) a liberdade de empreender, ou de livre iniciativa, por meio da qual um indivíduo qualquer pode abrir ou encerrar uma empresa de qualquer tipo, quando quiser;
 
c) a liberdade de investimento, inclusive para capitais estrangeiros;
 
d) um sistema financeiro particular independente e forte;
 
e) apoio do governo à atividade comercial e produtiva;
 
f) a independência dos poderes;
 
g) um sistema que permita a participação da população no processo político, na expressão da vontade da maioria, por meio de eleições livres e periódicas, para a escolha, a intervalos regulares e definidos, de representantes para o Executivo e o Legislativo, nos municípios, Estados e União.
 
Todas essas premissas e direitos estão presentes e vigentes no Brasil.
 
Não é o fato de ter como símbolo uma estrela solitária ou vestir uma roupa vermelha — hábito que deveria ter sido abandonado pelo PT há muito tempo, justamente para não justificar o discurso adversário de que o PT não é um partido "brasileiro" ou "patriótico" — que transformam alguém em comunista — e aí estão botafoguenses e colorados que não me deixam mentir, assim como o Papai Noel, que se saísse inadvertidamente às ruas, no dia 6, provavelmente seria espancado brutalmente, depois de ter o conteúdo de seu saco de brinquedos revistado e provavelmente “apreendido” à procura de dinheiro de corrupção.
 
Da mesma forma que usar uma bandeira do Brasil não transforma, automaticamente, ninguém em patriota, como mostrou a foto do Rocco Ritchie, o filho da Madonna, no Instagram, e os pavilhões nacionais pendurados na entrada do prédio da Bolsa de Nova Iorque, quando da venda de ações de empresas estratégicas brasileiras, na época da privataria.
 
Qualquer pessoa de bom senso prefere um brasileiro vestido de vermelho — mesmo que seja flamenguista ou sãopaulino, que não são, por acaso, times do meu coração — do que um que vai para a rua, vestido de verde e amarelo, para defender a privatização e a entrega, para os EUA, de empresas como a Petrobras.
 
O PT é um partido tão comunista, que o lucro dos bancos, que foi de aproximadamente 40 bilhões de dólares no governo Fernando Henrique Cardoso, aumentou para 280 bilhões de dólares nos oito anos do governo Lula.
 
É claro que isso ocorreu também por causa do crescimento da economia, que foi de mais de 400% nos últimos 12 anos, mas só o fato de não aumentar a taxação sobre os ganhos dos mais ricos e dos bancos — que, aliás, teria pouquíssima chance de passar no Congresso Nacional — já mostra como é exagerado o medo que alguns sentem do “marxismo” do Partido dos Trabalhadores.
 
O PT é um partido tão comunista, que grandes bancos privados deram mais dinheiro para a campanha de Dilma e do PT do que para os seus adversários nas eleições de 2014.
 
Será que os maiores bancos do país teriam feito isso, se dessem ouvidos aos radicais que povoam a internet, que juram, de pés juntos, que Dilma era assaltante de banco na década de 1970, ou se desconfiassem que ela é uma perigosa terrorista, que está em vias de dar um golpe comunista no Brasil?
 
O PT é um partido tão comunista que nenhum governo apoiou, como ele, o capitalismo e a livre iniciativa em nosso país.
 
Foi o governo do PT que criou o Construcard, que já emprestou mais de 20 bilhões de reais em financiamento, para compra de material de construção, beneficiando milhares de famílias e trabalhadores como pedreiros, pintores, construtores; que criou o Cartão BNDES, que atende, com juros subsidiados, milhares de pequenas e médias empresas e quase um milhão de empreendedores; que aumentou, por mais de quatro, a disponibilidade de financiamento para crédito imobiliário — no governo FHC foram financiados 1,5 milhão de unidades, nos do PT mais de 7 milhões — e o crédito para o agronegócio (no último Plano Safra de Fernando Henrique, em 2002, foram aplicados 21 bilhões de reais, em 2014/2015, 180 bilhões de reais, 700% a mais) e a agricultura familiar (só o governo Dilma financiou mais de 50 bilhões de reais contra 12 bilhões dos oito anos de FHC).
 
Aumentando a relação crédito-PIB, que era de 23%, em dezembro de 2002, para 55%, em dezembro de 2014, gerando renda e empregos e fazendo o dinheiro circular.
 
As pessoas reclamam, na internet, porque o governo federal financiou, por meio do BNDES, empresas brasileiras como a Braskem, a Vale e a JBS.
 
Mas, estranhamente, não fazem a mesma coisa para protestar pelo fato do governo do PT, altamente “comunista”, ter emprestado — equivocadamente a nosso ver — bilhões de reais para multinacionais estrangeiras, como a Fiat e a Telefónica (Vivo), ao mesmo tempo em que centenas de milhões de euros, seguem para a Europa, como andorinhas, todos os anos, em remessa de lucro, para nunca mais voltar.
 
A questão militar
 
Outro mito sobre o suposto comunismo do PT, é que Dilma e Lula, por revanchismo, sejam contra as Forças Armadas, quando suas administrações, à frente do país, começaram e estão tocando o maior programa militar e de defesa da história brasileira.
 
Lula nunca pegou em armas contra a ditadura. No início de sua carreira como líder de sindicato, tinha medo “desse negócio de comunismo” — como já declarou uma vez — surgiu e subiu como uma liderança focada na defesa de empregos, aumentos salariais e melhoria das condições de classe de seus companheiros de trabalho, operários da indústria automobilística de São Paulo, e há quem diga que teria sido indiretamente fortalecido pelo próprio regime militar para impedir o crescimento político dos comunistas em São Paulo.
 
Dilma, sim, foi militante de esquerda na juventude, embora nunca tenha pego em armas, a ponto de não ter sido acusada disso sequer pela Justiça Militar.
 
Mas se, por esta razão, ela é comunista, seria possível acusar desse mesmo “crime” também José Serra, Aloísio Nunes Ferreira, e muitos outros que antes eram contra a ditadura e estão, hoje, contra o PT.
 
Se o PT tivesse alguma coisa contra a Marinha, ele teria financiado, por meio do PROSUB, a construção do estaleiro e da Base de Submarinos de Itaguaí, e investido 7 bilhões de dólares no desenvolvimento conjunto com a França, de vários submersíveis convencionais e do primeiro submarino nuclear brasileiro, cujo projeto se encontra hoje ameaçado, porque suas duas figuras-chave, o Presidente do Grupo Odebrecht, e o Vice-Almirante Othon Pinheiro da Silva, figuras públicas, com endereço conhecido, estão desnecessária e arbitrariamente detidos, no âmbito da "Operação Lava-Jato"?
 
Teria, da mesma forma, o governo do PT, comprado novas fragatas na Inglaterra, voltado a fabricar navios patrulha em nossos estaleiros, até para exportação para países africanos, investido na remotorização totalmente nacional de mísseis tipo Exocet, na modernização do navio aeródromo (porta-aviões) São Paulo, na compra de um novo navio científico oceanográfico na China, na participação e no comando por marinheiros brasileiros das Forças de Paz da ONU no Líbano ?
 
Se fosse comunista, o governo do PT estaria, para a Aeronáutica, investido bilhões de dólares no desenvolvimento conjunto com a Suécia, de mais de 30 novos caças-bombardeio Gripen NG-BR, que serão fabricados dentro do país, com a participação de empresas brasileiras e da SAAB, com licença de exportação para outras nações, depois de uma novela de mais de duas décadas sem avanço nem solução, que começou no governo FHC ?
 
Se fosse comunista — e contra as forças armadas — teria o governo do PT encomendado à Aeronáutica e à Embraer, com investimento de um bilhão de reais, do governo federal, o projeto do novo avião cargueiro militar multipropósito KC-390, desenvolvido com a cooperação da Argentina, do Chile, de Portugal e da República Tcheca, capaz de carregar até blindados, que já começou a voar neste ano — a maior aeronave já fabricada no Brasil?
 
Teria comprado, para os Grupos de Artilharia Aérea de Auto-defesa da FAB, novas baterias de mísseis IGLA-S; ou feito um acordo com a África do Sul, para o desenvolvimento conjunto — em um projeto que também participa a Odebrecht — com a DENEL Sul-africana, do novo míssil ar-ar A-Darter, que ocupará os nossos novos caças Gripen NG BR?
 
Se fosse um governo comunista, o governo do PT teria financiado o desenvolvimento, para o Exército, do novo Sistema Astros 2020, e recuperado financeiramente a AVIBRAS ?
 
Se fosse um governo comunista, que odiasse o Exército, o governo do PT teria financiado e encomendado a engenheiros dessa força, o desenvolvimento e a fabricação, com uma empresa privada, de 2.050 blindados da nova família de tanques Guarani, que estão sendo construídos na cidade de Sete Lagoas, em Minas Gerais?
 
Ou o desenvolvimento e a fabricação da nova família de radares SABER, e, pelo IME e a IMBEL, para as três armas, da nova família de Fuzis de Assalto IA-2, com capacidade para disparar 600 tiros por minuto, a primeira totalmente projetada no Brasil?
 
Ou encomendado e investido na compra de helicópteros russos e na nacionalização de novos helicópteros de guerra da Helibras e mantido nossas tropas — em benefício da experiência e do prestígio de nossas forças armadas — no Haiti e no Líbano?
 
Em 2012, o novo Comandante do Exército, General Eduardo Villas Bôas, então Comandante Militar da Amazônia, respondeu da seguinte forma a uma pergunta, em entrevista à Folha de São Paulo:
 
Lucas Reis:
 
“Em 2005, o então Comandante do Exército, general Albuquerque, disse “o homem tem direito a tomar café, almoçar e jantar, mas isso não está acontecendo (no Exército). A realidade atual mudou?
 
General Eduardo Villas Bôas:
 
“Mudou muito. O problema é que o passivo do Exército era muito grande, foram décadas de carência. Desde 2005, estamos recebendo muito material, e agora é que estamos chegando a um nível de normalidade e começamos a ter visibilidade. Não discutimos mais se vai faltar comida, combustível, não temos mais essas preocupações.”
 
Deve ter sido, também, por isso, que o General Villas Bôas, já desmentiu, como Comandante do Exército, neste ano, qualquer possibilidade de "intervenção militar" no país, como se pode ver aqui (O recado das armas).
 
A questão externa
 
A outra razão que contribui para que o governo do PT seja tachado de comunista, e muita gente saía às ruas, no domingo, é a política externa, e a lenda do “bolivarianismo” que teria adotado em suas relações com o continente sul-americano.
 
Não é possível, em pleno século XXI, que os brasileiros não percebam que, em matéria de política externa e economia, ou o Brasil se alia estrategicamente com os BRICS (Rússia, Índia, China e África do Sul), potências ascendentes como ele; e estende sua influência sobre suas áreas naturais de projeção, a África e a América Latina — incluídos países como Cuba e Venezuela, porque não temos como ficar escolhendo por simpatia ou tipo de regime — ou só nos restará nos inserir, de forma subalterna, no projeto de dominação europeu e anglo-americano?
 
Ou nos transformarmos, como o México, em uma nação de escravos, como se pode ver aqui (O México e a América do Sul) que monta peças alheias, para mercados alheios, pelo módico preço de 12 reais por dia o salário mínimo?
 
Jogando, assim, no lixo, nossa condição de quinto maior país do mundo em território e população e sétima maior economia, e nos transformando, definitivamente, em mais uma colônia-capacho dos norte-americanos?
 
Ou alguém acha que os Estados Unidos e a União Europeia vão abrir, graciosamente, seus territórios e áreas sob seu controle, à nossa influência, política e econômica, quando eles já competem, descaradamente, conosco, nos países que estão em nossas fronteiras?
 
Do ponto de vista dessa direita maluca, que acusa o governo Dilma de financiar, para uma empresa brasileira, a compra de máquinas, insumos e serviços no Brasil, para fazer um porto em Cuba — a mesma empresa brasileira está fazendo o novo aeroporto de Miami, mas ninguém toca no assunto, como se pode ver aqui (A Odebrecht e o BNDES) — muito mais grave, então, deve ter sido a decisão tomada pelo Regime Militar no Governo do General Ernesto Geisel.
 
Naquele momento, em 1975, no bojo da política de aproximação com a África inaugurada, no Governo Médici, pelo embaixador Mario Gibson Barbosa, o Brasil dos generais foi a primeira nação do mundo a reconhecer a independência de Angola.
 
Isso, quando estava no poder a guerrilha esquerdista do MPLA - Movimento Popular para a Libertação de Angola, comandado por Agostinho Neto, e já havia no país observadores militares cubanos, que, com uma tropa de 25.000 homens, lutariam e expulsariam, mais tarde, no final da década de 1980, o exército racista sul-africano, militarmente apoiado por mercenários norte-americanos, do território angolano depois da vitoriosa batalha de Cuito-Cuanavale.
 
Ao negar-se a meter-se em assuntos de outros países, como Cuba e Venezuela, em áreas como a dos “direitos humanos”, Dilma não faz mais do fez o Regime Militar brasileiro, com uma política externa pautada primeiro, pelo “interesse nacional”, ou do “Brasil Potência”, que estava voltada, como a do governo do PT, prioritariamente para a América do Sul, a África e a aproximação com os países árabes, que foi fundamental para que vencêssemos a crise do petróleo.
 
Também naquela época, o Brasil recusou-se a assinar qualquer tipo de Tratado de Não Proliferação Nuclear, preservando nosso direito a desenvolver armamento atômico, possibilidade essa que nos foi retirada definitivamente, com a assinatura de um acordo desse tipo no governo de Fernando Henrique Cardoso.
 
Se houvesse, hoje, um Golpe Militar no Brasil, a primeira consequência seria um boicote econômico por parte do BRICS e de toda a América Latina, reunida na UNASUL e na CELAC, com a perda da China, nosso maior parceiro comercial, da Rússia, que é um importantíssimo mercado para o agronegócio brasileiro, da Índia, que nos compra até mesmo aviões radares da Embraer, e da Àfrica do Sul, com quem estamos também intimamente ligados na área de defesa.
 
O mesmo ocorreria com relação à Europa e aos EUA, de quem receberíamos apenas apoio extra-oficial, e isso se houvesse um radical do partido republicano na Casa Branca.
 
Os neo-anticomunistas brasileiros reclamam todos os dias de Cuba, um país com quem os EUA acabam de reatar relações diplomáticas, visitado por três milhões de turistas ocidentais todos os anos, em que qualquer visitante entra livremente e no qual opositores como Yoani Sanchez atacam, também, livremente, o governo, ganhando dinheiro com isso, sem ser incomodados.
 
Mas não deixam de comprar, hipocritamente, celulares e gadgets fabricados em Shenzen ou em Xangai, por empresas que contam, entre seus acionistas, com o próprio Partido Comunista.
 
Serão os "comunistas" chineses — para a neo-extrema-direita nacional — melhores que os "comunistas" cubanos ?
 
A questão política
 
A atividade política, no Brasil, sempre funcionou na base do “jeitinho” e da “negociação”.
 
Mesmo quando interrompido o processo democrático, com a instalação de ditaduras — o que ocorreu algumas vezes em nossa história — a política sempre foi feita por meio da troca de favores entre membros dos Três Poderes, e, principalmente, de membros do Executivo e do Legislativo, já que, sem aprovação — mesmo que aparente — do Congresso, ninguém consegue administrar este país nem mudar a lei a seu favor, como foi feito com a aprovação da reeleição para prefeitos, governadores e Presidentes da República, obtida pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso.
 
Toda estrutura coletiva, seja ela uma jaula de zoológico, ou o Parlamento da Grã Bretanha, funciona na base da negociação.
 
Fora disso, só existe o recurso à violência, ou à bala, que coloca qualquer machão, por mais alto, feio e forte seja, na mesma posição de vulnerabilidade de qualquer outro ser humano.
 
O “toma-lá-dá-cá” nos acompanha há milhares de anos e qualquer um pode perceber isto, se parar para observar um grupo de primatas.
 
Ai daquele, entre os macacos, que se recusa a catar carrapatos nas costas alheias, a dividir o alimento, ou a participar das tarefas de caça, coleta ou vigilância.
 
Em seu longo e sábio aprendizado com a natureza, já entenderam eles, uma lição que, parece, há muito, esquecemos: a de que a sobrevivência do grupo depende da colaboração e do comportamento de cada um.
 
O problema ocorre quando nesse jogo, a cooperação e a solidariedade, são substituídas pelo egoísmo e o interesse de um indivíduo ou de um determinado grupo, e a negociação, dentro das regras usuais, é trocada por pura pilantragem ou o mero uso da ameaça e da pressão.
 
O corrupto, entre os primatas, é aquele que quer receber mais cafuné do que faz nos outros, o que rouba e esconde comida, quem, ao ver alguma coisa no solo da floresta ou da savana, olha para um lado e para o outro, e ao ter certeza de que não está sendo observado, engole, quase engasgando, o que foi encontrado.
 
O fascista é aquele que faz a mesma coisa, mas que se apropria do que pertence aos outros, pela imposição extremada do medo e da violência mais injusta.
 
Se não há futuro para os egoístas nos grupos de primatas, também não o há para os fascistas.
 
Uns e outros terminam sendo derrotados e expulsos, de bandos de chimpanzés, babuínos e gorilas, ou da sociedade humana, a dos "macacos nus", quando contra eles se une a maioria.
 
Já que a negociação é inerente à natureza humana, e que ela é sempre melhor do que a força, o que é preciso fazer para diminuir a corrupção, que não acabará nem com golpe nem por decreto?
 
Mudar o que for possível, para que, no processo de negociação, haja maior transparência, menos espaço para corruptos e corruptores, e um pouco mais de interesse pelo bem comum do que pelo de grupos e corporações, como ocorre hoje no Congresso.
 
O caminho para isso não é o impeachment, nem golpe, mas uma Reforma Política, que mude as coisas de fato e o faça permanentemente, e não apenas até as próximas eleições, quando, certamente, partidos e candidatos procurarão empresas para financiar suas campanhas, se elas estiverem dispostas ainda a financiá-los, como se pode ver aqui (A memória, os elefantes e o financiamento empresarial de campanha) — e espertalhões da índole de um Paulo Roberto Costa, de um Pedro Barusco, de um Alberto Youssef, voltarão a meter a mão em fortunas, não para fazer “política” mas em benefício próprio, e as mandarão para bancos como o HSBC e paraísos fiscais como os citados no livro "A Privataria Tucana".
 
O que é preciso saber, é se essa Reforma Política será efetivamente feita, já que é fundamental e inadiável, ou se a Nação continuará suspensa, com toda a sua atenção atrelada a um processo criminal, que tem beneficiado principalmente bandidos identificados até agora, que, em sua maioria, devido a distorcidas "delações", que não se sustentam, na maioria dos casos, em mais provas que a sua palavra, sairão dessa impunes, para gastar o dinheiro, que, quase certamente, colocaram fora do alcance da lei, da compra de bens e de contas bancárias.
 
Pessoas falam e agem, e sairão no dia seis de agosto às ruas também por causa disso, como se o Brasil tivesse sido descoberto ontem e o caso de corrupção da Petrobras, não fosse mais um de uma longa série de escândalos, a maioria deles sequer investigados antes de 2002.
 
Se a intenção é passar o país a limpo e punir de forma exemplar toda essa bandalheira, era preciso obedecer à fila e à ordem de chegada, e ao menos reabrir, mesmo que fosse simultaneamente, mas com a mesma atenção e "empenho", casos como o do Banestado — que envolveu cerca de 60 bilhões — do Mensalão Mineiro, o do Trensalão de São Paulo, para que estes, que nunca mereceram o mesmo tratamento da nossa justiça nem da sociedade, fossem investigados e punidos, em nome da verdade e da isonomia, na grande faxina "moral" que se pretende estar fazendo agora.
 
Ora, em um país livre e democrático — no qual, estranhamente, o governo está sendo acusado de promover uma ditadura — qualquer um tem o direito de ir às ruas para protestar contra o que quiser, mesmo que o esteja fazendo por falta de informação, por estar sendo descaradamente enganado e manipulado, ou por pensar e agir mais com o ódio e com o fígado do que com a cabeça e a razão.
 
Esse tipo de circunstância facilita, infelizmente, a possibilidade de ocorrência dos mais variados — e perigosos — incidentes, e o seu aproveitamento por quem gostaria, dentro e fora do país, de ver o circo pegar fogo.
 
Para os que estão indo às ruas por achar que vivem sob uma ditadura comunista, é sempre bom lembrar que em nome do anticomunismo, se instalaram — de Hitler a Pinochet — alguns dos mais terríveis e brutais regimes da História.
 
E que nos discursos e livros do líder nazista podem ser encontradas, sobre o comunismo as mesmas teses, e as mesmas acusações falsas e esfarrapadas que se encontram hoje disseminadas na internet brasileira, e que seus seguidores também pregavam matar a pau judeus, socialistas e comunistas, como fazem muitos fascistas hoje na internet, com relação aos petistas.
 
A questão não é a de defender ou não o comunismo — que, aliás, como "bicho-papão" institucional, só sobrevive, hoje, em estado "puro", na Coréia do Norte — mas evitar que, em nome da crescente e absurda paranoia anticomunista, se destrua, em nosso país, a democracia.
 
Esperemos que os protestos do dia 16 de agosto transcorram pacificamente — considerando-se a forma como estão sendo convocados e os apelos ao uso da violência que já estão sendo feitos por alguns grupos nas redes sociais — e que não sejam utilizados por inimigos internos e externos, por meio de algum "incidente", para antagonizar e dividir ainda mais os brasileiros, e nem tragam como consequência, no limite, a morte de ninguém, além da Verdade — que já se transformou, há muito tempo, na primeira e mais emblemática vítima desse tipo de manifestação.
 
Há muitos anos, deixamos de nos filiar a organizações políticas, até por termos consciência de que não há melhor partido que o da Pátria, o da Democracia e o da Liberdade.
 
O rápido fortalecimento da radicalização direitista no Brasil — apesar dos alertas que tem sido feitos, nos últimos três ou quatro anos, por muitos observadores — só beneficia a um grupo: à própria extrema direita, cada vez mais descontrolada, odienta e divorciada da realidade.
 
Na longa travessia, pelo tempo e pelo mundo, que nos coube fazer nas últimas décadas, entre tudo o que aprendemos nas mais variadas circunstâncias políticas e históricas, aqui e fora do país, está uma lição que reverbera, de Weimar a Auschwitz, profunda como um corte:
 
Com a extrema-direita não se brinca, não se alivia, não se tergiversa, não se compactua.
 
Quem não perceber isso — e esse erro — por omissão ou interesse — tem sido cometido tanto por gente do governo quanto da oposição — ou está sendo ingênuo está sendo fraco, ou irresponsável, ou mal intencionado.
 
 

terça-feira, 4 de agosto de 2015

PETROBRAS - Senador José Serra(PSDB) manipula dados para entregar o pré-sal.


Serra e a entrega do pré-sal, por Pedro Celestino

Fonte: Tijolaço 
 
Pedro Celestino, candidato de consenso à Presidência do Clube de Engenharia, sintetiza, com clareza e didatismo, as contradições e erros do projeto do Senador José Serra que retira da Petrobras a condição de operadora única e a propriedade de, no mínimo, 30% das jazidas  de petróleo do pré-sal:
“Cabe registrar a disposição do nobre senador José Serra de, finalmente, oferecer à opinião pública as razões que o fizeram apresentar o PL 131, que retira a obrigatoriedade de a Petrobras ser a operadora única dos campos do pré-sal.

 O debate de idéias em termos elevados é intrínseco à democracia. É pena, entretanto, que tal disposição só tenha se manifestado após 46 senadores terem rejeitado o pedido de urgência para a tramitação do seu projeto; caso o houvessem aprovado, a deliberação sobre assunto de vital interesse para o país seria tomada sem discussão. É que o senador considera o petróleo uma “commodity”, e não um insumo estratégico para o Brasil. Não vê, ou não quer ver, que o controle do petróleo é, e continuará a ser nas próximas décadas, o pano de fundo dos principais conflitos geopolíticos mundiais.

 Considere-se, por exemplo, o cenário antevisto pela AIE – Agência Internacional de Energia, que prevê que:
a) a produção mundial de petróleo continuará a crescer, passando dos atuais 85 milhões de barris/dia para quase 100 milhões de barris/dia em 2035;b) os campos produtores atuais atingiram seu pico de produção (65 milhões de barris/dia) em 2007/2008, entrando em declínio desde a partir daí;c) em 2035 cerca de 38 milhões de barris/dia serão produzidos por campos já descobertos, (mas não em produção) por campos novos a serem descobertos.Resultado deste cenário: a ampliação do estoque de reservas para futura produção de petróleo continuará a ser o principal objetivo das petrolíferas privadas mundiais (Shell, Exxon, Chevron, BP e Total). E quando se fala de petróleo, área em que os projetos são de longa maturação, pois envolvem largo espectro de riscos e incertezas, assenhorear-se de áreas já descobertas, em que tais imprevisibilidades sejam minimizadas, torna-se objetivo prioritário dessas empresas. Não foi outro o motivo que levou recentemente a Shell a comprar a BG. Segundo o seu presidente, a Shell, ao adquirir a BG, aumentará nos próximos 5 anos a produção de petróleo no Brasil, dos atuais 100 mil barris/dia para 500 mil barris/dia. Com isso, 20% da sua produção mundial sairá do Brasil.
No planeta, nos últimos 30 anos, a maior descoberta de petróleo foi a do pré-sal brasileiro, com reservatórios a exibir níveis de produtividade incomuns (poços que produzem mais de 20 mil barris/dia), com baixo custo de extração (US$ 9,00/barril, segundo a Petrobrás). Esta é a razão do desesperado interesse das petrolíferas privadas mundiais no nosso pré-sal.
Qualquer empresa petrolífera preocupa-se simultaneamente com o aumento da produção e o aumento das reservas. Se é a produção que sustenta financeiramente a empresa, são as reservas que propiciam o lastro econômico que, por sua vez, promove a sustentabilidade do seu futuro. A produção dos campos produtores decai em média 10% ao ano e as reservas se esgotam rapidamente, por isso a atividade de exploração e produção (E&P) é tão frenética na busca de novas reservas.
No Brasil, após a quebra do monopólio estatal do petróleo em 1997, a estratégia das petrolíferas privadas mundiais foi a de aguardar os resultados dos esforços exploratórios – como se sabe, carregados de riscos e incertezas – da Petrobrás, para aí sim, sem risco exploratório algum, adquirir as áreas promissoras, em leilões promovidos pela ANP, agência cada vez mais capturada por interesses privados. Basta dizer que sua diretora-geral defende a revisão da Lei da Partilha. Não por acaso, a ANP é tão cara ao senador Serra, desde o tempo de David Zylberstajn, o competente genro de FHC.
O modelo de partilha foi adotado para assegurar ao país ganhos maiores, em áreas de risco exploratório muito baixo, como é o caso do pré-sal. Ao propor que a Petrobrás deixe de ser a operadora única do pré-sal, o senador Serra presta um serviço às petrolíferas privadas mundiais. É da entrega do nosso petróleo, é disto que se trata, o que não é novidade.
Basta recordar o que ocorreu após a quebra do monopólio da Petrobrás. Para atrair as empresas estrangeiras, determinou-se irresponsavelmente à Petrobrás reduzir a aquisição de blocos para explorar, descobrir e produzir petróleo nas rodadas I, II, III e IV (esta em 2002). Se essa diretriz não fosse revertida a partir de 2003 com a retomada da aquisição de blocos nas rodadas seguintes, a partir de 2008 a Petrobrás não teria mais onde explorar em território brasileiro, comprometendo o seu futuro como empresa petrolífera.
O aumento constante das reservas e da produção a partir de 2003 decorreu da forte retomada dos investimentos em E&P e da decisão de abandonar a política de concentração dos investimentos na Bacia de Campos, com grande produção, mas com declínio de produção já à vista (sucediam-se os poços exploratórios secos perfurados). Essa inflexão permitiu que as sondas fossem espalhadas pelas bacias do Espírito Santo, Santos e Sergipe, que propiciaram, a partir de 2003, as grandes descobertas e o crescimento efetivo das reservas e da produção, processo que culminou com a descoberta do pré-sal em 2006. É bom lembrar que essas bacias tinham sido praticamente abandonadas nos anos anteriores, para permitir a entrada das empresas estrangeiras. Se a Petrobrás continuasse concentrada na Bacia de Campos – a empresa abandonara investimentos em áreas novas – aí sim, teria sido transformada em uma empresa petrolífera sem qualquer sustentabilidade financeira, a curto prazo, e econômica, a longo prazo.
O aumento da produção foi extraordinário a partir de 2003. Extraordinária também foi a elevação das reservas. Apesar dos desmandos, a Petrobras passou a ser a melhor, a mais eficaz e, economicamente, a mais sustentável a longo prazo das grandes empresas petrolíferas mundiais. Definitivamente não está, como diz o senador Serra, “quase arruinada”.
O senador Serra critica o endividamento da Petrobrás, segundo ele quase 6 vezes maior que o endividamento médio das petrolíferas. Para não questionar números, pois caberia arguir a que universo de empresas corresponderia a média por ele citada, basta dizer que há petrolíferas de inúmeros tipos, tamanhos/dimensões e missões/objetivos empresariais.
As estatais do Oriente Médio, por exemplo, têm endividamento baixíssimo, pois produzem em campos terrestres, de geologia bem conhecida; já as petrolíferas privadas mundiais têm reservas e produção cadentes há anos, o que em contrapartida lhes permitiu acumular recursos financeiros para adquirir reservas mundo a fora, o que lhes seria permitido aqui, caso o projeto do senador Serra fosse aprovado.
Nenhuma delas é como a Petrobrás, detentora de reservas totais de petróleo crescentes, que beiram os 30 bilhões de barris, que conta com um corpo técnico reconhecido como entre os melhores e mais bem capacitados – senão o melhor – dentre todas as petrolíferas, que detém tecnologia integral para não só produzir suas reservas de petróleo, como para avançar continuamente no domínio tecnológico, e que apresenta a mais segura e eficaz competência operacional do mundo para produzir em águas ultra profundas, como as do pré-sal, com total segurança paras as pessoas e para o meio ambiente. O mau uso da estatística pelo senador Serra traz à lembrança o falecido Roberto Campos, que acertadamente dizia que a estatística mostra o supérfluo e esconde o essencial.
O senador Serra, para justificar a entrega do petróleo do pré-sal às petrolíferas privadas mundiais, alega que, entre a quebra do monopólio estatal em 1997 e 2010, sob o regime de concessão, a produção de petróleo da Petrobrás passou de 800 mil barris/dia para 2 milhões de barris/dia, enquanto que, sob o regime de partilha, teve um “aumento pífio de 18%”.
Aqui está a justificativa, ainda velada, para o abandono do regime de partilha, iniciado pelo seu projeto. O argumento do senador não se sustenta: o aumento da produção de petróleo da Petrobras até 2010 decorreu, essencialmente, da produção de descobertas anteriores à quebra do monopólio, pois a produção das descobertas posteriores só começou a se fazer sentir a partir de 2005-2006; nada, porém, se compara à extraordinária curva de crescimento da produção de petróleo no pré-sal, que aumenta mês a mês desde 2013, quando lá se iniciou a produção, à taxa de 5% a.m., chegando hoje à casa dos 800 mil barris/dia. Esta é a razão da tentativa, patrocinada pelo senador Serra, de entregar o nosso petróleo às petrolíferas privadas mundiais.
O senador Serra critica a Petrobrás pelo “controle oportunista de preços” e pelos “projetos aloprados de refinarias”, que teriam quase arruinado a empresa.
Quanto ao “controle oportunista de preços”, labora em erro o senador Serra. Administrar o preço na porta da refinaria é do interesse do cidadão brasileiro – em última análise, o acionista controlador da Petrobrás – e cumpre função social de extrema importância, a do controle do custo de vida. Os acionistas estrangeiros, introduzidos na Petrobrás após a quebra do monopólio, é que não concordam com isso, exigem o alinhamento dos preços dos produtos da Petrobrás aos preços internacionais.
A quem serve o senador Serra ao defender essa opinião? Certamente, não aos interesses nacionais. Quanto aos “projetos aloprados de refinarias”, tanto o COMPERJ no Rio de Janeiro, como a RENEST em Pernambuco são tecnicamente justificados, pois agregam valor ao petróleo aqui produzido, e tornam o país auto-suficiente neste insumo.
Na verdade, a posição do senador é coerente com a do governo FHC, do qual foi uma das principais lideranças: buscou-se, então, desinvestir em refino (alienou-se ⅓ da REFAP à YPF e preparou-se a venda da REDUC, suspensa em 2003), para tornar o país dependente da importação de derivados. As beneficiárias da canibalização da Petrobrás seriam, é claro, as petrolíferas privadas mundiais.
Finalmente, o senador Serra comenta algumas decisões da atual diretoria da Petrobrás, em princípio alinhadas às suas ideias. Propõe-se a venda de ativos de produção, solução simplista que suprimirá da Petrobrás justamente a origem dos recursos que, no futuro, garantirão o rolamento das suas dívidas e a sustentabilidade a longo prazo da saúde financeira da empresa. As medidas anunciadas são, na verdade, uma solução obtusa, que beira o suicídio empresarial, em favor de interesses das petrolíferas privadas mundiais, tão caras ao senador Serra.

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