domingo, 10 de janeiro de 2010

Cidade Zero


Cidade Zero ( Gorod Zero, Rússia, 1989)
Dirigido por: Karen Chakhmazarov
Estrelando: Leonid Filatov, Oleg Bassilachvilli, Vladimir Menchov.

Nos derradeiros anos da União Soviética este filme foi realizado retratando de forma magistral o espírito da época, o sentido humano daquela sociedade no final dos anos 80 do século passado.
É para isto que precisamos de arte e de criadores que intuam os fluxos sociológicos e os sintetizem em sua expressão artística, e a nossa adorável arte cinematográfica foi premiada com uma peça maravilhosa, com humor inteligente e abordagem inusitada.
Muitos críticos vêm o filme como uma crítica ao período Stalinista, nada mais longe desta abordagem fácil, o filme retrata a URSS no período em que foi filmado, onde tudo era absurdo e disfuncional, aliás, no período de Stalin foi o contrário, a URSS saiu de uma sociedade agrícola atrasada para uma superpotência industrial-nuclear, ademais de derrotar da Alemanha no meio do caminho, o filme não faz crítica do autoritarismo.
O filme trata da história de um engenheiro Aleksei Varakin (Leonid Filatov) de uma grande fábrica de Moscow que chega a uma pequena cidade para solicitar alterações nos componente que uma fábrica local fornece a sua empresa, e a partir de sua chegada ao local para uma reunião com o diretor da empresa, iniciam-se eventos absurdos e o pobre engenheiro é envolvido em um turbilhão de situações sem nexo onde ele é o principal participante.
A sucessão de absurdos faz mímica com a URSS da época, é genial a abordagem, assim como o ritmo lento do enredo e a ausência de música e diálogos em alguns momentos contribuem para dar a impressão de que se trata de um sonho, parece uma imersão no universo onírico.
A URSS da época já havia perdido o sentido para seus cidadãos, caminhava lentamente por inércia, como uma lembrança de um passado perdido que não tinha mais razão.
Todo este contexto e o estratagema cinematográfico deixam uma marca profunda no espectador, por muitos anos as imagens e sensações do filme retornam e trazem saudade, mesmo que na hora que assistimos isto não é tão notado, o filme leva tempo para ser digerido psicologicamente.
É um filme para amantes da arte em se precebendo as relações com detalhes históricos, da sociedade e modo de vida da época.
Depois da estação, e já na ante-sala da reunião com o Diretor, Aleksei depara-se com a secretária que trabalha nua e isto não causa nenhum estranhamento a mais ninguém.
Depois no hotel, no restaurante é oferecido a Aleksei uma sobremesa que ele reclama que não havia ordenado, após insistência ele acede pois argumentam que o cozinheiro havia preparado exclusivamente para ele, ao apresentar-se a sobremesa, trata-se de um bolo com a forma exata de seu rosto, o homem chocado recusa, e é advertido que o cozinheiro se mataria se ele não aceita-se, Aleksei mantém a recusa e a seguir ouve-se um disparo de arma de fogo e alguém caindo no chão, o cozinheiro Nikolayev, dera cabo de sua vida. Na investigação lhe é apresentado uma foto que o cozinheiro guardava, uma foto do próprio Aleksei, assinado “Para meu querido pai”.
Já achando que existe uma conspiração para com ele, Aleksei tenta sair da cidade, só consegue um taxi para uma cidade vizinha, chega a um museu, onde lhe são apresentadas as exposições: um sarcófago Troiano, uma homenagem ao primeiro casal que dançou rock and roll na cidade, passando por uma citação a Mackno (revolucionário anarquista ucraniano), logo Aleksei está envolvido na situação de ser homenageado como filho do dançarino de rock, o oficial Nikolayev que fora banido 30 anos antes, segue-se um baile in memorian do dançarino.
No baile, ao som de Rock Arround the Clock, o antigo oficial do Konsolmol que havia participado do processo contra Nikolayev, sobe ao palco, interrompe a música, saca uma pistola, aponta para sua cabeça e atira, a arma falha, a cena é dramática, o oficial sai chorando, e segue o baile.
O final, no dia seguinte, em uma cerimônia fora da cidade, alguém cochicha para Aleksei, “fuja”, ele sai correndo pelo mato, sem rumo, entra em um pequeno bote e de pé, gesticula desesperado, nada faz sentido.
A atmosfera da primeira cena do filme, o desembarque na estação, o céu enevoado, o homem parado, o trem, é uma introdução elegante para o ambiente bizarro do filme, mas a direção mantém sempre o ritmo, a sátira, o inesperado, um grande filme, um jeitão soviético, completamente distinto da rima e métrica que estamos habituados no ocidente, foi um prazer assistir.

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