sexta-feira, 27 de maio de 2011

Agrotóxicos - O Envenenamento de uma Nação

 

"Já somos os maiores importadores de agrotóxicos do planeta, com um consumo médio anual de 14 litros por hectare cultivado, mais 180 mil toneladas anuais de fertilizantes", escreve Washington Novaes, jornalista, comentando a proibição do uso do metamidofós, inseticida usado em lavouras de lavouras de soja, algodão, feijão, batata, trigo, tomate e amendoim, em artigo publicado no jornal O Estado de S.Paulo, 27-05-2011.

Eis o artigo.

Neste próximo mês de junho entra em vigor resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que proíbe (desde janeiro) a produção e a comercialização de agrotóxicos que contenham como ingrediente ativo o metamidofós. O veto à comercialização programado só para junho visou a evitar que houvesse este ano prejuízos para cultivos, com indisponibilidade de substitutos. Mas em junho de 2012 ficará proibido todo e qualquer uso do metamidofós.

Os estudos que levaram à resolução concluíram que esse inseticida - usado no País em lavouras de soja, algodão, feijão, batata, trigo, tomate e amendoim - "não oferece segurança nem para trabalhadores, nem para consumidores, nem para a população em geral" que possa estar exposta a seus resíduos: foi considerado neurotóxico e imunotóxico, com atuação prejudicial aos sistemas endócrino, reprodutor e ao desenvolvimento embriofetal. No Brasil, tem um consumo anual em torno de 8 mil toneladas de ingrediente ativo.

O produto já está proibido em vários países, até mesmo na China. A resolução da Anvisa - que estudava o problema desde 2008 e ficou 75 dias em consulta pública, na qual teve 34 manifestações favoráveis e 22 contrárias - foi aprovada por unanimidade pela Comissão de Reavaliação Toxicológica (que tem membros da própria Anvisa, do Ibama e do Ministério da Agricultura). E já tivera uma nota técnica, com estudos publicados e literatura científica, avaliada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Mas setores da produção e da comercialização, inconformados, continuam a contestá-la. E há uma ação à espera de decisão na Justiça Federal em Brasília.

É uma questão em que se contrapõem fabricantes e produtores agrícolas, de um lado, e cientistas, ambientalistas e sanitaristas, do outro. E não é só aqui. Há poucos dias encerrou-se em Genebra a V Conferência das Partes do Convênio de Estocolmo sobre Contaminantes Orgânicos Persistentes, no âmbito do qual já foram proibidos 21 produtos. Que incluem pesticidas, substâncias industriais e produtos que se propagam pelo solo, pelo ar e pela água, além de se acumularem em tecidos de organismos vivos - incluindo humanos. São, portanto, tóxicos para as pessoas, para a fauna e para a flora. Podem ser transmitidos pelo leite materno, podem causar câncer, problemas reprodutivos e alterações no sistema imunológico.

Esse tema dos agrotóxicos precisa de muita discussão no Brasil.

Na China, como informaram alguns jornais, há pouco registrou-se na Província de Jiangsu perda praticamente total da safra de melancias porque, na ânsia de apressar o crescimento e a venda, os produtores usaram agrotóxicos em excesso. E as melancias passaram a explodir nas estufas. No Brasil, o uso de alguns produtos levou a gravíssimos problemas de saúde entre os trabalhadores, principalmente em lavouras de fumo. Num mercado mundial cada vez mais atento a problemas dessa natureza, usos inadequados podem levar até a restrições ou proibições de importação.

E o panorama brasileiro nessa área, como já foi assinalado neste espaço em artigo anterior (18/4), merece muita atenção e cuidado. Já somos os maiores importadores de agrotóxicos do planeta, com um consumo médio anual de 14 litros por hectare cultivado, mais 180 mil toneladas anuais de fertilizantes. A importação aumentou mais de 20% em uma década e chegou a 80% do consumo total (quando era de 20% há 30 anos). Hoje, importamos 74% do nitrogênio, 49% do fósforo, 92% do potássio. Nossa importação total de defensivos chegou a US$ 6,6 bilhões em 2009, quando o total no mundo ficou em US$ 48 bilhões.

O preço médio dos fertilizantes também teve forte alta em 2010, com influência considerável no preço dos produtos, já que dependemos em 81% de fertilizantes importados. Tanto que o relatório do Banco Central de 12 de outubro de 2010 já mencionou que o maior fator de alta no preço de commodities incluía essa questão. O índice de commodities agropecuárias (açúcar, soja, trigo, carne) acusou, em dez meses do ano passado, alta de 46%. Para avaliar essa influência basta lembrar que hoje, no Brasil, as lavouras de cana-de-açúcar usam 6,3 litros de agrotóxicos e insumos químicos por hectare cultivado; as de milho, 6,7 litros; as de soja, 15,4 litros; e as de algodão, 39,2 litros. O consumo total, de quase 1 bilhão de litros por ano, equivale a seis litros por habitante do País.

Quando se retorna às questões de saúde, vale a pena ouvir palavras do professor Wanderlei Pignati, médico e doutor na área de toxicologia, professor na Universidade Federal de Mato Grosso, que, em parceria com a Fiocruz, estuda a questão no município de Lucas do Rio Verde (MT), onde há cinco anos houve um acidente de contaminação tóxica de pessoas por pulverização aérea de defensivos. Ele analisou 62 mulheres que amamentavam bebês. Todas as amostras "revelaram a presença de algum agrotóxico", inclusive o DDT (diclorodifeniltricloroetano), já banido, e o endossulfan, "proibido há 20 anos na União Europeia", mas que somente será banido no Brasil em julho de 2013. "O metamidofós", também encontrado, diz professor Wanderlei Pignati, "é cancerígeno e neurotóxico".

Segundo o toxicologista, legislação, no Brasil, há: "Mas existem alguns furos. Primeiro, quem está fiscalizando? (...) E os critérios, como a distância de 500 metros de nascentes de água, casas, criação de animais, ninguém respeita." E acrecenta: "O litro de água que você bebe hoje pode ter 13 tipos de metais pesados, 13 tipos de solventes, 22 tipos de agrotóxicos diferentes, 6 tipos de desinfetantes. Hoje, a questão mais importante na contaminação da água não é mais a bactéria, mas toda essa contaminação química" (Agência Brasil de Fato, 28/4).

Então, é preciso ter políticas adequadas, legislação competente. A agricultura é fundamental para o País. Mas, na área dos agrotóxicos e dos insumos químicos, é preciso muito cuidado, até para não ter, além de problemas internos de saúde, barreiras comerciais externas.

"Já somos os maiores importadores de agrotóxicos do planeta, com um consumo médio anual de 14 litros por hectare cultivado, mais 180 mil toneladas anuais de fertilizantes", escreve Washington Novaes, jornalista, comentando a proibição do uso do metamidofós, inseticida usado em lavouras de lavouras de soja, algodão, feijão, batata, trigo, tomate e amendoim, em artigo publicado no jornal O Estado de S.Paulo, 27-05-2011.

Eis o artigo.

Neste próximo mês de junho entra em vigor resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que proíbe (desde janeiro) a produção e a comercialização de agrotóxicos que contenham como ingrediente ativo o metamidofós. O veto à comercialização programado só para junho visou a evitar que houvesse este ano prejuízos para cultivos, com indisponibilidade de substitutos. Mas em junho de 2012 ficará proibido todo e qualquer uso do metamidofós.

Os estudos que levaram à resolução concluíram que esse inseticida - usado no País em lavouras de soja, algodão, feijão, batata, trigo, tomate e amendoim - "não oferece segurança nem para trabalhadores, nem para consumidores, nem para a população em geral" que possa estar exposta a seus resíduos: foi considerado neurotóxico e imunotóxico, com atuação prejudicial aos sistemas endócrino, reprodutor e ao desenvolvimento embriofetal. No Brasil, tem um consumo anual em torno de 8 mil toneladas de ingrediente ativo.

O produto já está proibido em vários países, até mesmo na China. A resolução da Anvisa - que estudava o problema desde 2008 e ficou 75 dias em consulta pública, na qual teve 34 manifestações favoráveis e 22 contrárias - foi aprovada por unanimidade pela Comissão de Reavaliação Toxicológica (que tem membros da própria Anvisa, do Ibama e do Ministério da Agricultura). E já tivera uma nota técnica, com estudos publicados e literatura científica, avaliada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Mas setores da produção e da comercialização, inconformados, continuam a contestá-la. E há uma ação à espera de decisão na Justiça Federal em Brasília.

É uma questão em que se contrapõem fabricantes e produtores agrícolas, de um lado, e cientistas, ambientalistas e sanitaristas, do outro. E não é só aqui. Há poucos dias encerrou-se em Genebra a V Conferência das Partes do Convênio de Estocolmo sobre Contaminantes Orgânicos Persistentes, no âmbito do qual já foram proibidos 21 produtos. Que incluem pesticidas, substâncias industriais e produtos que se propagam pelo solo, pelo ar e pela água, além de se acumularem em tecidos de organismos vivos - incluindo humanos. São, portanto, tóxicos para as pessoas, para a fauna e para a flora. Podem ser transmitidos pelo leite materno, podem causar câncer, problemas reprodutivos e alterações no sistema imunológico.

Esse tema dos agrotóxicos precisa de muita discussão no Brasil.

Na China, como informaram alguns jornais, há pouco registrou-se na Província de Jiangsu perda praticamente total da safra de melancias porque, na ânsia de apressar o crescimento e a venda, os produtores usaram agrotóxicos em excesso. E as melancias passaram a explodir nas estufas. No Brasil, o uso de alguns produtos levou a gravíssimos problemas de saúde entre os trabalhadores, principalmente em lavouras de fumo. Num mercado mundial cada vez mais atento a problemas dessa natureza, usos inadequados podem levar até a restrições ou proibições de importação.

E o panorama brasileiro nessa área, como já foi assinalado neste espaço em artigo anterior (18/4), merece muita atenção e cuidado. Já somos os maiores importadores de agrotóxicos do planeta, com um consumo médio anual de 14 litros por hectare cultivado, mais 180 mil toneladas anuais de fertilizantes. A importação aumentou mais de 20% em uma década e chegou a 80% do consumo total (quando era de 20% há 30 anos). Hoje, importamos 74% do nitrogênio, 49% do fósforo, 92% do potássio. Nossa importação total de defensivos chegou a US$ 6,6 bilhões em 2009, quando o total no mundo ficou em US$ 48 bilhões.

O preço médio dos fertilizantes também teve forte alta em 2010, com influência considerável no preço dos produtos, já que dependemos em 81% de fertilizantes importados. Tanto que o relatório do Banco Central de 12 de outubro de 2010 já mencionou que o maior fator de alta no preço de commodities incluía essa questão. O índice de commodities agropecuárias (açúcar, soja, trigo, carne) acusou, em dez meses do ano passado, alta de 46%. Para avaliar essa influência basta lembrar que hoje, no Brasil, as lavouras de cana-de-açúcar usam 6,3 litros de agrotóxicos e insumos químicos por hectare cultivado; as de milho, 6,7 litros; as de soja, 15,4 litros; e as de algodão, 39,2 litros. O consumo total, de quase 1 bilhão de litros por ano, equivale a seis litros por habitante do País.

Quando se retorna às questões de saúde, vale a pena ouvir palavras do professor Wanderlei Pignati, médico e doutor na área de toxicologia, professor na Universidade Federal de Mato Grosso, que, em parceria com a Fiocruz, estuda a questão no município de Lucas do Rio Verde (MT), onde há cinco anos houve um acidente de contaminação tóxica de pessoas por pulverização aérea de defensivos. Ele analisou 62 mulheres que amamentavam bebês. Todas as amostras "revelaram a presença de algum agrotóxico", inclusive o DDT (diclorodifeniltricloroetano), já banido, e o endossulfan, "proibido há 20 anos na União Europeia", mas que somente será banido no Brasil em julho de 2013. "O metamidofós", também encontrado, diz professor Wanderlei Pignati, "é cancerígeno e neurotóxico".

Segundo o toxicologista, legislação, no Brasil, há: "Mas existem alguns furos. Primeiro, quem está fiscalizando? (...) E os critérios, como a distância de 500 metros de nascentes de água, casas, criação de animais, ninguém respeita." E acrecenta: "O litro de água que você bebe hoje pode ter 13 tipos de metais pesados, 13 tipos de solventes, 22 tipos de agrotóxicos diferentes, 6 tipos de desinfetantes. Hoje, a questão mais importante na contaminação da água não é mais a bactéria, mas toda essa contaminação química" (Agência Brasil de Fato, 28/4).

Então, é preciso ter políticas adequadas, legislação competente. A agricultura é fundamental para o País. Mas, na área dos agrotóxicos e dos insumos químicos, é preciso muito cuidado, até para não ter, além de problemas internos de saúde, barreiras comerciais externas.



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quinta-feira, 26 de maio de 2011

Dilma, Palocci e os omeletes

do Escrevinhador 

por Rodrigo Vianna

A defesa de Palocci já custou caro para o governo: primeiro os ruralistas aprovaram o Código Florestal, em troca de não apertar o cerco ao ministro consultor; depois, Dilma cedeu à pressão da bancada religiosa e suspendeu o kit contra preconceito do Ministério da Educação. Esse foi o custo, no curto prazo.

Mais grave é o que pode ocorrer no médio prazo: a dissolução da base social que apoiou Dilma na eleição. Isso sim é grave, gravíssimo.

Os sinais já estão nas redes sociais. A militância que defendeu Dilma bravamente contra Serra durante a campanha suja de 2010, essa começa a abrir mão de apoiar o governo… O quadro pode ser revertido? Pode, com mudança de rumo. No ritmo atual, Dilma caminha para uma situação preocupante.

Muita gente há de de lembrar 2003. Primeiro ano de mandato de Lula. O governo parecia paralisado: juros nas alturas, Reforma da Previdência, parte da base social do petismo abandonava Lula. Palocci tentava acalmar o "mercado". Era preciso. O Brasil estava às portas da bancarota. E aquele era um governo de coalizão, que ninguém se enganasse.

Lula perdeu algum apoio, mas não todo, e se recuperou. Antes, entretanto, teve que enfrentar a crise do Mensalão em 2005. A velha imprensa tentou fazer daquele o "escândalo mais grave da história". Não era. Havia gente disposta a derrubar Lula entre os demotucanos. Isso havia. Bornhausen que o diga. Sabe por que não tentaram pra valer? Porque Lula tinha base social…

Quando o caldo entornou em 2005, não foram os banqueiros de Palocci que deram sustentação a Lula. Mas a base organizada. Assim como foi essa base, ou o que restou dela, que ajudou a enfrentar o PIG em 2006 e a onda conservadora insuflada por Serra em 2010. 

O PT tomou um susto com os 20 milhões de votos de Marina? Se Dilma seguir no ritmo atual, o susto será dobrado em 2014… Quem vai defender o "legado" de Dilma?

Dilma encontrou a casa relativamente arrumada depois da vitória. Não precisava pagar o pedágio que Lula pagou em 2003. Mas escolheu fazê-lo. Levou Palocci ao centro do governo. E agora é ele que se agarra à presidenta, arrastando o governo para um redemoinho que, a médio prazo, pode tragá-lo.

E não é só isso. Vejamos. Em apenas cinco meses, quanta coisa desandou:

- retrocesso na política externa;

- retrocesso no Ministério da Cultura;

- derrota no Código Florestal;

-  recuo no kit contra o preconceito.

O dado positivo do governo até agora, em minha humilde opinião: a política econômica. Mantega e o BC enfrentaram o repique da inflação sem ceder à chantagem mercadista. Foram bombardeados (e o bombardeio, dizem, teria partido de Palocci). Resistiram. A condução não liberal da economia (legado do segundo mandato de Lula) foi mantida por Dilma.   

Lula, ao fazer determinadas escolhas ao longo de 8 anos, perdeu parte da base tradicional petista. Mas compensou as perdas com o tal "subproletariado" de que falou Andre Singer num já célebre artigo. Essa turma do subproletariado premiou Lula (e seus anos de bonança econômica) com a eleição de Dilma. Essa turma está se lixando pra Palocci, é verdade. Mas na hora em que o bicho pega não é essa turma (menos orgânica) que sustenta governo na rua. É a militância. E a militância, a mesma que o PT e Dilma desprezaram no primeiro turno e que mesmo assim evitou a vitória de Serra no segundo, essa está entre decepcionada e furiosa.

As escolhas de Dilma nesse início de governo me lembram um sujeito que tem família muito sólida, mas faz questão de agradar os vizinhos da rua. Deixa a mulher em casa pra ir ao churrasco de um. Depois, esquece de pegar o filho na escola pra ajudar o outro vizinho. E assim vai… Passa o tempo. Um dia ele volta pra casa distraído e descobre que a mulher foi embora e levou os filhos. Sente-se só. Vai bater na casa de um daqueles vizinhos muito amigos, e aí ouve: "cada um com seus problemas…"

Dilma faz a opção de agradar conservadores e religiosos de sua ampla base de apoio. Talvez as pesquisas ainda mostrem a popularidade da presidenta alta, porque essas questões demoram pra se espalhar entre o povão. Mas a base tradicional, mais à esquerda, essa se desmancha.  Mas quais sáo os números que indicam isso? Não são números, é a pulsação na rede. Só não vê quem não quer.

O problema é que, quando vier uma crise brava ou quando chegar a eleição de 2014, esses conservadores não estarão com Dilma. Encontrarão outras alternativas. "Cada um com seus problemas" – dirão os banqueiros,  os religiosos e a turma do agronegócio. Dilma vai olhar pro lado e perguntar: cadê o meu povo? Aí, pode ser tarde… Omeletes e Paloccis não vão resolver.

Ainda há tempo pra acertar a rota. Veto decidido ao Código Florestal, reorganização da base no Congresso, recomposição do Ministério abrindo mão de alguns nacos conservadores – na base aliada –  para fortalecer o núcleo histórico de apoio ao lulismo. Isso tudo poderia ajudar. Mas seria preciso começar pela saída de Palocci.

A escolha parece não ser essa. Os sinais são preocupantes.


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O jogo de xadrez da economia mundial

O conhecimento da economia é o das relações existentes entre eventos econômicos. É como um jogo de xadrez: quando se mexe em uma peça, altera-se completamente o equilíbrio do tabuleiro.

Um pequeno roteiro para entender alguns dos principais eventos mundiais.

Lance 1 – o FED (Federal Reserve, o Banco Central norte-americano) anuncia uma enorme recompra de títulos públicos americanos. Comprando, injeta no mercado um grande volume de dólares – no caso, US$ 500 bilhões.

Lance 2 – muito dólar despejado no mercado, desvaloriza suas cotações, torna mais caros todos os produtos cotados em outras moedas (especialmente euro e as moedas asiáticas); e mais baratos os produtos produzidos nos Estados Unidos. Com isso, provoca mudanças no fluxo do comércio mundial.

Lance 3 – sem a disponibilidade de títulos do Tesouro americano para aplicar (devido à operação de resgate e às baixas taxas de juros ofertadas) parte desse dinheiro migra para outros ativos, especialmente moedas de outros países e commodities.

Lance 4 – no caso das moedas, os especuladores optam por países que paguem altas taxas de juros. Ganham com os juros e ganham com a valorização da moeda local.

Lance 5 – ao aplicar em commodities, aumentam suas cotações. No caso brasileiro, a valorização das cotações de commodities compensa (em termos de balança comercial) a queda nas exportações de manufaturados.

Lance 6 – para contrabalançar o excesso de oferta de dólares (que provoca apreciação do real), o Banco Central compra parte deles no mercado, que irão engordar as reservas cambiais brasileiras.

Lance 7 –sem essas reservas, quando o real parasse de se apreciar e o especulador avaliasse que seria impossível continuar financiando o déficit externo, haveria um estouro da boiada, provocando uma desvalorização do real. Esse receio segurava o especulador. Com o colchão de liquidez das reservas cambiais, o BC passou a fornecer uma segurança adicional, que prolongou ainda mais a especulação e a apreciação cambial.

Lance 8 – Por outro lado, a manutenção de altas reservas cambiais impõe um enorme custo fiscal adicional. É dinheiro que sai dos investimentos públicos e das despesas correntes para bancar o estoque de dólares.

Lance 9 – o aumento nos preços das cotações internacionais de commodities provoca elevação nos preços internos, pressionando a inflação. Para combater a inflação, o BC aumenta os juros.

Lance 10 – aumentando os juros, aumenta ainda mais o fluxo de dólares para o país, derrubando ainda mais suas cotações.

Próximos lances: e aí que a porca torce o rabo.

O movimento financeiro com as commodities vai até o ponto em que se considera que será difícil aumentar mais ainda suas cotações. Hoje em dia, as cotações aumentam por conta desses jogos financeiros e também da demanda do mercado chinês.

Caso a economia da China comece a acomodar, ou os bancos centrais de outros países a aumentar seus juros, inverte-se a espiral da entrada de dólares. E, aí, chega a conta da desvalorização cambial. 

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quarta-feira, 25 de maio de 2011

A esquerda constrangida

por Mauro Santayana
extraído do JB online:

A vitória da direita nas eleições parciais da Espanha, e a
probabilidade de que a filha de Fujimori venha a ganhar a presidência
do Peru, são  dura advertência aos partidos de esquerda. Desde a queda
do muro de Berlim, e o surgimento do pensamento único, a serviço da
ditadura mundial do neoliberalismo econômico, a esquerda parece
envergonhada de seu discurso pela igualdade e justiça social. Vem
atuando na defensiva, como se a todos os humanistas da História e a
todos os intelectuais e ativistas da esquerda pudessem ser atribuídas
as responsabilidades pelos crimes do totalitarismo stalinista, pela
insânia de Ceausescu, e pela incompetência administrativa dos
burocratas dos países socialistas.

O PSOE perdeu as eleições  porque Zapatero e seus companheiros
deixaram de ser socialistas. Quando o governo  continuou a política de
Aznar, de financiar a "invasão" da América Latina pelas grandes
empresas e bancos espanhóis -  em lugar de estimular o desenvolvimento
econômico interno – deixou a esquerda. Embora o discurso continuasse o
mesmo, a prática foi para a direita. Com isso, agravou-se o desemprego
interno, enquanto as empresas ibéricas (o mesmo ocorreu em Portugal)
criavam e continuam a criar empregos no exterior. Para os grandes
investidores espanhóis, ótimo: os lucros na América Latina são mais
altos e os salários  menores.

A esquerda começou a erodir-se nos próprios países socialistas,
submetida ao mesmo equívoco de que sofre hoje, o do "economicismo". É
de se lembrar que o próprio Lenine caiu na armadilha teórica, ao dizer
que o socialismo seria a união da velha alma revolucionária russa ao
pragmatismo norte-americano. Para construir um sistema de valores
fundado na competitividade do capitalismo, seria melhor continuar com
o capitalismo. Reclama-se da esquerda proporcionar o crescente bem-
estar das comunidades políticas, sem a opressão do capitalismo.

A esquerda parece esquecida de seu projeto teleológico, o de uma
sociedade sem classes. Esse projeto foi abandonado depois da vitória
da "santa aliança",  que uniu o polaco Wojtyla ao caubói Ronald
Reagan, a fim de apressar a erosão de um sistema que já se encontrava
minado por dentro. Os dirigentes dos partidos de esquerda – salvo
alguns, e poucos – empenharam-se em caminhar em direção à direita,
aliando-se ao cooptado Gobartchev,  hoje garoto propaganda da Vuiton.
Foi  confissão do malogro em se opor teoricamente aos desvios do
"socialismo real". Comunistas tchecos, alemães e franceses tentaram
construir caminhos novos, ao analisar os desafios históricos, como
fez o filósofo Radovan Richta, primeiro com seu estudo sobre "O homem
e a tecnologia na revolução contemporânea", em 1963 e, três anos mais
tarde, ao chefiar  grupo de acadêmicos tchecos no lúcido estudo sobre
"A Civilização na Encruzilhada", no qual as idéias de seu primeiro
livro são mais detalhadas. Marxistas mais antigos, como Lukacs e os
membros da Escola de Frankfurt – tinham outra e mais grave inquietude,
com a "desumanização" da esquerda, contaminada pelos vícios da
sociedade industrial moderna.

Por tudo isso, as massas estão indo às ruas, na Espanha e alhures.
Desnorteadas, pela falta de um discurso coerente da esquerda, elas
pendem para a direita que, pelo menos, lhes oferece a hipótese de uma
ordem moralista – como a acenada, entre nós, pelo deputado Bolsonaro.
É assim que se explica a vitória da direita na libertária Catalunha e
a terrível probabilidade de que a filha do corrupto e sanguinário
Fujimori venha a vencer a esquerda no Peru, dentro de poucos dias.

É uma advertência também para a Presidente Dilma Roussef, neste
momento de dificuldades políticas menores – mas não tanto – que
incomodam o seu governo.




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terça-feira, 24 de maio de 2011

O condomínio peemedebista :: Marcos Nobre

Por Marcos Nobre

As polarizações artificiais que travam o debate público

RESUMO. Herança da polarização criada pela ditadura militar, o PMDB fez de sua eterna permanência no poder a condição da política brasileira na era democrática. Antigo eixo de transformações sociais, o PT aderiu a essa lógica com o escândalo do mensalão, tornando-se "síndico" do condomínio peemedebista, essencialmente conservador.

NÃO FAZ MUITO TEMPO, uma pessoa podia dizer que não tinha posição política ou preferência partidária definida. Mas sabia responder com rapidez à pergunta se era "contra" ou "a favor" do PT. Mesmo que as coisas hoje não se passem exatamente assim, isso diz muito sobre a história política recente.

Engenheiros políticos sempre desenham paraísos partidários em que o país ganha, afinal, um sistema nacional e polarizado. A mais recente tentativa foi obra da ditadura militar (1964-1985), que, de cima e na marra, pretendeu produzir um sistema bipartidário de tipo "oposição" versus "situação", MDB versus Arena, nas siglas vigentes até o final da década de 1970. Esses reformadores de gabinete e de caserna pretenderam, com isso, superar a fragmentação de interesses e as desigualdades regionais e criar algo como a verdadeira unidade de uma nação.

O resultado ruinoso é conhecido. O que é bem menos conhecido é o papel que teve esse projeto autoritário na moldagem da cultura política brasileira a partir da democratização dos anos 1980. Uma cultura que, no seu todo e em sua história, chamo de "peemedebismo". Não porque esteja restrita ao PMDB simplesmente, mas porque foi esse partido que primeiro, ainda nos anos 1980, a moldou e consolidou.

DItadura Apoiando-se na unidade contra o inimigo externo dada pela ditadura, o MDB (depois PMDB) produziu, por vocação e por necessidade, um modelo de gerenciamento de interesses adaptado à desigualdade e à fragmentação regionais. Não foi o sonhado partido uniforme e homogêneo dos reformadores ditatoriais, mas aquele que trouxe para dentro de si a diversidade e a fragmentação. Em suma, um partido nacional à brasileira.

A coisa funcionou mais ou menos assim. Todo e qualquer grupo de interesse tem entrada franqueada no partido. Se conseguir se organizar e se fortalecer como grupo organizado, ganha o direito de pleitear o seu quinhão dos fundos públicos. E, ao mesmo tempo, ganha direito de veto sobre questões que afetem diretamente seus interesses.

Com o declínio da ditadura, o pressuposto do modelo passa a ser, evidentemente, que o partido esteja permanentemente no poder, seja qual for o governo. E a consequência é a de uma política de conchavo, de gabinete, ou, quando muito, exclusivamente partidária. O debate público deve ser evitado ao máximo e, se for inevitável, deve conduzir a "clinchs" políticos, no qual prevaleçam os direitos de veto dos diferentes grupos de interesses encastelados no partido.

PT Se o domínio do peemedebismo tivesse sido completo, era assim que as coisas teriam se passado. Mas não foi isso exatamente o que se passou nas décadas de 1980 e de 1990. E só não foi assim porque, nos estertores da ditadura, surgiu o PT, um partido que não aceitava operar com base nessa lógica.

O PT pretendia ser um partido nacional. Pretendia unificar o país a partir de baixo, dos movimentos sociais e sindicais que combatiam a desigualdade em suas diversas formas. A ideia era simples e direta: a unidade própria de um país só pode ser alcançada se forem eliminadas as desigualdades. E isso inclui combater um sistema político que busca apenas acomodar e gerenciar as desigualdades, como é o caso de um sistema dominado pelo peemedebismo.

Foi assim que uma transição morna para a democracia, dirigida pelo condomínio ditatorial e pactuada de cima por um sistema político excludente, deu de cara com movimentos e organizações sociais, sindicatos e manifestações populares que não cabiam nos canais estreitos da "abertura política" de então. Como não conseguiu administrar todos esses movimentos segundo a estrita cartilha peemedebista, o sistema político encontrou uma outra maneira de neutralizá-los.

Confrontada, por exemplo, com um volume inédito de participação da sociedade organizada, a Constituinte recebeu e aceitou muitas das demandas e as inscreveu na Constituição de 1988. Mas, ao mesmo tempo, fez com que esses dispositivos constitucionais dependessem de leis complementares para serem efetivamente implementados. Ou seja, com uma ou outra exceção notável (a criação do SUS à frente), tomou de volta para si o poder de decisão de fato.

ENERGIAS REPRESADAS Porém, mais uma vez, a história não acabou aí. Com o acesso ao sistema político severamente limitado ou simplesmente bloqueado pelo peemedebismo dominante, as energias de transformação social represadas foram se acumulando e, progressivamente, passaram a se concentrar no PT.

No momento em que, com apenas 16,08% da votação, Lula conseguiu ir para o segundo turno na eleição presidencial de 1989, esse movimento de concentração de forças no PT se intensificou ainda mais. É verdade que, depois disso, ocorreu um relativo declínio da militância de base característica dos anos 1980, mas a "profissionalização" do PT da década de 1990 substituiu, de certa maneira, a militância espontânea de massa da década anterior, com a fixação, na cultura do partido, das mais destacadas demandas históricas de movimentos sociais e populares.

Nesse momento, o PT se tornou o líder inconteste e exclusivo da esquerda. E o fiel depositário das energias utópicas de transformação em larga medida barradas pela peemedebização do sistema político.

Com o declínio do PMDB, no final da década de 1980, o país flertou primeiro com o seu oposto, com o cesarismo alucinado de Fernando Collor. Se, no entanto, depois do impeachment, em 1992, voltou à lógica peemedebista dominante desde a democratização, a partir dali, o modelo inaugurado pelo PMDB já não pertencia mais somente àquele partido, mas tinha se tornado o padrão de organização e de ação de todos os partidos brasileiros.

EXCEÇÃO Todo partido brasileiro pretende, no fundo, ser um grande PMDB. (Dando um salto na história em direção ao momento atual, basta ver -para falar apenas dos exemplos mais vistosos- como se comportam exatamente segundo essa lógica partidos aparentemente tão diferentes como o PSB ou como o novo PSD). A exceção da história naquele momento foi, mais uma vez, o PT.

Olhando assim as coisas, a reorganização política do Plano Real funcionou porque e enquanto a oposição era liderada pelo PT. A acumulação de energias utópicas de transformação social fez do PT o único polo do sistema político capaz de sobreviver à margem do peemedebismo dominante.

Um importante ministro do primeiro governo FHC, Sérgio Mota, disse que a coalizão do Plano Real tinha um projeto de poder para 20 anos. Como se sabe, esse projeto não vingou, e Lula foi eleito presidente em 2002. (Aliás, o próprio Lula repetiu recentemente a frase azarada de Sérgio Mota, prevendo 20 anos de poder para o PT). Mas, no fundo, o projeto pressupunha que o PT, pela sua própria história, estaria impedido de realizar o pacto com o peemedebismo.

MENSALÃO Estava longe de ser uma suposição sem fundamento. Mesmo depois de ter chegado à presidência, em 2002, Lula não conseguiu assumi-la de fato antes que o episódio do mensalão, em 2005, tivesse afastado figuras históricas do PT, deixando-lhe o caminho livre para moldar o governo à sua maneira e feição.

Foi apenas após o mensalão que Lula realizou de fato o pacto com o peemedebismo. Mas foi também nesse momento que ficou claro que o sistema político em dois polos instaurado depois do Plano Real só poderia funcionar se um partido como o PT estivesse na oposição. Apesar de ter conseguido se colocar, durante o período FHC, como vanguarda do peemedebismo, o PSDB mostrou que sua lógica não difere, no essencial, dessa cultura política dominante.

O país queimou toda a energia de transformação que se acumulou no PT em décadas de luta social. Inicialmente, para organizar o sistema político em dois polos, deixando ao PT o papel de sustentar a oposição com base na sua sólida organização social e sindical.

NOVO CONSENSO Em um segundo momento, com a chegada do PT ao poder, para incluir no novo consenso social o princípio de que o crescimento econômico não deve deixar pessoas para trás, sem um mínimo de proteção social universal e sem um mínimo de efeitos de redistribuição de renda em favor dos mais pobres.

Essa é uma diferença considerável com relação ao consenso social anterior, chamado habitualmente por "nacional-desenvolvimentismo" e que se diz ter vigorado entre as décadas de 1930 e 1980, a maior parte do tempo sob regimes ditatoriais. Era um modelo de desenvolvimento e de sociedade que se sustentava na ideia de um crescimento econômico contínuo, com o qual se alcançava uma melhoria igualmente contínua de padrões de vida, mas, em suas versões autoritárias pelo menos, sem preocupações redistributivas.

Em vista das injustiças históricas do país, certamente não foi pouco fincar no novo consenso brasileiro cláusulas de solidariedade social e de ampliação da participação e da representação políticas. Conjugadas a uma conjuntura internacional extremamente favorável e a taxas de crescimento econômico significativas durante o período Lula, repetidas em anos consecutivos, essas novidades trouxeram também o ressurgimento no horizonte de um país com algum futuro, com a perspectiva de que a geração seguinte viverá melhor ou pelo menos tão bem quanto a anterior.

Mas esse processo já se realizou. O pacto do PT com o peemedebismo já está consolidado. E não há, de fato, oposição.
DIREITA E ESQUERDA Traduzido em termos da divisão política em posições de direita e de esquerda, o panorama resulta no seguinte. A diluição transformadora do PT marcou de tal forma o novo consenso social que as bases do discurso e da prática da direita democrática se perderam, pelo menos por ora. Como a peemedebização historicamente sempre jogou a seu favor, a direita perdeu inteiramente o pé diante de uma ocupação pela esquerda dessa cultura política. Ainda não conseguiu fincar posição para além de setores do mercado financeiro.

Do lado da luta por um aprofundamento das transformações sociais iniciadas pelo período Lula, a situação é difícil pela razão oposta: toda a energia de transformação acumulada parece já ter sido gasta. Se a ocupação pela esquerda do peemedebismo permitiu avanços, é essa mesma cultura política que tende, a partir de agora, a travar novas conquistas democráticas.

As alternativas políticas e as perguntas que se colocam hoje são bem pouco simples. E as possibilidades de ação dependem em muito de uma boa compreensão da complexidade do momento atual. Por exemplo: a atual posição de síndico do condomínio peemedebista ocupada pelo PT é suficiente para manter e aprofundar as conquistas sociais do governo Lula?

Ou, ao contrário, tende com o tempo a se diluir por completo? O que, por sua vez, pressupõe que já se tenha uma resposta à pergunta: há alternativa ao peemedebismo? Ou a política estaria limitada à sua ocupação, seja pela esquerda, seja pela direita? Ou ainda: é possível, em condições como essas, não só crescer economicamente com alguma diminuição da desigualdade, mas fazer avançar a democracia?

GUERRA POLÍTICA Por mais difícil que seja responder a essas perguntas, há pelo menos algumas constatações incontornáveis. Começando por um debate público e por um sistema político que não produzem diferenciações reais, mas tão somente uma guerra política de posições em que ninguém sai de fato do lugar.

Uma guerra em que a eventual conquista de uma trincheira significa ganhar poder de mando sobre seu pequeno território e poder de veto sobre iniciativas alheias que ameacem essa trincheira.

Essa é também a razão pela qual a presidente é vista como alguém que "toca o expediente". Por mais que o jogo seja complicado e esteja longe de estar ganho para a coalizão no poder, o governo Dilma lida agora com alternativas de gerenciamento do novo consenso brasileiro e não mais com sua transformação.

Um contexto em que se torna difícil até mesmo caracterizar o voto dado a José Serra ou a Marina Silva nas eleições presidenciais de 2010 como um voto de "oposição". Um contexto em que à "oposição" não resta senão aguardar, impotente, que um fracasso do governo lhe faça cair no colo o poder federal.

Não é à toa, portanto, que a sensação de um divórcio entre sociedade e sistema político é generalizada. O sistema político fechou-se para a invenção e para a inovação. Só um sistema político poroso à sociedade é levado a elaborar demandas de novo tipo, reivindicações e formas de representação que não constem do rol hoje determinado por ele mesmo como aceitável.

ILUSÃO GERENCIAL Alcançar uma democracia melhor do que se conseguiu construir até agora não pode ser um problema que se limite ao fracasso ou ao sucesso do governo em conseguir produzir crescimento econômico com inflação sob controle. Ao contrário da ilusão gerencial que tem o PT de ter sob sua supervisão e controle os movimentos sociais, novas energias sociais estão sendo produzidas e mobilizadas, sem que tenham o grau de organização que se está acostumado a ver, sem que estejam sendo devidamente processadas pelo sistema político.

Um potencial em larga medida invisível e que se manifesta em episódios que não cabem nos quadros gerenciais habituais, como se pode dizer de um acontecimento tão surpreendente e até hoje tão mal explicado como a revolta dos trabalhadores no canteiro da usina de Jirau, em meados de março.

Ao contrário do que acredita o condomínio peemedebista, crescimento econômico e melhoria dos padrões de vida não são garantia de que não surgirão protestos de importância fora dos enquadramentos habituais. E tentar reduzir sem mais a complexidade da situação a um posicionamento a favor ou contra um governo, a favor ou contra um partido, é optar por manter tudo como está. É aceitar a armadilha do condomínio do peemedebismo.

SÍNDICO Porque o peemedebismo é, na sua essência, conservador em todos os âmbitos. E opera com base em uma máxima que lhe garantiu a longa sobrevivência: sempre que algo dá errado, joga toda a responsabilidade da administração do condomínio nas costas do síndico. Por isso, o peemedebismo se deu mal no final da década de 1980: porque era síndico de seu próprio condomínio.

É justamente para não cair na tentação de querer ser novamente síndico que, depois do rearranjo do Plano Real, o PMDB nunca tem candidato a presidente e sempre está no poder, seja qual for o governo. O PT, como atual síndico do condomínio peemedebista, se apresenta como garantia e vanguarda de um processo que, em grande medida, não está de fato em suas mãos.

Não deixa de ser paradoxal que as polarizações pareçam tanto mais acirradas quanto menos o sistema político está de fato polarizado. A própria campanha presidencial de 2010 foi expressão de polarizações artificiais, cujo efeito foi simplesmente o de reforçar uma guerra de posições montada em trincheiras que ficam longe dos campos onde se travam hoje as batalhas decisivas.

Se o novo modelo de desenvolvimento e de sociedade hoje consolidado representa um inequívoco avanço relativamente à histórica iniquidade do país, a democracia brasileira só alcançará novos avanços a partir de agora se, de alguma maneira, começar a acertar contas com o peemedebismo. Com que forças e com que meios, só a invenção democrática poderá dizer. O que é possível dizer é que o primeiro passo para isso é destravar o debate público das polarizações artificiais e encontrar novas, reais e acirradas polarizações.

Com o acesso ao sistema político limitado pelo peemedebismo, as energias de transformação social represadas passaram a se concentrar no PT

O modelo inaugurado pelo PMDB já não pertencia mais somente àquele partido, mas tinha se tornado o padrão de organização e de ação de todos os partidos

O país queimou toda a energia de transformação do PT, deixando a este o papel de sustentar a oposição com base na sua sólida organização social e sindical

Como a peemedebização historicamente sempre jogou a seu favor, a direita perdeu o pé diante da ocupação pela esquerda dessa cultura política

A democracia brasileira só alcançará novos avanços se começar a acertar contas com o peemedebismo; para isso, é preciso achar novas polarizações

FONTE: ILUSTRÍSSIMA/ FOLHA DE S. PAULO


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Código Florestal,indignação e desconfiança

Alegam que o Código Florestal deve ser enterrado para que o pequeno agricultor possa produzir. Na verdade, são os grandes que querem devastar.

Dr. Rosinha, no Congresso em Foco

Há artigos que escrevo com a razão. Alguns, com o coração. Outros, com indignação e tristeza. Este aqui escrevo com a razão, indignação e tristeza, e não há como ser diferente. É difícil escrever sobre o fim do Código Florestal, proposto por ruralistas e seus aliados, entre os quais o deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), sem usar a razão e sem ficar triste.

Não é razoável acabar com o Código Florestal brasileiro. Apesar dos anos, ele é atual, permite o desenvolvimento e a produção de alimentos sem destruir o meio ambiente. Desenvolvimento e preservação, aliás, não são incompatíveis.

A tristeza vem pelo discurso que ouvimos. Irresponsavelmente, prega-se a necessidade do fim do código a partir da manipulação das informações. Alegam que o código deve ser enterrado para que o pequeno agricultor possa produzir, quando, na verdade, são os grandes empresários do campo que querem devastar.

Se é para atender os pequenos, vamos fazer alterações pontuais que os favoreçam, como, por exemplo, definindo na proposta que tramita na Câmara o que cabe à agricultura familiar e o que o agricultor familiar pode fazer.

A indignação vem por conta da manipulação que se faz para aprovar aquilo que alguns chamam de "novo Código". Não só se manipula a informação, mas também se tentou manipular, através de alterações do texto, o próprio processo de votação.

No dia 11 de maio, ocorreu uma manobra inconcebível por parte do relator, deputado Aldo Rebelo, e alguns outros parlamentares, que só ele pode dizer quem são.

Momentos antes de ser apresentado o texto para ser votado no plenário da Câmara, houve um acordo sobre o que ia a voto no plenário. Para analisar o texto acordado, o líder do PT, deputado Paulo Teixeira (SP), convocou um grupo de parlamentares do partido para analisar o texto. Após análise, o grupo concluiu que o proposta trazia avanços e que era possível votá-la.

A minha indignação diz respeito à manobra feita pelo relator e um seleto grupo de parlamentares, cuja maioria é composta por ruralistas. Imaginando que ninguém leria o "novo Código" a ser votado, levou-se a plenário outro texto, que alterava profundamente aquele sobre o qual havia acordo.

Naquela mesma noite, um grupo de parlamentares do PT e a assessoria técnica fizeram um comparativo dos dois textos. Constatou-se que inúmeros pontos foram alterados. A seguir, uma lista das alterações.

1) Definição de área consolidada, ou seja, áreas que já estão desmatadas. Este foi um tema central em todo o debate: anistia e/ou recomposição. No texto inicial, que havíamos lido, era proposto que somente a agricultura familiar não precisaria recompô-la. A emenda apresentada em plenário ampliou para todos os grandes proprietários. Também abria uma brecha para consolidar as áreas agrícolas que estão ilegais.

2) Áreas de várzeas. O texto que lemos condicionava a utilização delas à proibição de novos desmatamentos. O texto apresentado em plenário liberava totalmente a utilização dessas áreas.

3) Culturas de vazantes, como, por exemplo, o arroz. O que lemos e aprovamos para ir a voto deixava claro que seria regulamentado por um decreto da presidenta. O texto no plenário liberava para todas as propriedades.

4) Represas de hidrelétricas. O texto do acordo estabelecia limites mínimos para as faixas de Área de Proteção Permanente (APP). No que se pretendia votar no plenário, o mínimo ficava o máximo. Nas demais áreas de APPs, o acordo colocou veredas e mangues. A emenda de plenário retirou.

5) Pantanal. O texto que foi levado ao plenário liberava qualquer atividade do agronegócio em todo pantanal.

6) Reserva Legal (RL). No texto do acordo, ficaram isentos de recompor a RL os agricultores familiares e os imóveis que até 2008 tinham quatro módulos. Na emenda, ficavam liberadas de recomposição todas as propriedades até quatro módulos. Além disso, o texto do acordo tinha uma trava que impedia mexer na reserva legal em caso de desmembramento. Esses dois pontos deixam claro que o real interesse é regularizar os grandes proprietários. Permite a eles desmembrar suas propriedades. Assim, derrubam na prática as áreas de reserva atuais de 80% para o bioma da Amazônia e 35% para o cerrado.  Liberando o total até quatro módulos fica fácil para o fazendeiro desmembrar 1,2 mil hectares em três imóveis, de 400 hectares cada, e simplesmente derrubar tudo.

7) Utilização de outras áreas como compensação. O texto acordado permitia que a compensação de reserva legal no bioma fosse feito apenas por arrendamento em outras áreas. O texto que se pretendia votar liberava a compra. Se aprovado, criaria uma gigantesca pressão sobre as terras dos camponeses (agricultores familiares) que hoje estão preservadas. Assim, os fazendeiros comprariam essas terras e depois a averbariam, dizendo que estão preservando ali.

8) Cômputo (soma) da APP e Reserva Legal. No texto que nos foi apresentado, só poderia fazer o cômputo de APP e RL quem tivesse as áreas conservadas. No apresentado no plenário, liberava para todo mundo, inclusive para aqueles que têm área totalmente devastada.

Esses oito exemplos são mais que suficientes para mostrar a razão da indignação, agora acompanhada da desconfiança.

Mais do que nunca o exercício da política deve inspirar a confiança. Confiança do leitor no eleito, e, depois, entre os eleitos. O fato ocorrido por ocasião da votação do "novo" Código Florestal quebrou essa confiança.

Dr. Rosinha é médico, com especialização em Pediatria, Saúde Pública e Medicina do Trabalho, destacou-se como líder sindical antes de se eleger vereador, deputado estadual e deputado federal. Também foi presidente do Parlamento do Mercosul (Parlasul). Exerce o quarto mandato na Câmara dos Deputados, pelo PT do Paraná.



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sexta-feira, 20 de maio de 2011

Código Florestal e a ineficiência do agronegócio

Por Gerson Teixeira
Do Núcleo Agrário do PT

No site do MST

Às vésperas da provável aprovação, pela Câmara dos Deputados, do Substitutivo Aldo Rebelo ao PL que altera o Código Florestal, todas as complexas dimensões da matéria foram mais ou menos abordadas nos debates do tema processados nos últimos meses. No entanto, as ponderações mais importantes da comunidade científica, amplificadas por políticos, lideranças da sociedade civil e ambientalistas, sobre os potenciais danos socioambientais da propositura, dificilmente serão observadas no texto da futura Lei.

Está claro que na perspectiva dos interesses seccionais do agronegócio, os objetivos essenciais para a aprovação do texto do Substitutivo na versão que circulou até a semana passada, envolvem: (i) o resgate da regularidade ambiental, por meio da anistia de multas e do rebaixamento dos compromissos com a recuperação de passivos ambientais, especialmente em RL e APP; e (ii) a liberação de áreas para a expansão das suas atividades através da institucionalização das chamadas "áreas consolidadas" e da precarização da legislação ambiental, via a sua descentralização.

No plano da prática política dos ruralistas, essas demandas replicam, na temática ambiental, as estratégias políticas exitosas consagradas nas sistemáticas ações pelo alongamento, repactuação e remissão de dívidas no crédito rural.

Contudo, se no caso do endividamento os ruralistas sempre enfrentaram (com êxito), resistências políticas por conta dos desdobramentos fiscais dessas medidas, os propósitos de relaxamento dos passivos e da legislação ambiental, encontram receptividade, ainda que tácita, em parcela razoável da sociedade e do governo.

Isto porque, os pesados ônus políticos e ambientais de tais concessões são relativizados ante as projeções dos substantivos "ganhos econômicos" para o país com a forte inserção do agronegócio brasileiro em um mercado internacional progressivamente mais atrativo para as commodities agrícolas.

Por essa razão (entre outras), os ruralistas demandam a aprovação da proposta Aldo para disponibilizar mais áreas para a atividade agrícola, e assim libertar a atividade do suposto engessamento institucional atual para a viabilização do potencial produtivo da agricultura brasileira.

Na realidade, trata-se de discurso oportunista na busca de "saída fácil" para as insuficiências estruturais da base primária do agronegócio.

Afora a confortável posição do Brasil em termos de disponibilidade de áreas agricultáveis (não exploradas ou ineficientemente exploradas), a realidade mostra que o grande óbice aos objetivos produtivistas da atividade agrícola no Brasil está associado aos discretos índices de produtividade dos seus principais produtos no plano mundial.

Uma eventual aproximação dos níveis de produtividade desses produtos aos verificados nos países de primeira linha possibilitariam o crescimento exponencial da produção agrícola brasileira, sem a necessidade de concessões descabidas e de mutilações das normas ambientais em vigor.

Os dados da FAO, referentes ao ano de 2009 confirmam essa realidade para produtos estratégicos do agronegócio, desautorizando, portanto, as pregações acerca da excelência dos padrões técnicos do agronegócio brasileiro.

No caso do arroz, a produtividade média do produto no Brasil, de 4.365 Kg/Ha, coloca o país em 37ª posição no ranking mundial, atrás de países como El Salvador, Peru, Somália, Ruanda, etc.

A produtividade média do milho no Brasil é ainda mais irrelevante em termos globais. Ocupamos a 64ª posição mundial com produtividade média de 3.7148 Kg/Ha.

No trigo, a insignificância dos níveis médios da produtividade do produto no Brasil assume proporções vergonhosas. Com 2.200 Kg/Ha, o Brasil está situado na 72ª posição.

Mesmo na soja, o produto carro-chefe do agronegócio exportador brasileiro, a produtividade média, de 2.636 Kg/Ha, coloca o país na 9ª posição no ranking mundial.

Na média de todos os cereais, a produtividade no Brasil em 2009, foi de 3.526 Kg/Ha, o que colocou o país no 56º posto em termos globais.

Na pecuária de corte, afora a sofrível relação UA/área, o nosso índice médio de produtividade, expresso em peso da carcaça, de 220 Kg/Animal, posiciona o país na 48ª colocação em todo o mundo.

É óbvio que os níveis da produtividade são fruto da interação de muitas variáveis. Em cima desse fato, poderia haver a alegação de que diferenças de fertilidade ou outras condições justificariam tal desempenho do agronegócio brasileiro vis a vis os países que lideram os níveis de produtividade.

Não obstante as nossas inegáveis potencialidades naturais para a atividade agrícola, essa argumentação perde substância diante dos gastos desproporcionais do país com fertilizantes e agrotóxicos. Em tese, a utilização superintensiva desses produtos contrarrestaria os fatores, na esfera natural, que propiciariam a outros países maiores desempenho em produtividade.

De acordo com o IFA – International Fertilizer Industry Association, o Brasil é o 4º maior consumidor de fertilizantes em todo o mundo, atrás, apenas, da China, Índia e Estados Unidos. Observe-se que, por exemplo, a área com cereais na China é 4.4 vezes superior á do Brasil; nos EUA, é 3 vezes maior; e, na Índia, 4.8 vezes superior que a área com cereais no Brasil.

Quanto aos agrotóxicos, desde 2009 nos transformamos nos maiores consumidores mundiais desses produtos conforme estudo encomendado pela ANDEF – Associação Nacional de Defesa Vegetal.

Corroborando essa posição, os dados da FAO (FAOSTAT), atestam que a partir de 2007 nos transformamos no principal país importador de agrotóxicos.

Naquele ano, importamos US$ 282 milhões em inseticidas (incremento de 217% sobre o ano de 2000); com o Vietnã em segundo lugar, com importações de US$ 150.2 milhões.

Em fungicidas, importamos US$ 242 milhões (incremento de 473% sobre as importações de 2000), contra US$ 140 milhões da China, segundo maior importador. Os dispêndios com importações de herbicidas somaram US$ 276 milhões (incremento de 139% sobre o ano de 2000). A Ucrânia, em segundo lugar, importou US$ 171.4 milhões.

Em suma, esses dados mostram que, dominantemente, a agricultura braseira ainda não completou a modernização conservadora, daí os níveis relativamente medíocres da produtividade. Ou seja, ainda estamos no curso de uma "revolução verde" tardia. Não é à toa que, diversamente da maior parte dos países com tradição agrícola, somente na primeira década deste século os índices de produção líquida per capita de alimentos no Brasil passaram a ser positivos, i.e, a taxa de crescimento da produção passou a suplantar a taxa de incremento populacional.

Significa que mesmo nos marcos da ciência agronômica que fornece o substrato técnico do modelo produtivista, o Brasil não incorporou as mais modernas inovações produtivas e de gestão.

A eloqüência dos discursos dos ruralistas sobre a excelência produtivista do agronegócio encontra-se bem a frente dos indicadores reais da atividade. Estivessem esses indicadores, compatíveis com os discursos, o Brasil já teria multiplicado a sua produção agropecuária sem a necessidade de precarizar ou afrouxar as normas ambientais em prejuízo do futuro do próprio país.

Enfim, essa alegação para a alteração do Código Florestal não passa de uma confissão da própria incompetência. Reafirma o descompromisso natural de grande parte dos ruralistas com qualquer coisa que ultrapassa o mata-burro da fazenda.



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quarta-feira, 18 de maio de 2011

Mídia malha Palocci de olho no Código Florestal

O ataque ao Palocci é a resposta contra o governo pela sua ação de barrar a destruição do Código Florestal no congresso semana passada, decisão da presidenta Dilma.

O Palocci é o menino de ouro da oposição conservadora, faz o jogo neoliberal dentro do governo e deixa a porta aberta para mil ataques desestabilizadores, a ele e ao governo.

Não vai ser a primeira nem a última vez que o Palocci será atacado e defenestrado pela imprensa oposicionista, a despeito de todos os seus esforços em fazer tudo o que o aparelho liberal conservador deseja.

Mesmo sendo ele a ponta de lança do financismo neoliberal pela segunda vez no governo do PT, jamais terá a confiança total do sistema de classes elitista brasileiro, por mais que ele se esforce.

Mas o que importa é o momento e o contexto, Dilma havia colocado o Palocci para negociar a reforma do Código Florestal, com perspectiva de salvar alguma coisa da destruição do código pelos ruralistas, veja o relato da Via Campesina aqui:  Os Novos Ruralóides

Acontece que os esforços dos comuno-ruralistas deram na trave, por ação do governo e do PT, não conseguiram votar e passar a destruição do Código. E assim o sistema de mídia foi acionado para cobrar a fatura, explodindo uma bomba política qualquer em cima do governo.

É aí que entra o Palocci, a perna frágil do governo.

E assim que a destruição do Código Florestal for para votação na Câmara, os ataques ao Palocci desaparecerão.

Esta será a primeira grande prova de fogo do Governo Dilma, se fraquejar, e a estratégia da oposição ruralista-midiática vencer, grande parte do respeito político a este governo vai para o vinagre.

É um momento similar ao enfrentamento do presidente Reagan nos EUA e os controladores de vôo, Reagan foi duro e determinado, venceu e teve enormes facilidades políticas pelos restantes de seus dois mandatos.

O Palocci não importa, nem para um lado nem para o outro, serve apenas de peão ou cavalo neste xadrez, o que importa é quem vence na estratégia e na votação do Código Florestal.

É a oportunidade de Dilma Rousseff consolidar seu poder e sua imagem política, se defender o código com unhas e dentes e colocar todo o seu empenho na liderança de sua bancada, firma-se como estadista pelos próximos quatro ou oito anos.

É o momento de defender o Código Florestal, defender os rios, riachos e suas matas ciliares, defender o naco de reservas legais e amealhar os 20 milhões de votos de Marina Silva. Isto se 20 milhões de votos e sua imagem junto à classe média forem importantes.

Oportunidades e provações vão se suceder, a decisão é começar ganhando ou perdendo por conta de um joguinho micho de fazer escândalo em cima da renda legal e declarada do Palocci, aliás o cavalo citado anteriormente tem raça, é de Tróia...


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Lula, o Getulismo Conservador e Desenvolvimentista do PMDB

UM NOVO PACTO DE CLASSES?

por Gilberto Maringoni, na Carta Maior

Qual o significado dos governos Lula e Dilma na esfera da representação política brasileira? Com sua heterogênea base de apoio e com uma ação destinada a beneficiar o capital financeiro e parcelas expressivas da pequena burguesia, dos trabalhadores e dos setores organizados sem ferir nenhum interesse das classes dominantes, as gestões capitaneadas pelo PT conformam um novo pacto social. Tudo indica não se tratar de algo episódico, mas de uma mudança estrutural em relação ao cenário observado ao longo dos anos 1980 e 1990. O processo só encontra paralelo na aliança delineada por Getulio Vargas a partir de 1930. Com essa amplíssima base social, não é à toa que a oposição de direita tenha definhado nos últimos anos. Sem grandes contradições, parte expressiva desta se bandeia para as asas da base governista, sem que exista uma crise de representação da grande burguesia instalada no país.

1. Há um traço definidor da conjuntura atual: a virtual falência dos partidos de direita, PSDB, DEM e PPS. Sem conseguir formular um projeto próprio que os diferencie substancialmente dos governos Lula e Dilma, tais agremiações esfacelam-se em querelas internas, golpes das burocracias partidárias, disputa de espaços entre caciques, debandada geral e instabilidades insolúveis. Suas perspectivas eleitorais para 2012 e 2014 minguam à medida que o tempo passa

2. As tentativas recentes de se soldar novamente um polo de oposição conservadora caíram no vazio. Primeiro foi um pronunciamento do Senador Aécio Neves (PSDB-MG), alardeado como divisor de águas, no início de abril. Para a Câmara Alta convergiram dirigentes de alta graduação. Aécio, orador regular, contou com o valioso empurrão da mídia, com destaque em todos os jornais e telejornais. Usou e abusou de bordões, como "não é mais possível", "o país não aceita" e platitudes tais. Passados três ou quatro dias, ninguém mais tocava no assunto.

3. Semanas depois, foi a vez do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso publicar extensa nota na revista Interesse Nacional, intitulada "O papel da oposição". FHC, percebendo que o problema de seus aliados não está apenas na cabeça das pessoas, buscou um novo chão para assentar suas idéias. Fez um diagnóstico correto, em que pesem os ataques que vem sofrendo.

4. O ex-Presidente afirmou o seguinte: "Enquanto o PSDB e seus aliados persistirem em disputar com o PT influência sobre os "movimentos sociais" ou o "povão", isto é, sobre as massas carentes e pouco informadas, falarão sozinhos. Isto porque o governo 'aparelhou', cooptou com benesses e recursos as principais centrais sindicais e os movimentos organizados da sociedade civil e dispõe de mecanismos de concessão de benesses às massas carentes mais eficazes do que a palavra dos oposicionistas, além da influência que exerce na mídia com as verbas publicitárias".

5. E mais adiante, emendou: "Existe toda uma gama de classes médias, de novas classes possuidoras (empresários de novo tipo e mais jovens), de profissionais das atividades contemporâneas ligadas à TI (tecnologia da informação) e ao entretenimento, aos novos serviços espalhados pelo Brasil afora, às quais se soma o que vem sendo chamado sem muita precisão de 'classe C' ou de nova classe média. A definição de qual é o outro público a ser alcançado pelas oposições e como fazer para chegar até ele e ampliar a audiência crítica é fundamental".

6. Por fim, ele completa: "A imensa maioria destes grupos – sem excluir as camadas de trabalhadores urbanos já integrados ao mercado capitalista – está ausente do jogo político-partidário, mas não desconectada das redes de internet, Facebook, YouTube, Twitter, etc. É a estes que as oposições devem dirigir suas mensagens prioritariamente, sobretudo no período entre as eleições, quando os partidos falam para si mesmo, no Congresso e nos governos".

7. FHC detectou um problema sem solução à vista para os conservadores, dos quais ele continua sendo o principal formulador: a base social da oposição de direita está se erodindo. Não se trata apenas de uma busca pelo "povão" ou de uma tentativa de se encontrar apoio entre os setores emergentes. É algo mais profundo e estrutural. Os partidos de direita perdem apoio entre as classes dominantes, vale dizer entre os setores do grande capital.

8. Uma verificação prática dessa afirmação foi feita pelo jornal O Estado de S. Paulo de 6 de setembro de 2010, na reta final da corrida presidencial. Lá está escrito: "O Tribunal Superior Eleitoral divulgou neste domingo a arrecadação e os gastos de campanha declarados pelos candidatos à Presidência. Dilma Rousseff, do PT, foi a que mais arrecadou: R$ 39,5 milhões. A petista juntou mais do que José Serra, do PSDB, e Marina, do PV, juntos. O candidato tucano arrecadou R$ 26 milhões e a candidata verde R$ 12 milhões".

9. Em outras palavras, as diversas frações do grande capital apostaram a maior parte de suas fichas na campanha petista em 2010. Assim, do ponto de vista material e objetivo, a opção de tais setores era clara ao fim de oito anos da administração do presidente Lula.

10. No entanto, isso ainda não significava que a representação política do que se entende por grande burguesia em atuação no Brasil tivesse feito uma opção indiscutível pelo Partido dos Trabalhadores como ferramenta da representação político-institucional. A maior expressão de tal dúvida estava no comportamento dos meios de comunicação no fim do primeiro e em todo o segundo mandato de Lula. Estes demonstraram nítida preferência pelo candidato tucano José Serra.

11. Ao longo de oitos anos, o PT completou uma hábil movimentação para ganhar a confiança do topo do empresariado operante no Brasil. Embora as mudanças programáticas nessa direção já fossem perceptíveis desde a década anterior, a consolidação dessas diretrizes aconteceu com a ação concreta da administração pública.

12. Começando seu primeiro mandato com um duro ajuste fiscal e com a reforma da Previdência, o Presidente Lula exibiu na prática o programa de governo que desejava tocar dali em diante. Entretanto, ao contrário do que muitos vocalizaram à ocasião, o governo petista não era uma mera continuidade de seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso.

13. A gestão Cardoso representou no Brasil a aplicação a ferro e fogo das diretrizes do Estado Mínimo, com uma agressiva política de privatizações, de liberalização da movimentação de capitais e do desinvestimento na expansão de atividades próprias do Estado, como os serviços públicos, as forças armadas e a diplomacia. Nesses anos, o salário mínimo, como consequência, chegou a um de seus mais baixos patamares históricos, de 70 dólares mensais.

14. A partir de 1999, após a quebra do real, houve uma quase institucionalização da política monetária de corte ultraliberal, com a sacramentação do Banco Central independente e do tripé metas de inflação, juros altos e câmbio flutuante. Nada disso foi mudado na gestão do ex-metalúrgico.

15. Qual o giro operado por Lula? Primeiro foi o de ganhar a confiança dos chamados mercados, através da manutenção da ortodoxia monetária, especialmente ao longo de seu primeiro mandato (2003-2007). Depois foi mostrar ao grande capital que o desenvolvimento do país estava centrado em pelo menos duas bases: expansão do mercado interno e busca de novos mercados os países em desenvolvimento. Nessas duas vertentes, o dirigente petista teve amplo sucesso.

16. A diplomacia brasileira conseguiu atrair novos parceiros, após anos seguidos de déficits em nossa balança comercial ou de resultados medíocres (déficit de US$ 697 milhões em 2000, alcançando um pico de US$ 46 bilhões em 2006), resultantes de anos de sobreapreciação cambial (www.portalbrasil.net/economia_balancacomercial.htm )

17. Na fronteira interna, a estabilidade monetária, após as turbulências de 1999-2002, possibilitou uma acelerado crescimento do crédito tanto às empresas quanto às pessoas físicas. Esta última modalidade resultou em inédita expansão da indústria de bens de consumo duráveis, em especial da automobilística. Os números do Banco Central são eloqüentes: de pouco menos de 20% em julho de 2004, o total de crédito ofertado na economia chegou a 45,7% do PIB em junho de 2010. Os empréstimos do BNDES, com juros subsidiados (TJLP) de 6% ao ano, saltaram de R$ 35,1 bilhões em 2003, para R$ 140 bilhões em 2010.

18. Aliado a políticas de valorização do salário mínimo – que teve seu valor majorado em 70% em termos reais ao longo dos dois governos lulistas -, à expansão da seguridade social e a políticas focadas de transferência de renda, o mercado interno sustentou expressivos índices de crescimento e melhoria na distribuição de renda entre os assalariados. Apesar disso, a distribuição funcional da renda – entre capital e trabalho – manteve-se quase inalterada. A participação dos salários na renda nacional, que conheceu um pico de 50% no final da década de 1950 chegou a 35,2% em 1995 e caiu constantemente até o piso de 30,8% em 2004, conhecendo uma lenta recuperação, alcançando 34% em 2010, segundo dados do IPEA.

19. No entanto, a grande política de transferência de renda continuou sendo representada pelas altas taxas de juros, que nunca baixaram de um patamar real de 6% ao ano (isto é, descontada a inflação). Em 2011, a elevação da taxa selic para 12% resultará em uma transferência de cerca de R$ 235 bilhões dos cofres públicos para os detentores de títulos da dívida, o que equivale a pouco mais de 40% do orçamento público federal. Em uma frase, se os pobres ganharam no governo Lula, é certo que os ricos ganharam muito mais.

20. Essa combinação – juros elevados, expansão creditícia, salário mínimo e políticas focadas – literalmente "bombou" o crescimento econômico brasileiro, sem alterar profundamente a estrutura de classes no país. Lula concretizou uma espécie "capitalismo popular" que gerou folga nas contas públicas para alavancar políticas anticíclicas eficazes durante a crise internacional de 2008-9.

21. Com medidas de teor keynesiano – pesados investimentos em infraestrutura, elevação do poder de compra aos que têm propensão a gastar – aliadas à manutenção de altas taxas de juros e subsídios ao setor privado, o Estado brasileiro logrou impedir que a oferta de crédito no mercado interno fosse interrompida durante o período mais agudo da crise. Não apenas não houve penalização a nenhum setor do capital, como este recebeu subsídios importantes para não ser capturado pela maré montante das incertezas. Não houve aqui também uma penalização dos trabalhadores. Os níveis reais de salário e de emprego se mantiveram, com poucas oscilações.

22. Frisa-se aqui o que está subjacente a estas linhas: todas as iniciativas de Lula em momento algum o colocaram em rota de colisão com as forças de mercado. Ao contrário.

23. O governo Dilma tem se mostrado mais realista que o próprio governo Lula em sua adesão aos mercados como eles são. Trata-se de um passo à frente, que consolida diretrizes anteriores e que, tudo indica, repactua as relações entre as classes sociais no Brasil. Trata-se de algo estrutural, como não se via no país desde o primeiro governo Vargas (1930-45).

24. Getúlio Vargas conseguiu empreender um grande acordo, mudando as relações de produção e as relações sociais, modernizando o parque produtivo, utilizando a política fiscal para investimentos em infraestrutura que davam suporte à industrialização e concedendo leis trabalhistas ao crescente operariado urbano. Logrou fazer isso sem tocar na propriedade da terra e conformando sob suas bases dois partidos aparentemente antagônicos, o PSD (representante dos grandes latifundiários e industriais e o PTB, vocalizando os anseios dos trabalhadores). Elemento fundamental para a concretização desse pacto, que duraria até 1964, foi a dura repressão à esquerda comunista. Assim, o pacto getulista teve duas vias, a política e a econômica, que se materializou em novas relações entre as classes sociais.

25. É bem possível que estejamos assistindo a uma nova pactuação desse tipo em nosso país. O governo não é apenas petista (agremiação que representa as massas assalariadas em sua essência), mas também do PMDB (amálgama partidário a agrupar diversas facções do capital). As bases foram cimentadas por Lula, especialmente durante a crise de poucos anos atrás e conhecem sua arte final na gestão de Dilma Rousseff. Suas bases – repetimos – são altas taxas de juros a remunerar o capital (além de subsídios de várias ordens) e aumentos do salário mínimo e políticas sociais focadas para os trabalhadores.

26. Uma diferença salta à vista. Enquanto Getulio integrou os trabalhadores ao modelo desenvolvimentista através da concessão de direitos trabalhistas, Lula realiza movimentação semelhante através de aumentos salariais, expansão do crédito e iniciativas focadas, que aumentam o poder de compra dos pobres. Em síntese, a integração atual se faz via mercado.

27. No caso de Dilma, a consolidação do acordo passa também pela política. O traço mais significativo nesse quesito foi talvez a visita da Presidenta à comemoração dos 90 anos da Folha de S. Paulo, logo em seu primeiro mês de mandato. Ali, a mandatária tratou de tecer loas ao conceito liberal de liberdade de imprensa – isto é, ao de liberdade de empresa – elidindo qualquer veleidade de controle social da mídia, como foi insistentemente debatido na Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), em dezembro de 2009.

28. Os sinais mais significativos das tendências da nova gestão foram o anúncio dos cortes orçamentários de R$ 50 bilhões para que fosse cumprida a inédita marca de 3,3% do PIB de superávit primário, as seguidas elevações das taxas básicas de juros pelo Banco Central, o giro da política externa em favor de um maior alinhamento com os EUA, as estreitas ligações do Ministério da Cultura com entidades privadas, o anúncio da privatização dos aeroportos mais rentáveis do país, entre outras iniciativas. Digna de nota foi a adesão de Jorge Gerdau Johanpeter, um dos maiores empresários brasileiros e beneficiário das privatizações dos anos 1990, ao governo, com função no Palácio.

29. Embora não haja uma radical mudança em relação ao segundo governo Lula, os primeiros meses da gestão Dilma acentuam características pró-mercado que ficaram em segundo plano de 2007 a 2010, especialmente no período da crise. Ao mesmo tempo, saem de cena aspectos que poderiam sedimentar uma política mais progressista e democrática. Alguns casos são significativos.

30. A política externa de Lula, por exemplo, representou inegáveis avanços democráticos ao não se subordinar claramente à casa Branca. Episódios dignos de nota foram os comportamentos do Itamaraty durante o golpe de Estado em Honduras, as negociações com o Irã no que toca ao seu programa nuclear e o reconhecimento da necessidade de um Estado palestino. Pautado pela ampliação de parcerias comerciais, o Brasil fortaleceu o Mercosul, investiu fortemente na criação da Unasul, organização continental sem a presença dos EUA e não se somou à direita brasileira em contenciosos com a Bolívia e Paraguai nas disputas energéticas. A diplomacia capitaneada por Celso Amorim ganhou com isso a antipatia frontal dos grandes meios de comunicação.

31. Outra alteração notável se verifica na questão da regulação da mídia. No apagar das luzes da administração anterior, o ministro da Secom (Secretaria de Comunicação da Presidência da República), Franklin Martins, esboçou um projeto para o setor. Até agora não se sabe que destino terá a proposta.

32. Aliás, no quesito Comunicação, apesar de críticas vocalizadas pelo Presidente Lula durante o segundo mandato, poucos foram os avanços. As diretrizes da I Confecom até agora não entraram no debate institucional. A esse respeito vale ler o texto "Política de Comunicações: o balanço dos governos Lula", de Venício Lima, ex-professor da UnB e especialista no tema. Em uma longa avaliação, Lima afirma: "Não houve qualquer alteração fundamental no quadro de concentração da propriedade da mídia no Brasil entre 2003 e 2010".

33. A esta altura, vale perguntar: qual é o projeto do governo? Seguramente não é mais um projeto projeto democrático e popular, denominação que caiu em desuso nos últimos anos, apesar de ter marcado o desenvolvimento do PT por mais de uma década.

34. O programa do segundo mandato foi inspirado no projeto "Esperança e mudança", do PMDB, lançado em 1982 e que contou com a colaboração dos chamados desenvolvimentistas da época, como Carlos Lessa, Luciano Coutinho, Maria da Conceição Tavares, José Serra, Luis Carlos Mendonça de Barros, entre outros. Caudatário das teses da Comissão Econômica para a América Latina (Cepal), aquele texto tinha um viés fortemente nacionalista e estatizante, definindo, por exemplo, todas as riquezas do subsolo à esfera estatal, além de se pautar por temas como prioridade às empresas nacionais, reforma agrária, combate à financeirização da economia, entre outros tópicos. Era um programa avançado, que balizou o partido na elaboração da Constituição de 1988 e que se pautava pela existência de uma burguesia nacional, tese polêmica na ciência política.

35. O projeto empreendido pelo PT no governo é muito menos ousado e tímido e foi conhecendo nuances através do tempo. Mas no segundo mandato de Lula podem-se reconhecer várias diretrizes do velho PMDB, muito mais do que formulações emanadas dos encontros e congressos petistas.

36. No entanto, o alargamento pragmático do petismo tornou tanto seu próprio programa quanto o receituário do PMDB de três décadas atrás apenas vagas lembranças. Há uma elasticidade no ideário governista pronto para acolher a todos. Uma matriz dessa natureza não é elaborada para realizar mudanças, mas para deixar a essência da estrutura social e política do país mais ou menos como está.

37. Vale um parêntesis. Quem empurrou o transformismo mais longe nesses tempos não foi o PT. Foi outro partido da base, o PCdoB. A adaptação do que seria um partido comunista à vida como ela, com sua adesão à administração municipal da cidade de São Paulo levou o presidente da sigla, Renato Rabelo, a dizer o seguinte em entrevista recente: "Não estamos indo para o lado do Kassab. O Kassab é que está vindo para o lado de cá" (). A realpolitik faz milagres…

38. Alguns setores próximos ao governo argumentam que a oposição está se dissolvendo por não ter entendido as mudanças ocorridas no país com os governos Lula e Dilma. A tese ainda está para ser provada. Mas o certo é que tais setores estão migrando para a base do governo justamente por terem entendido o significado dos governos Lula e Dilma. Ou seja, entendem que a adesão é possível pela grande convergência de pontos de vista. O que parece estar se dissolvendo são as fronteiras políticas entre governo e oposição conservadora, que possibilita a entrada acelerada da velha direita na base oficial.

39. A erosão oposicionista tem um certo tom farsesco. Vários dirigentes abandonam suas hostes originais para buscarem abrigo na base do governo. É o caso exemplar do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, e da líder ruralista Katia Abreu.

40. Mudou o natal ou mudaram eles? Mudou o governo ou mudaram eles? Ao que tudo indica e ao contrário dos prognósticos de Renato Rabelo, Kassab continua a fazer em São Paulo a mesma administração elitista, voltada para os setores mais ricos da cidade e Katia Abreu não abriu mão de sua defesa do latifúndio e de sua ojeriza pelo MST. Como quem tem dinheiro não o queima, Kassab e Abreu buscam abrigo entre aqueles que podem também representar seus interesses.

41. De certa maneira, o mote lançado por Gilberto Kassab para seu PSD parece ter contaminado o ideário político nacional: não é de esquerda, nem de direita e nem de centro. Ou seja, porta aberta para todos os que buscam negar peremptoriamente que tem lado nas disputas políticas da sociedade. Não por acaso, quase sempre são de direita.

42. O novo pacto de classes gestado em Brasília e que conforma setores aparentemente antagônicos pode ter vida longa. Cabe tentar vislumbrar seus limites e possibilidades. Ou seja, que tipo de mudanças tal coalizão pode realizar no país?



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terça-feira, 17 de maio de 2011

Impostos para os pobres, isenções para os ricos

Tributação e distribuição da riqueza  

 
Por Hideyo Saito, no sítio Carta Maior:

Pesquisa recentemente divulgada pela imprensa indicou que a elevada carga tributária no Brasil é considerada, pelo eleitor de baixa renda, como o maior obstáculo para que ele possa consumir mais. Segundo matéria de O Estado de S. Paulo, 67% de entrevistados desse universo, com renda familiar de até R$ 465, "dizem preferir um presidente que reduza os impostos dos alimentos para que se compre comida mais barata a um que aumente o Bolsa-Família" (1). Ainda de acordo com o jornal, esses entrevistados concordam que o "melhor para a população pobre é que o governo reduza impostos e tenha menos funcionários, com isso o preço dos produtos cai".

O enfoque reafirma o tratamento costumeiramente dado pela mídia a esse tema, sintetizado na insistente denúncia de que a carga tributária suportada pelos brasileiros em geral é excessiva. Já a ideia de que é melhor pagar menos imposto, mesmo à custa de enxugar o setor público e reduzir despesas sociais parece reviver a mais autêntica cartilha neoliberal. O problema é que a pesquisa não submeteu aos entrevistados as hipóteses mais evidentes, que coincidentemente são o verdadeiro "x" da questão.

Carga elevada para pobre

A carga tributária brasileira é, de fato, excessiva para a população mais pobre. Recente estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), intitulado "Pobreza, desigualdade e políticas públicas", concluiu que o sistema tributário brasileiro é um dos maiores obstáculos ao fim da miséria no país (2). De acordo com o levantamento, quem ganha até dois salários mínimos (R$ 1.020) compromete 48,9% de sua receita com impostos, enquanto os que recebem mais de 30 mínimos (R$ 15.300) sofrem uma carga de apenas 26,3%. Para o Ipea, a carga das pessoas que estão na base da pirâmide teria de cair cerca de 86% para se igualar à das camadas do topo.

Um estudo divulgado em julho de 2009 pela Receita Federal ("Carga tributária no Brasil 2008 – Análise por tributo e bases de incidência") (3) havia chegado às mesmas conclusões. Revelou que os tributos representaram 35,8% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2008, uma proporção nem tão alta assim, como sustenta a campanha a que nos referimos no início deste artigo. Comparada com a de 28 países-membros da OCDE (dados de 2007), a carga brasileira ocupava apenas o 20º lugar.

O problema real no Brasil, como apontado pelo Ipea, é que a tributação de bens e serviços representa 48,44% do total da carga, enquanto os impostos sobre a renda e o patrimônio correspondem a somente 23,63% (destes, os tributos sobre o patrimônio chegam a 3,18%). A exagerada importância dos primeiros, chamados de impostos indiretos, em detrimento dos últimos, que são os impostos diretos, faz com que o sistema tributário brasileiro seja marcadamente regressivo, isto é, atinja proporcionalmente mais aos pobres, ao contrário do que acontece nos países desenvolvidos.

Paraíso fiscal para o capital e o patrimônio

Enquanto a tributação sobre a renda corresponde a 19% da carga tributária total no Brasil, a média nos países da OCDE chega a 35,7% (ou seja, 88% maior). A arrecadação sobre a propriedade, que no Brasil equivale a 3% da receita total, chega à média de 5,7% na OCDE (90% a mais). Em contrapartida, os tributos sobre bens e serviços, que representam 48% do total no Brasil, mal alcançam 31,5% naqueles países (menos de dois terços). Estes últimos, que podem ser exemplificados pelo IPI e o ICMS, são embutidos nos preços das mercadorias. Como as pessoas mais pobres comprometem a maior parte – se não a totalidade – de sua renda no consumo, elas acabam pagando proporcionalmente mais imposto do que aqueles que têm folga no orçamento. Isto é, quanto mais pobre, mais imposto; quanto mais rico, menos imposto.

Mesmo um estudo de 2003 do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), cujos levantamentos posteriores passaram a ser usados nas campanhas conservadoras já citadas, não escapou de conclusão semelhante à da Receita Federal (4). Tanto que, ao divulgar os resultados, o diretor da entidade, Gilberto Luiz do Amaral, reconheceu: "Aqueles que sobrevivem do seu trabalho sofrem uma tributação de primeiro mundo. Já os que sobrevivem do capital e do patrimônio estão sujeitos a uma carga tributária de paraíso fiscal. Por isso, em nosso país é melhor especular do que produzir ou trabalhar. Essa é uma das razões que explicam o pífio crescimento e a alta concentração de renda que padecemos".

A primeira tentativa de mudança do governo Lula

O diretor do Ipea, Marcio Pochmann, falando sobre o estudo da entidade, sintetizou a situação com as seguintes palavras: "Está em andamento no país um programa de distribuição de renda, mas faltam os de redistribuição da riqueza, entre os quais um sistema tributário progressivo". A agenda transformadora, contudo, enfrenta poderosos inimigos no país. Um dos dois primeiros projetos enviados ao Congresso Nacional pelo presidente Luis Inácio Lula da Silva, no início de 2003 – a proposta da Emenda Constitucional n.º 42/2003 – tratava, precisamente, do sistema tributário.

Entre outras medidas, a proposta previa a inclusão, na Constituição Federal, do princípio da progressividade dos tributos sobre o patrimônio: Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), Imposto sobre Transmissão "Causa Mortis" e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITCMD), Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), Imposto sobre a Propriedade Territorial Urbana (IPTU) e Imposto Territorial Rural (ITR).

O projeto suprimia ainda a exigência de lei complementar para a instituição do Imposto Sobre Grandes Fortunas. Pretendia, finalmente, deixar explícita a incidência de IPVA sobre embarcações (iates, veleiros) e aeronaves (helicópteros e aviões particulares em geral, dos quais o Brasil é detentor da segunda maior frota mundial). A cobrança sobre essas espécies de veículos automotores sempre enfrentou forte reação, resultando em uma situação que escancara o real caráter do sistema tributário vigente: propriedades como carros são tributadas pelo IPVA, enquanto jatos e iates particulares, exclusividade das camadas mais privilegiadas, ficam a salvo de sua incidência.

Não foi diferente nessa primeira tentativa do governo Lula de mexer nesse vespeiro: rigorosamente todas as propostas de alteração dos impostos diretos foram derrubadas pelos setores conservadores (PSDB e DEM, notadamente) ainda nas comissões temáticas, nem chegando ao plenário da Câmara dos Deputados. As também anunciadas alterações das alíquotas de outro tributo direto, o Imposto de Renda, para torná-lo mais progressivo, nem chegaram a ser apresentadas pelo governo após essa contundente reação conservadora.

O mesmo destino teve o projeto de lei que instituiria a Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual (Ancinave), enviada ao Congresso no segundo semestre de 2004. Além de seu conteúdo regulador, ele embutia um tributo sobre o faturamento publicitário das empresas de telecomunicações (rádio e televisão) e o das companhias distribuidoras de cinema. Nesse particular, retirava um privilégio tributário exclusivo desses setores, pois a indústria arca com a incidência do IPI, o comércio, com o ICMS, e até o setor financeiro tem o seu Imposto sobre Operações Financeiras. São tributos que recaem, de alguma forma, sobre os resultados de operações típicas de cada setor, representados pela receita publicitária no caso do segmento de rádio e televisão.

Milionários declaram renda de classe média ao fisco

O comportamento das classes dominantes no Brasil, que certamente está na raiz da extrema concentração de renda e de riqueza no país, já foi exposto sob os mais diferentes ângulos. No campo dos tributos, um estudo da Receita Federal, de 1994, revelou que 460 brasileiros, detentores de patrimônios reconhecidos que vão de US$ 19 milhões a US$ 764 milhões, declararam rendimentos comparáveis aos de um assalariado de classe média (5). O estudo denunciou: "(...) As pessoas mais ricas do Brasil, em geral, consideram-se fora do raio de atuação da Receita Federal e chegam mesmo a desafiá-la acintosamente com os números apresentados nas suas declarações".

A reação de pessoas da alta sociedade, entidades empresariais, setores da imprensa e do meio político, a uma operação realizada em julho de 2005 pela Receita Federal e pela Polícia Federal no shopping de luxo Daslu, em São Paulo, mostrou-se perfeitamente sintonizada com esse espírito. Os proprietários do estabelecimento e seu contador foram detidos para explicar fortes indícios de um esquema de sonegação de tributos, valendo-se de falsificação de documentos, subfaturamento de importação e uso de empresas-laranja. As pessoas mencionadas repudiaram a fiscalização – e não o grave crime de sonegação imputado à empresa! (6)

De acordo ainda com a Receita Federal, os setores de maior renda recorrem ao chamado "planejamento tributário" (utilização de brechas reais ou forçadas da legislação para pagar menos imposto), à contestação judicial ou à sonegação pura e simples para fugir de suas obrigações tributárias. Tantos são os percalços que a história da tributação no Brasil pode ser chamada, mais apropriadamente, de história das restrições ao poder de tributar.

O zelo pelo sigilo bancário e fiscal

É sintomático que apenas a partir de 2001 a Receita Federal tenha podido utilizar dados obtidos graças à CPMF (Contribuição Provisória Sobre a Movimentação Financeira) para a fiscalização do Imposto de Renda (7). Também não surpreenderam as críticas ao então ministro da Fazenda, Antonio Palocci, quando autorizou, em novembro de 2004, o acesso da Procuradoria da Fazenda Nacional ao banco de dados da Receita Federal, com o objetivo de melhorar suas condições para cobrar a dívida ativa (imposto não pago, cuja existência já foi admitida judicialmente ou não foi contestada pelo interessado).

Tributaristas, consultores de empresas e imprensa elevaram a voz, declarando-se alarmados pela suposta quebra de sigilo que a iniciativa poderia representar. O Estado de S. Paulo, em editorial, chegou a evocar o romance 1984, de George Orwell, para denunciar a "visão totalitária" que estaria por trás das concepções manifestadas no parecer oficial que fundamentou a flexibilização do segredo (8).

A dificuldade de acesso de órgãos da fiscalização a informações tidas como sigilosas é uma das mais diretas conseqüências da mentalidade da classe dominante brasileira, acima esboçada. O jurista Piero Luigi Vigna, chefe da Procuradoria Nacional Antimáfia da Itália, em declaração à imprensa, em setembro de 2004, foi explícito nesse sentido, ao declarar que o Brasil está na contramão da história e perderá a guerra contra o crime organizado se não abolir a lei do sigilo bancário, que definiu como fonte de impunidade (9).

Não por acaso, esse instituto foi praticamente eliminado, para efeito de fiscalização, em quase todos os países europeus, assim como nos Estados Unidos, no Japão e na Austrália. Na Alemanha, começou a vigorar em abril de 2005 a chamada Lei de Encorajamento da Honestidade Fiscal, que deu a todo órgão público de fiscalização acesso irrestrito a qualquer conta bancária, inclusive de entidades de seguro social e caixas de pensão, via internet (10).

A eterna gritaria dos setores dominantes contra a elevada carga tributária no Brasil tem o objetivo, sobretudo, de manter pressão permanente sobre a máquina estatal para que ninguém se aventure a querer introduzir alterações substanciais no sistema de impostos. Da perspectiva dos setores progressistas, contudo, além de uma reforma tributária que corrija profundamente as distorções apontadas, é urgente restaurar a plena soberania do Estado nesse campo, ameaçada, por um lado, pela falência dos instrumentos e formas de ação dos órgãos de fiscalização e, por outro, pela ousadia e sofisticação cada vez maior da sonegação organizada.

É uma tarefa que a Receita Federal e outros órgãos de fiscalização já começaram a assumir, mas que só poderá ter consequência maior a partir da mobilização social em torno do assunto. Só assim será possível assegurar a existência de uma política tributária imune aos interesses excludentes das camadas mais ricas da sociedade, passo necessário para a execução de um verdadeiro programa de redistribuição da riqueza no país.


Walter -- EngaJarte-blog

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