quinta-feira, 21 de abril de 2011

A Líbia e a OTAN, Questão de Classe

Qual o sentido do grande jogo da política internacional que se desenrola na Líbia hoje?
Considerando as grandes forças envolvidas, pois é disto que se trata: EUA mais Europa Ocidental agindo em conjunto, conseguiram o apoio do Conselho de Segurança da ONU para atacar um país em guerra civil.
Violando a acarta das Nações Unidas estas forças tomaram parte contra o governo constituído da Líbia e em benefício de uma facção rebelde tribal que partiu para a luta armada para derrubar o governo.
Mas são nos detalhes que as coisas aparecem, neste caso o protagonismo foi cedido pelos EUA aos seus parceiros Europeus.  E o instrumento para as ações militares ofensivas é a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), esta é a grande relevância do processo.
Consolida-se assim a decisão americana de compartilhar com os países europeus o ônus e o bônus de ações militares expansionistas contra os demais países que se encontram fora de seu sistema. No formato da OTAN as forças dos EUA e Europa se multiplicam.
Os EUA tem 300 milhões de habitantes, a Europa mais 300 milhões, a soma de seu poder econômico e sua indústria militar forma um polo de poder sem rival. Esta força combinada já atuou para o desmembramento da Iugoslávia, tomou conjuntamente o Afeganistão, participou parcialmente da conquista do Iraque e agora vai pra cima da Líbia.
O sistema OTAN de EUA mais Europa tem interesses imperiais convergentes, seu aparato econômico e militar é integrado, sua capacidade de influência sobre o resto do mundo é marcante, inclusive na mídia e no jornalismo.
As empresas de comunicação e os noticiários no nosso país e do resto do mundo repetem e repercutem as diretrizes que emanam do centro imperial do norte, facilitando a disseminação das justificativas para as suas intervenções militares. Assim ocorreu em todas as guerras citadas e agora o enredo se repete, com a demonização do Kadafi (tarefa fácil, aliás).
O foco da OTAN, sempre liderado pelos EUA, é manter o controle da periferia, expandir seu sistema e confrontar com as potências emergentes – os BRICS, aí estamos nós e mesmo os países mais fortes com direito a veto no Conselho de Segurança da ONU (China e Rússia), poucas vezes tem se mantido firmes ante ao avanço militar da OTAN contra os países independentes .
Vamos buscar compreender o processo histórico da guerra contra Líbia:
No regime de Kadafi, desenvolveu-se uma economia nacionalizada, com o maior IDH da África e a manutenção do sistema tribal tradicional do país.
O sistema Líbio também é caracterizado pela estatização do controle do petróleo, assim 90% dos benefícios da exploração deste recurso ficam na Líbia, é esta a equação que a OTAN quer mudar.
Outra diferença do regime Líbio é que o Banco Central e as finanças do país são públicas não se permite o circuito especulativo privado, o governo financia a infraestrutura e a economia com empréstimos sem juros.
Kadafi era tratado como um pária, mas as pressões aumentaram em 2003 com a invasão e conquista do Iraque, seguida pela manifestação clara dos EUA de que a Líbia era um dos próximos da lista.
Então, em 2004 Kadafi fez sua conversão, vendeu sua alma para o sistema econômico ocidental e se abraçou ao mesmo capitalismo mafioso implantado na Argentina de Menem, na Rússia de Yeltsin e no Brasil de Collor/FHC. Com privatizações criminosas ou suspeitas para grupos escolhidos, desnacionalização e facilitação dos negócios de petróleo aos europeus e americanos e o estabelecimento de cartéis privados.
 E similar a todos os países que seguiram estas receitas a Líbia chegou aos mesmos resultados: alguma dinâmica econômica no curto prazo, concentração de rendas e propriedades, aumento do desemprego, desagregação social  e distúrbios sociais graves. Até aí tudo dentro do previsto.
Os países europeus e os EUA receberam enormes investimentos de fundos líbios, e adquiriram  vários negócios na Líbia, Kadafi se integrou ao sistema,  inclusive politicamente, vide o financiamento ilegal da campanha eleitoral do Sarkozy (segundo o filho de Kadafi, que prometeu provar o financiamento com documentos) e foi  recebido com deferência em todos os países que hoje o atacam.
De uma hora para outra, os países da OTAN agora apoiam política e militarmente uma tribo contrária, querem uma mudança de regime, estão descartando o querido Kadafi e seus negócios. Mas o que aconteceu agora?
Uma decisão do governo Líbio foi o ponto de virada, a criação de uma moeda para transações internacionais para a África o Dinar-OURO, além de manter seu Banco Central público e suas reservas em ouro, e não em títulos da dívida americana-europeia ou dólares-euros.
É aí que está o sentido do processo, Kadafi nunca teve a real confiança do sistema, aliás, ninguém acredita em conversão total: Negociou-se com ele enquanto não tinham outra opção na mão.
Agora construiu-se a opção e que desde o início foi armada e violenta, não importa, e que fique claro que os revoltosos jamais teriam o apoio tão intenso e imediato se já não fossem grupos previamente associados aos europeus.
Esta é a grande lição para os partidos e organizações de esquerda, o PT inclusive. Não importa a quantidade de benefícios que sejam dados ou prometidos para a elite capitalista nacional ou estrangeira, o sentimento de desconfiança, rejeição profunda, preconceito e principalmente a visão de classe não mudam.
Kadafi deu tudo, agora querem seu pescoço para passar uma corda, querem seu país inteiro, sem intermediários, querem colocar no trono líbio um de seus pares, de preferência da antiga realeza líbia da tribo de Bengazi.
No jogo nunca importou se Kadafi é bom ou ruim, se fez certo ou errado, como vemos nos países vizinhos a Líbia, se o ditador é aceito no clube da elite euro-americana, pode tudo e tem apoio integral.
A moral da história é de que quem se criou na esquerda ou já foi pária, pode até trair seus valores, e vender seus princípios ou seu país, ainda assim jamais terá a confiança de um filho da aristocracia.


--
EngaJarte-blog

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Base Social e Poder: Relações entre Classes Sociais, Disputa de Poder e Objetivos Estratégicos

"A política é o campo de batalha onde diferentes bases sociais se enfrentam e pelo poder de definir a direção da...