Quando o primeiro clarão rompeu a eternidade imóvel, o mundo era apenas poeira e esquecimento.
A história parecia adormecida, mas no ventre do concreto germinava a centelha
da mudança.
Dos confins da Terra Velha ergueu-se a Classe Errante, fragmentos dispersos de
um sonho ainda sem nome.
O Portador
da Negação, voz de vento e relâmpago, ensinou a primeira lei da travessia: um
passo atrás, dois para avançar.
Sabiam que o caminho não se desenha na linha reta dos covardes, mas na espiral
ascendente dos que desafiam o próprio tempo.
Cada gesto
exigia ser forte na luta, cada pensamento carregava o peso e a luz dos valores
que resistem sob o ferro da história.
Ressentimento e passividade não são apenas palavras, mas sementes endurecidas
pelo frio da servidão.
Marchavam
sob a fúria dos desertos, onde utopias fantasias se erguiam como miragens.
Atravessavam aparições de glórias fáceis, rostos sem rosto e promessas que
evaporavam ao toque da vida real.
O tempo,
capataz e escultor, não cessava seu golpe.
Cada queda, cada renúncia, cada insurreição era um elo da corrente da negação
da negação — destruir para criar, negar para afirmar, morrer para renascer mais
forte.
Não
buscavam a unidade morta dos servos, mas a viva e consciente una total idade,
onde cada um fosse parte e potência de um corpo que se move inteiro.
Sabiam que
fora do poder tudo é ilusão e toda ilusão é poder de sedução.
E que os símbolos não salvam: o fetiche de bandeiras e palavras não substitui o
ferro do trabalho consciente.
No centro
da marcha, ergueu-se o Senhor da Conquista, avatar da vontade coletiva, que
proclamava:
— Trabalho
é vida!
— Do trabalho nasce a classe. E do trabalho a classe faz seu destino
— Da classe, a potência de transformar o mundo!
Pela vontade
fazer o chão tremer — a classe em ação se movia como maré crescente,
avassaladora.
Não como engrenagem, mas como artífice da própria liberdade.
E cada
embate, cada reorganização nas trincheiras do real, compunha o drama da
mudança, com sua beleza trágica e sua força criadora.
A luta
exigia também resistir aos venenos internos.
O oportunista do poder, travestido de aliado, semeava a dúvida.
O esquerdismo pueril, filho de ilusões e da vaidade, golpeava o próprio chão.
A sombra do
último homem espreitava: o egóico fragmentado, incapaz de pertencer sem
anular-se, incapaz de ser mais do que si mesmo.
Era preciso
forjar um novo pertencimento, onde a vontade seja a chama comum, onde o ser singular encontrasse
eco na coletividade motivada.
Sob os
golpes do tempo, erguíamos estruturas idealizantes, ideias estruturantes,
pontes lançadas sobre abismos ainda sem nome.
Cada avanço
era uma transformação a desvendar, e cada vitória, um anúncio provisório: ainda
havia mais a construir, mais a negar, mais a superar.
A meta do
embate era clara: dobrar a história, vencer não só no sonho, mas no concreto.
Respirávamos
o insenso incomum da luta, aquele que embriaga com lucidez, que ensina a dançar
com as tempestades.
E sabíamos
quem era o inimigo maior: o Capital, criatura de mil faces, alimentada pelas
promessas que nunca se cumprem.
O Capital
travestia-se de Estado e Capital, irmãos siameses que acorrentavam corpos e
pensamentos.
Prometia
pertencimento, mas distribuía solidão; ofertava segurança, mas semeava medo.
Soprava reais ameaças imaginárias, semeando fantasmas para paralisar corações.
A cada
passo, a escolha era brutal: em ação ou em distração.
O tempo não perdoa os adormecidos.
Edificamos
então uma base estratégica, fundação invisível que resistiria ao vendaval.
Pois sabíamos que vem fácil, vai fácil, e que só o que é cravado na carne do
real perdura além do instante.
Travávamos
a batalha nos campos cruzados do trabalho e do Estado, onde cada centelha de
consciência era uma conquista.
Classe e
consciência marchavam juntas, unidas na dor e na esperança.
Desmascarávamos
a máscara da política, rasgávamos o véu das falsas promessas, recusávamos a
servidão dourada.
E foi no
fogo do embate que o revolucionário em ação se ergueu — não como herói isolado,
mas como expressão viva da vontade coletiva.
Marchava
porque entendia que o destino à política amarra, mas que a política só vale se
for arrancada do ventre ardente da classe em movimento.
O tempo na
ampulheta virava, e cada grão era um passo conquistado.
Compreendíamos
que a parte e o todo não se excluem: se constroem, se negam, se superam.
Era
necessário dobrar o concreto.
Era necessário agir.
Era necessário vencer.
E assim
marchávamos, não pela glória vazia, nem pela promessa de um messias, mas pela
certeza de que só a ousadia escreve a história.
Marchávamos,
e ainda marchamos.
Marcharíamos mesmo que o céu se fechasse e a terra tremesse.
Pois sabíamos, no fundo dos ossos e dos sonhos:
o impossível pertence àqueles que ousam negá-lo.
Este conto
agrega o conteúdo do livro “Engajarte – Uma Poesia na Mão para Fazer a Revolução”,
disponível no link.