domingo, 25 de maio de 2025

Cultura Revolucionária para a Classe Trabalhadora

 Por Walter Azevedo

A cultura de um povo se constrói como resultado de múltiplas influências em um processo histórico que tem a complexidade da vida em um fluxo dialético de afirmações e negações que e se consolida por aquilo que por fim se estabelece no concreto pelas relações de força imanentes a sociedade e nunca cessa de gerar coisas novas e reforçar as coisas antigas, a dinâmica da transformação é o que permanece.


O conjunto de fatores incidentes no processo cultural está sujeita a determinações que existem e também são dinâmicas, a hierarquia das influências são levantadas e ultrapassadas, rebaixadas e supra sumidas. O reforço dos valores e práticas culturais é algo presente, assim como o novo ou sui generis sempre surge restabelecendo inovações e vanguardas revolucionárias.

Os embates intestinos na cultura de uma sociedade não permitem garantir a resultante nas artes ou nos processos histórico e políticos, as determinações existem, assim como a possibilidade do novo, do inusitado e da inovação.

A história é determinada pelas classes sociais, seus enfrentamentos e suas dominâncias e tudo isto se reflete na cultura da sociedade, na sua produção artística, nos gostos, na produção literária, nas artes visuais, na música e na cultura do dia a dia das pessoas e comunidades. Esta determinação constrói um senso comum cultural que é repetido e percebido como algo natural e tomado como um gosto, opção ou práticas normais e correntes.

O desenvolvimento do sistema do capital há tempo já chegou ao estágio de internacionalização, é o imperialismo como fase superior do capitalismo na definição de Lênin, o que traz novas determinações, as necessidades do movimento do capital a nível global conduzem a um cenário onde os fluxos culturais refletem a força destes capitais, com a internacionalização da cultura com base na cultura dos países centrais do capitalismo e sua classe dominante.

A cultura é e vai continuar sendo a resultante de diversas influências e ao fim e ao cabo acaba por se estabelecer no concreto das sociedades, e assim o que importa é a cultura realmente existente, aquilo que se tornou prática cultural nas massas, nas comunidades e nos nichos, a cultura é uma relação social, dinâmica, que determina e é determinada pelas condições históricas objetivas.

Ao fim pouco importa as influências que construíram a cultura de massas, a cultura dominante ou o senso comum cultural, pois, isto é, apena uma explicação de um processo passado, o novo sempre está no devir, o relevante é qual a transformação que queremos realizar, qual a influência que cabe a classe trabalhadora construir, fomentar, desenvolver e tornar realidade material ao se disseminar pelas massas.

A tentativa de identificar o que seria uma cultura verdadeira, ou nacional, proletária ou de raiz não passa de um idealismo e um movimento de identitarismo cultural, que não vem mais do que reforçar o senso comum de um bucolismo idílico onde o que um dia brotou na sociedade, refletindo as influências de sua época, seria algo de um caráter e qualidades superiores e estas práticas conduziriam a um novo tipo de consciência e de valorização da nacionalidade ou de alguma qualidade ou experiência necessária.

Bem a história demonstra o contrário, pois estas práticas, mesmo dominantes no passado, não produziram mais que reforçar o senso comum, a prática política dominante e a manutenção das estruturas de poder de classe onde estas práticas culturais se desenvolveram. E ainda que elementos de revolta ou crítica tenham existido, estes mesmos foram absorvidos e incorporados ao sistema. O nacionalismo e o liberalismo burguês estão amarrados a um idealismo conservador e compõe o liberalismo de esquerda, uma atitude subordinada

Já em 1902 Lênin já apontou as limitações do espontaneísmo da classe trabalhadora em ir adiante do senso comum das pequenas melhorias e a evolução de sua vida. Valorizar o espontâneo, ainda que nacional ou popular, não traz por si um avanço, tende a reforçar o senso comum sob hegemonia da classe dominante. Do meio do povo podem surgir forças e manifestações de revolta, de crítica e de confronto à ordem dominante, o que, aliás sempre acontece, este é um processo corriqueiro, mas a passagem qualitativa deste para um movimento contra a ordem de cunho classista revolucionário não surge como decorrência do espontâneo cultural.

O caldo de cultura popular pode ser um componente de um processo revolucionário, mas isto depende de um acumulado de manifestações, sejam espontâneas sejam fomentadas que devem ser consolidadas por uma ação de cunho tático e estratégico consciente e ativo de um organismo de classe que tenha objetivo de transformação revolucionária.

Importante entender o papel da indústria cultural como uma das operações do sistema do capital onde se estabelecem empresas que operam no mercado das demandas e necessidades culturais da sociedade. Esta indústria cultural é o principal meio de geração e disseminação cultural, alcança todos os tipos e setores, desde o literário, musical, vídeos, etc.

A indústria cultural capitalista é por onde flui a cultura dentro do sistema do capital em sua fase imperialista, opera fornecendo a massa da população os produtos e serviços da cultura, empregam milhares de trabalhadores e produtores de cultura e viabilizam os artistas a promover e disseminar sua arte para o seu público. A indústria cultural cumpre também o papel de produção/circulação ou de forças produtivas sociais essenciais, Marx chamou de meios de produção espiritual.

A classe empresarial da cultura opera este negócio como qualquer outro, tanto no aspecto econômico quanto no âmbito da política, onde o negócio tem que prover a reprodução do capital quanto servir como suporte político do sistema, constituindo-se em um instrumento de hegemonia cultural classista.

Dentro de todo este contexto fica vazio de significado o conceito de liberdade do artista ou do autor, a montanha de influências ostensivas ou subliminares que perpassam todo o ambiente de produção cultural, além das necessidades materiais objetivas dos autores, produtores, profissionais envolvidos e negócios amarrados em uma grande teia de relações sociais relegam uma pretensa liberdade autoral ao reino do idealismo, é um desejo infantil.

A formulação da existência ou necessidade de liberdade autoral é fruto de uma ideologia específica, o liberalismo burguês, base do pensamento da classe do capital que proclama a liberdade e opera de forma sistemática e direcionada toda a indústria cultural e os demais instrumentos culturais do Estado, das escolas, das igrejas dos meios de comunicação e do que mais houver.

 

A dialética concreta entre a classe trabalhadora que produz e consome cultura e a classe do capital que é proprietária da indústria cultural. A classe dominante seleciona, impulsiona, dissemina o que mais lhe convêm do ponto de vista comercial, cultural e político e bloqueia, oculta, inviabiliza e invisibiliza o que não lhe convêm.

A indústria cultural como meio de produção provê de um lado o ambiente e condições para autores e profissionais da cultura e de outro o acesso à cultura as massas. A disputa está ao nível de classe, qual a classe que tem o domínio sobre a sociedade e os meios de produção, a Revolução Brasileira é para enfrentar e vencer esta disputa sobre determinante acerca da cultura e todo o demais.

A decisão de fundo é eminentemente política e assim, realizar ataques ou críticas a milhões de pessoas da classe trabalhadora por seu gosto cultural legítimo e fruto de suas circunstâncias, de seu ambiente e de múltiplas influências, principalmente os mecanismos da classe dominante, é incongruente com o objetivo político de agregar a classe para perceber a si e passe a agir também para si mesma entrando em embate com o capital.

Para um partido da classe trabalhadora atingir objetivos de formação de consciência e identidade de classe, união de classe e ação classista, cabe uma ação cultural afirmativa que fomente, divulgue e multiplique elementos culturais que reforcem os valores revolucionários da classe trabalhadora, sua identidade, uma atitude de luta, de agregação de forças, da busca do novo, da solidariedade de classe, do espírito de disputa com o capital, enfim, apresentar a luta concreta da vida, seus dramas e nossa solução política, isto só é possível e efetivo se falar e sintonizar com questões reais da vida e o universo cultural do nosso público, a nossa classe trabalhadora.

Uma nova cultura surgirá com o estabelecimento de novas relações sociais que sejam alicerçadas em uma nova identidade, a identidade da classe do trabalho engajada no movimento de forças da vida.

 

ADORNO, Theodor W.; HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento: Fragmentos Filosóficos. Rio de Janeiro: Zahar, 1985.

ALTHUSSER, Louis. Ideologia e Aparelhos Ideológicos de Estado. 2. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1985.

Azevedo, Walter. Como vencer na grande política: Classes sociais e suas lutas. Curitiba: Appris, 2023.

LENIN, Vladimir I. O que Fazer? Problemas candentes de nosso movimento. São Paulo: Centauro, 2005.

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã. São Paulo: Boitempo, 2007.

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SÁNCHEZ VÁZQUEZ, Adolfo. Filosofia da Práxis. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.

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