Por Walter Azevedo
A cultura de um povo se constrói como resultado de múltiplas influências em um processo histórico que tem a complexidade da vida em um fluxo dialético de afirmações e negações que e se consolida por aquilo que por fim se estabelece no concreto pelas relações de força imanentes a sociedade e nunca cessa de gerar coisas novas e reforçar as coisas antigas, a dinâmica da transformação é o que permanece.
O
conjunto de fatores incidentes no processo cultural está sujeita a
determinações que existem e também são dinâmicas, a hierarquia das influências
são levantadas e ultrapassadas, rebaixadas e supra sumidas. O reforço dos
valores e práticas culturais é algo presente, assim como o novo ou sui generis
sempre surge restabelecendo inovações e vanguardas revolucionárias.
Os embates intestinos na cultura de uma
sociedade não permitem garantir a resultante nas artes ou nos processos
histórico e políticos, as determinações existem, assim como a possibilidade do
novo, do inusitado e da inovação.
A história é determinada pelas classes
sociais, seus enfrentamentos e suas dominâncias e tudo isto se reflete na
cultura da sociedade, na sua produção artística, nos gostos, na produção
literária, nas artes visuais, na música e na cultura do dia a dia das pessoas e
comunidades. Esta determinação constrói um senso comum cultural que é repetido
e percebido como algo natural e tomado como um gosto, opção ou práticas normais
e correntes.
O desenvolvimento do sistema do capital
há tempo já chegou ao estágio de internacionalização, é o imperialismo como
fase superior do capitalismo na definição de Lênin, o que traz novas
determinações, as necessidades do movimento do capital a nível global conduzem
a um cenário onde os fluxos culturais refletem a força destes capitais, com a
internacionalização da cultura com base na cultura dos países centrais do
capitalismo e sua classe dominante.
A cultura é e vai continuar sendo a
resultante de diversas influências e ao fim e ao cabo acaba por se estabelecer
no concreto das sociedades, e assim o que importa é a cultura realmente
existente, aquilo que se tornou prática cultural nas massas, nas comunidades e
nos nichos, a cultura é uma relação social, dinâmica, que determina e é
determinada pelas condições históricas objetivas.
Ao fim pouco importa as influências que
construíram a cultura de massas, a cultura dominante ou o senso comum cultural,
pois, isto é, apena uma explicação de um processo passado, o novo sempre está
no devir, o relevante é qual a transformação que queremos realizar, qual a
influência que cabe a classe trabalhadora construir, fomentar, desenvolver e
tornar realidade material ao se disseminar pelas massas.
A tentativa de identificar o que seria
uma cultura verdadeira, ou nacional, proletária ou de raiz não passa de um
idealismo e um movimento de identitarismo cultural, que não vem mais do que
reforçar o senso comum de um bucolismo idílico onde o que um dia brotou na
sociedade, refletindo as influências de sua época, seria algo de um caráter e
qualidades superiores e estas práticas conduziriam a um novo tipo de
consciência e de valorização da nacionalidade ou de alguma qualidade ou
experiência necessária.
Bem a história demonstra o contrário,
pois estas práticas, mesmo dominantes no passado, não produziram mais que
reforçar o senso comum, a prática política dominante e a manutenção das
estruturas de poder de classe onde estas práticas culturais se desenvolveram. E
ainda que elementos de revolta ou crítica tenham existido, estes mesmos foram
absorvidos e incorporados ao sistema. O nacionalismo e o liberalismo burguês
estão amarrados a um idealismo conservador e compõe o liberalismo de esquerda,
uma atitude subordinada
Já em 1902 Lênin já apontou as
limitações do espontaneísmo da classe trabalhadora em ir adiante do senso comum
das pequenas melhorias e a evolução de sua vida. Valorizar o espontâneo, ainda
que nacional ou popular, não traz por si um avanço, tende a reforçar o senso
comum sob hegemonia da classe dominante. Do meio do povo podem surgir forças e
manifestações de revolta, de crítica e de confronto à ordem dominante, o que, aliás sempre acontece, este é um processo corriqueiro, mas a passagem
qualitativa deste para um movimento contra a ordem de cunho classista
revolucionário não surge como decorrência do espontâneo cultural.
O caldo de cultura popular pode ser um
componente de um processo revolucionário, mas isto depende de um acumulado de
manifestações, sejam espontâneas sejam fomentadas que devem ser consolidadas
por uma ação de cunho tático e estratégico consciente e ativo de um organismo
de classe que tenha objetivo de transformação revolucionária.
Importante entender o papel da indústria
cultural como uma das operações do sistema do capital onde se estabelecem
empresas que operam no mercado das demandas e necessidades culturais da
sociedade. Esta indústria cultural é o principal meio de geração e disseminação
cultural, alcança todos os tipos e setores, desde o literário, musical, vídeos, etc.
A indústria cultural capitalista é por
onde flui a cultura dentro do sistema do capital em sua fase imperialista,
opera fornecendo a massa da população os produtos e serviços da cultura,
empregam milhares de trabalhadores e produtores de cultura e viabilizam os
artistas a promover e disseminar sua arte para o seu público. A indústria
cultural cumpre também o papel de produção/circulação ou de forças produtivas
sociais essenciais, Marx chamou de meios de produção espiritual.
A classe empresarial da cultura opera
este negócio como qualquer outro, tanto no aspecto econômico quanto no âmbito
da política, onde o negócio tem que prover a reprodução do capital quanto
servir como suporte político do sistema, constituindo-se em um instrumento de
hegemonia cultural classista.
Dentro de todo este contexto fica vazio
de significado o conceito de liberdade do artista ou do autor, a montanha de
influências ostensivas ou subliminares que perpassam todo o ambiente de
produção cultural, além das necessidades materiais objetivas dos autores,
produtores, profissionais envolvidos e negócios amarrados em uma grande teia de
relações sociais relegam uma pretensa liberdade autoral ao reino do idealismo,
é um desejo infantil.
A formulação da existência ou
necessidade de liberdade autoral é fruto de uma ideologia específica, o
liberalismo burguês, base do pensamento da classe do capital que proclama a
liberdade e opera de forma sistemática e direcionada toda a indústria cultural
e os demais instrumentos culturais do Estado, das escolas, das igrejas dos
meios de comunicação e do que mais houver.
A
dialética concreta entre a classe trabalhadora que produz e consome cultura e a
classe do capital que é proprietária da indústria cultural. A classe dominante
seleciona, impulsiona, dissemina o que mais lhe convêm do ponto de vista
comercial, cultural e político e bloqueia, oculta, inviabiliza e invisibiliza o
que não lhe convêm.
A indústria cultural como meio de
produção provê de um lado o ambiente e condições para autores e profissionais
da cultura e de outro o acesso à cultura as massas. A disputa está ao nível de
classe, qual a classe que tem o domínio sobre a sociedade e os meios de
produção, a Revolução Brasileira é para enfrentar e vencer esta disputa sobre
determinante acerca da cultura e todo o demais.
A
decisão de fundo é eminentemente política e assim, realizar ataques ou críticas a milhões de pessoas da classe trabalhadora por seu gosto cultural legítimo e
fruto de suas circunstâncias, de seu ambiente e de múltiplas influências,
principalmente os mecanismos da classe dominante, é incongruente com o objetivo
político de agregar a classe para perceber a si e passe a agir também para
si mesma entrando em embate com o capital.
Para
um partido da classe trabalhadora atingir objetivos de formação de consciência
e identidade de classe, união de classe e ação classista, cabe uma ação
cultural afirmativa que fomente, divulgue e multiplique elementos culturais que
reforcem os valores revolucionários da classe trabalhadora, sua identidade, uma
atitude de luta, de agregação de forças, da busca do novo, da solidariedade de
classe, do espírito de disputa com o capital, enfim, apresentar a luta concreta
da vida, seus dramas e nossa solução política, isto só é possível e efetivo se
falar e sintonizar com questões reais da vida e o universo cultural do nosso
público, a nossa classe trabalhadora.
Uma
nova cultura surgirá com o estabelecimento de novas relações sociais que sejam
alicerçadas em uma nova identidade, a identidade da classe do trabalho engajada
no movimento de forças da vida.
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