quarta-feira, 27 de abril de 2011

A Economia Baseada em Cassino, e Dono do Cassino faz as Leis

"Há 30 anos, os salários da maioria dos trabalhadores dos Estados
Unidos estão estagnados, e a pobreza piorou, enquanto a renda e a
riqueza do 1% mais rico cresceu dramaticamente. A economia passou a se
assemelhar a um cassino."

A análise é de Charles K. Wilber, professor emérito de economia e
membro do Kroc Institute for International Peace Studies da University
of Notre Dame, de South Bend, Indiana, EUA, em artigo publicado na
revista America, 02-05-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

"Os especuladores podem não causar danos quando são apenas bolhas num
fluxo constante de empreendimento, mas a situação torna-se séria
quando o empreendimento se converte em bolha num turbilhão
especulativo. Quando o desenvolvimento do capital em um país se
converte em subproduto das atividades de um cassino, o trabalho tende
a ser mal feito."

- John Maynard Keynes, em "A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda", 1936

A partir de 2007, o sistema financeiro dos Estados Unidos implodiu.
Seguiu-se um colapso da economia em uma recessão que continua, com o
desemprego que paira em pouco menos de 9%. A recuperação está se
movendo junto com o mercado de ações, e os gastos dos consumidores
estão revivendo, auxiliados pela política fiscal do governo. Mas duas
questões permanecem. Em primeiro lugar, como diminuímos o desemprego?
E, segundo, como fazemos para que um colapso como esse não volte a
acontecer? Já discuti a primeira questão na edição da revista America
de 22 de junho de 2009 [disponível aqui, em inglês]. Aqui, discuto a
segunda.

Seguindo-se ao colapso financeiro que levou à Grande Depressão da
década de 1930, o governo dos EUA aprovou a Lei Glass-Steagall, que,
dentre outras coisas, separou as atividades bancárias comerciais das
operações dos banco de investimentos mais arriscadas. Desde 1980, no
entanto, um dos principais eixos da política pública tem sido a de
liberar mercados pela desregulamentação (incluindo a revogação da Lei
Glass-Steagall em 1999), cortando impostos e eliminando ou reduzindo
programas sociais.

Ambas os governos republicano e democrata exerceram essas políticas. O
resultado tem sido constantes déficits federais, um dramático aumento
da desigualdade de renda e de riqueza, periódicos escândalos
financeiros, a deterioração dos serviços públicos e de infraestrutura,
o crescimento de grandes bancos e, finalmente, o colapso do sector dos
serviços financeiros e a contínua recessão econômica. Inclua-se nisso
o custo de combater duas guerras e a escalada intrínseca dos chamados
custos de ajuda social (Medicare, Medicaid, Social Security), e as
perspectivas de recuperação econômica normal são menos do que
promissoras. A perspectiva de outro desastre financeiro é muito
provável.

Quando o maior não é o melhor

Uma questão-chave exige atenção no meio de tudo isso: será que o setor
financeiro será reformado de modo a reduzir significativamente o risco
de futuras implosões? Um ponto-chave na abordagem dessa questão é o
tamanho muito grande dos grandes bancos e o fato de que eles são
vistos como "grandes demais para falir". Isso tem um efeito desastroso
sobre os executivos de bancos se eles acreditarem que sempre serão
socorridos, mesmo que ajam de forma irresponsável. A indústria de
seguros chama isso de um risco moral.

Uma pessoa que compra um seguro contra roubo de automóvel, por
exemplo, tem menos incentivo para ter cuidado, por exemplo, em trancar
as portas do carro. Se o carro for roubado, a seguradora irá
compensar. Da mesma forma, os executivos de bancos serão tentados a
assumir mais riscos do que é prudente quando sabem que serão
socorridos pelo governo, assim como foram na mais recente crise
financeira.

Em um artigo na página de opinião do The New York Times (12 de janeiro
de 2010), Thomas Hoenig, presidente do Federal Reserve Bank de Kansas
City, escreveu que, apesar da legislação de reforma financeira, os
maiores bancos continuam controlando a nossa economia e constituem uma
séria ameaça. Depois da última rodada de resgates, "as cinco maiores
instituições financeiras estão 20% maiores do que eram antes da crise.
Elas controlam 8,6 trilhões de dólares em ativos financeiros – o
equivalente a quase 60% do PIB [dos EUA]. Gostando ou não, essas
empresas continuam sendo grandes demais para falir".

"Grande demais para falir" é uma ameaça que não deve ser ignorada. O
sistema financeiro é o sangue vital da economia. As empresas têm que
contrair empréstimos para fins de investimento de bancos e de outras
instituições financeiras. Os consumidores contraem empréstimos de
bancos e de cooperativas de crédito para financiar compras grandes
como automóveis, casas, aparelhos eletrônicos e similares. O sistema
financeiro e toda a economia estão profundamente interligados, e, se
um grande banco vai à falência, ele leva muitas outras empresas junto
com ele. A realidade política é que instituições financeiras muito
grandes não serão autorizadas a afundar, independentemente do partido
político que controla o governo.

Se grandes bancos e outras instituições financeiras não serão
autorizados a ir à falência, o que pode ser feito para reduzir seus
incentivos a assumir riscos excessivos?

Uma possibilidade é dividir os bancos existentes acima de algum
tamanho máximo e aprovar regulações que tornem difícil para outros
crescer além desse máximo. Em seguida, os bancos menores podem ser
autorizados a ir à falência quando cresçam além dos limites. Este
percurso, entretanto, é improvável. Nenhum partido político tem sido
sério com relação a diminuir de tamanho as instituições financeiras
que cresceram em excesso. Por quê? Os executivos da indústria de
serviços financeiros são os principais contribuintes de ambas as
partes. O relatório recém-lançado pelo Financial Crisis Inquiry
Committee observa que a indústria financeira gastou 2,7 bilhões de
dólares em lobbies de 1999 a 2008, e os indivíduos e comissões
associadas a ela arrecadaram mais de 1 bilhão de dólares em
contribuições de campanha.

Além disso, os reguladores do governo muitas vezes fazem um movimento
de vaivém entre o setor privado e o governo. O Goldman Sachs, por
exemplo, pagou a Lawrence Summers 135 mil dólares por um discurso
pouco antes de ele ser nomeado conselheiro econômico do presidente
Obama. A decisão do Citizens United pela Suprema Corte, que permite
que as empresas façam contribuições políticas ilimitadas, aumentou o
cacife político dos bancos, tornando ainda mais improvável que o
Congresso ou o governo imponha uma reforma bancária que divida os
grandes bancos.

O caso da Irlanda deve tocar os sinos de alerta. Lá, os bancos e seus
executivos se tornaram tão fortes que, mesmo depois de terem sido os
maiores contribuintes para o colapso econômico, eles ainda eram
capazes de ditar os rumos das políticas nacionais. Eu não vejo nenhuma
conspiração em andamento aqui, apenas a realidade de que o poder
econômico se traduz bem em poder político. Bancos individuais dos EUA
são muito menores em relação ao governo do que na Irlanda. Ainda
assim, vale notar que tanto o Standard & Poor's e o Moody's Investors
Service, em janeiro de 2011, publicaram declarações de que a
classificação AAA dos títulos do governo podem estar em perigo de
serem rebaixadas, presumivelmente a menos que as políticas
governamentais sejam alteradas.

Maneiras de reduzir a tomada de riscos

Se o fato de romper as instituições financeiras muito grandes não é
uma decisão que está sobre a mesa, que outras políticas podem evitar
outra implosão causada pela excessiva tomada de riscos do setor
financeiro? Uma maneira de pensar sobre a questão "muito grande para
falir" é esta: quando o governo assume uma responsabilidade implícita
de socorrer as empresas extragrandes, isso é um subsídio a essas
empresas. Isso incentiva os bancos menores a se tornarem maiores para
que eles também possam se beneficiar do subsídio. Portanto, as
políticas devem reduzir o incentivo aos bancos para a tomada de riscos
e/ou desencorajá-los a crescer cada vez mais.

Uma abordagem parcial e fragmentada incluiria requisitos de capital
mínimos para todas as instituições financeiras acima de um certo
tamanho. A Suíça, por exemplo, exige que seus dois maiores bancos, o
UBS e o Credit Suisse, tenham 19% de capital até 2019. Isso dará aos
bancos uma proteção durante a próxima crise financeira, para que
possam pagar suas dívidas e estabelecer outras disposições para
permanecerem solventes.

Em contrapartida, de acordo com o Financial Crisis Inquiry Committee,
os cinco maiores bancos de investimento dos EUA tinham apenas 2,5% de
capital para cobrir eventuais perdas. As regulações também poderiam
exigir que, em uma crise, alguns detentores de bônus devem aceitar o
não pagamento ou ter seus bônus convertidos em ações. Mesmo essas
propostas serão combatidas pela indústria de serviços financeiros,
particularmente pelas maiores instituições. E não há nenhuma garantia
de que o Congresso ou o governo vão impulsioná-las fortemente.

Uma abordagem baseada em ativos

Uma abordagem mais abrangente para a rerregulação do setor de serviços
financeiros da economia, que poderia ter uma chance de ser aceita pelo
Congresso e pelo governo, é conhecida como "asset-based reserve
requirements" [requisitos de reservas baseados em ativos; ABRR, na
sigla em inglês]. Basicamente, isso muda os requisitos de reserva de
um sistema baseado nos passivos dos bancos (isto é, em seus depósitos
de conta corrente) para um sistema baseado nos ativos (empréstimos a
receber) de todas as instituições financeiras.

Sob um sistema baseado em ativos, o Federal Reserve Board of Governors
exigiria que cada instituição financeira tenha em depósito nas contas
de pouca ou de nenhuma cobrança de juros pelo Federal Reserve, como
reservas, porcentagens fixas de cada tipo de empréstimos a receber
(hipotecas , empréstimos para a compra de automóveis, dívida do cartão
de crédito etc.). As porcentagens de reservas obrigatórias variariam
dependendo do grau de risco dos empréstimos. Isso forçaria a
instituição financeira de empréstimo a ser mais consciente dos custos
dos empréstimos mais arriscados.

Uma vez que os depósitos junto ao Federal Reserve resultam em pouco ou
nenhum juros, os empréstimos de risco que exigem uma maior porcentagem
de depósitos causaria que uma instituição desista da renda alternativa
que viria de categorias menos arriscadas de empréstimos. Isso também
significa que o Federal Reserve pode aumentar ou diminuir o requisito
de reserva para uma categoria particular para amortecer uma bolha ou
reforçar um setor em queda.

Essa não é uma ideia nova. Ela tem circulado pelo menos desde o início
dos anos 1970, quando dois governadores do Federal Reserve
recomendaram essa abordagem como uma forma de empréstimos diretos às
comunidades carentes. Na década de 1970, Lester Thurow, economista do
Massachusetts Institute of Technology, defendeu os requisitos de
reserva baseados em ativos como forma de controlar a alocação de
crédito a vários setores da economia.

Mas a ideia perdeu força porque os defensores da desregulamentação
comandaram o centro do palco durante a década de 1980. No início dos
anos 1990, Robert Polin, professor de economia da Universidade de
Massachusetts, desenvolveu a ideia em uma ferramenta específica para a
estabilização econômica. No final dos anos 1990, o economista Thomas
Palley, fundador da Economics for Democratic & Open Societies,
desenvolveu os detalhes dos mecanismos regulatórios necessários para
tornar prático o sistema de reserva baseado em ativos.

Enquanto um sistema de reservas baseada em ativos seria muito melhor
do que o obsoleto sistema de reservas de responsabilidade que temos
hoje, não haverá oposição a qualquer tentativa de rerregulamentar o
sistema financeiro. Essa luta não será ganha da noite para o dia. Ao
invés de torcer as mãos enquanto isso, os americanos comuns podem dar
passos específicos para favorecer a reforma financeira.

Em primeiro lugar, mudar as contas financeiras pessoais ou familiares
dos grandes bancos para um banco da comunidade local ou a uma
cooperativa de crédito. Essa é uma nova aplicação de uma tática
política chamada de "starve the beast" [matar a fera de fome].

Segundo, fazer todo o possível para conservar a questão da
instabilidade financeira e da promessa de requisitos de reserva
baseados em ativos antes que os responsáveis políticos. Escreva aos
representantes eleitos, doe dinheiro para grupos de Internet que
mantêm viva a questão, escreva cartas para o editor do jornal local e
ações afins.

Em terceiro lugar, peça ao seu pároco e bispo locais que se unam a
causa, lembrando-os que essas implosões financeiras causam sofrimento
humano. Esse é o problema real – o que acontece às pessoas,
particularmente os pobres. Há 30 anos, os salários da maioria dos
trabalhadores dos EUA estão estagnados, e a pobreza piorou, enquanto a
renda e a riqueza do 1% mais rico cresceu dramaticamente. A economia
passou a se assemelhar a um cassino.

A reforma política pode ser necessária antes que o poder do setor
financeiro possa ser contido e a nossa economia seja reformada para
atender a todas as pessoas, incluindo os mais pobres e os menos
poderosos. Isso também exige que nós, eleitores, façamos o que
pudermos, informando aos nossos representantes que vamos
responsabilizá-los, assim como esperamos que responsabilizem o setor
dos serviços financeiros.

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