sexta-feira, 19 de junho de 2015

O mito do “livre comércio” global

Fonte: Blog do Liberato

Pepe Escobar, SputnikNews

The Mith of Global "Free" Trade

Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Debate sobre TTIP segue acirrado no Parlamento Europeu

Havia uma agenda "secreta", direta, crucial, que conectava a reunião do G7 na Alemanha e a reunião do grupo Bilderberg na Áustria semana passada: fazer avançar as negociações virtualmente secretas do tratado que criará a Parceria Transatlântica para Comércio e Investimento [orig. Transatlantic Trade and Investment Partnership (TTIP)], acordo comercial gigantesco entre os EUA e a União Europeia.

Apesar de todo o massivo poder de empresas e corporações comerciais que há por trás dessa TTIP, e de tantos que ardem de desejo de que o tratado seja concluído antes do final de 2015, ainda persistem sérios entraves nas negociações.

E houve também a votação da 6ª-feira passada (12/6/2015) no Congresso dos EUA. Aconteceram, na verdade, duas votações: uma sobre conceder o direito à "tramitação de urgência" [orig. fast track] na votação da TTIP, que dará ao presidente o direito de firmar tratados comerciais, sobretudo, no caso que estava sendo votado, o Tratado da Parceria Trans-Pacífico [orig. Trans-Pacific Partnership (TPP)]; e outra votação, sobre ajustar a ajuda aos trabalhadores nos EUA, de modo a que consigam competir com os importados que chegarão ao mercado dos EUA como resultado de acordos comerciais.

A "tramitação de urgência" foi aprovada. O ajuste na ajuda aos trabalhadores, não. Assim sendo, o Senado dos EUA terá de revisar a concessão da "tramitação de urgência". O poder empresarial-corporativo que está por trás do tratado TPP – e também por trás do tratado TTIP, é claro – não gostou nada-nada.

Mas a coisa vai muito além de o presidente receber ou não autoridade para negociar acordos secretos e nebulosos como o TTIP, o TPP e o TiSA (Trade in Services Agreement, port. "Acordo sobre comércio de serviços").

O governo Obama está obcecado pela ideia de que fará jorrar quantidade enorme de benefícios sobre os trabalhadores norte-americanos, tão logo se assine algum acordo trans-Pacífico. Aí está ideia eminentemente discutível.

Do ponto de vista das outras nações, a Parceria Trans-Pacífico (TPP) mal se qualifica como panaceia. Washington não oferece nenhuma melhoria de acesso aos mercados existentes nem oferece novos mercados. A TPP deixa de fora a China, completamente – o que é ridículo. Pequim é hoje a principal parceira comercial de muitas das nações envolvidas na TPP. E a chave do acordo TPP é as empresas comerciais imporem a lei delas para os direitos de propriedade intelectual – a qual abre caminho para todos os tipos de abusos de darwinismo social.

Sobre o acordo transatlântico, da TTIP, Bruxelas está saturada de "especialistas" que só fazem jurar que as negociações do acordo nem são assim tããão "secretas". A Comissão Europeia só faz jactar-se de que, diferente de Washington, cansou-se de publicar trechos do acordo no próprio website. Alguns trechos, sim, até apareceram. Mas não todos e absolutamente nenhum trecho de qualquer dos itens considerados mais sensíveis.

TTIP/TPP é parte do plano dos EUA para
"isolar" a Rússia e "conter" a China

A cláusula-chave do tratado da Parceria para Comércio e Investimento (ing. TTIP) é a chamada "Arbitragem para Resolução de Disputas Investidor-Estado" (ARDIE), em inglês Investor-State Dispute Settlement, ISDS, [1] mecanismo que, essencialmente, dá às empresas privadas os instrumentos legais para processar governos, usando o conceito de "impossibilidade de implementar" [ing. failure to implement"], que se aplica sempre que políticas de estado ou legislação nacional interfiram com os lucros das empresas. Em suma: o "ethos" das grandes empresas e corporações vence; trabalhadores, empresas médias e pequenas (PMEs) e a democracia perdem horrivelmente.

Já se pode até ver a proliferação de "tribunais itinerantes" ["cortes canguru"] que serão apresentados como "cortes de arbitragem", entupidos até a tampa de caríssimos advogados das grandes empresas. E zero de Judiciário socialmente democrático.

Mas... e a coisa toda só tem a ver com comércio? Claro que não.

Eis que entra em cena a OTAN comercial

A pista é o quanto o governo Obama está desesperado para quebrar a resistência japonesa – que já dura dois longos anos –contra várias das cláusulas do Tratado da Parceria Trans-Pacífico (TPP). Os proverbiais "funcionários do governo dos EUA" sangraram de tanto repetir e repetir que a TPP é fator crucial para o "Pivô para a Ásia" dos EUA.

Até o Supremo do Pentágono, Ash Carter, pulou para o barco há dois meses, e disse que "Para mim, a parceria TPP é tão importante quanto mais um porta-aviões".  

E tudo isso aconteceu enquanto Washington tentava forçar seus aliados – sem sucesso – a boicotar o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (BAII), liderado pelos chineses. Não se pode dizer que o governo Obama não seja coerente. Eles sempre dizem exatamente a mesma coisa: a China não pode liderar banco de investimento; e a China não pode dar palpites no que tenha a ver com redigir regras e padrões globais para comércio e investimento.

O coração da matéria desses três mega-acordos – TTP, TTIP e TiSA – corresponde exatamente ao modelão do sonho molhado do grupo de Bilderberg: "governança" empresarial global.

E o simples fato de o Pentágono ter "confessado" que a TPP seria o braço econômico "estratégico" do "pivô para a Ásia" revela o quanto politizou-se todo esse "comércio".

Nos termos da TPP, as empresas chinesas enfrentariam tremenda desvantagem na concorrência comercial com empresas norte-americanas, tanto nos mercados dos EUA como nos mercados asiático. Pode-se dizer que se tem aí mais uma faceta da "contenção".

TTIP, TTP e TiSA são, na verdade, como três cabeças da mesma Hidra: todos esses tratados seguem a mesma lógica geoestratégica de uma OTAN comercial – trans-Atlântico e trans-Pacífico: o "ocidente contra o resto". Não por acaso, todos os países BRICS estão excluídos. E não surpreende que as negociações sejam secretas: a tal "governança empresarial global" de Bildeberg não é exatamente um sucesso em todas as latitudes.

Presunto de plástico. Alguém aceita?

Mas que ninguém se engane: há muita oposição ao TTIP na Europa. Os cidadãos da União Europeia que se deram o trabalho de investigar e abrir algumas picadas naquele segredo denso não são muitos, mas estão realmente preocupados. De fato estão horrorizados.

Protestos contra TPP e TTIP em Portland, EUA

Na Alemanha, têm havido manifestações de grandes proporções. O Partido Social-Democrata alemão (al. SPD) – que participa do governo de coalizão da chanceler Merkel – faz declarada oposição ao tratado. Os italianos já descobriram que o tratado TTIP custaria ao país nada menos de 1,3 milhões de empregos. Ajuda, se se comparam o tratado TTIP e o tratado NAFTA: em 12 anos, os EUA realmente fizeram desaparecer 1 milhão de empregos dentro dos EUA, com empresas e corporações preferindo mudar-se ("deslocalizar-se") para o México, onde o trabalho é muito mais barato.

Até Bruxelas teve de admitir que o tratado da parceria transatlântica, TTIP realmente significará desemprego; muitos postos de trabalho passarão para o lado do estado, onde os padrões trabalhistas e os direitos de organização sindical são muito mais fracos.

Essa parceria transatlântica TTIP dirá respeito a 850 milhões de pessoas, entre América do Norte e Europa. Em números redondos, é 45% do PIB global. O comércio em questão alcança 500 bilhões de euros/ano. Poderia ser apresentado como "globalização avançada", sem tanta interferência dos mercados emergentes.

Entra a ideia europeia de que, como consequência de seu papel de liderança, a União Europeia teria as regras mais avançadas de saúde, proteção ao consumidor e qualidade de serviços públicos (varia muito, de país para país; não se comparam França e Romênia, por exemplo).

Por tudo isso, não surpreende que os produtores de agricultura de alta qualidade nos países do Club Med estejam aterrorizados, certos de que a parceria transatlântica TTIP será, de fato, uma invasão bárbara. Os italianos estão apavorados com o surgimento de um mercado monstro de falso made in Italy – as empresas norte-americanas rotulando qualquer cozidão-lá de OGMs, como presunto de Parma ou queijo gorgonzola.

Bom teste é dar uma chegada ao supermercado norte-americano médio mais próximo de você. É show de horrores: pelo menos 70% de todos os alimentos processados são infestados de organismos geneticamente modificados (OGMs). A União Europeia proíbe a entrada de virtualmente todos os alimentos que incorporem organismos geneticamente modificados. Para nem falar dos produtos tóxicos. Na União Europeia todas as empresas têm de comprovar que uma substância é segura, antes de ela poder ser comercializada. Nos EUA, vale absolutamente tudo.

Manifestação de ativistas na Alemanha

Nos termos do tratado TTIP, saúde pública, educação e serviços de fornecimento de água na União Europeia serão devastados – e encampados por empresas privadas norte-americanas. As leis de segurança alimentar, leis chaves sobre proteção ambiental e regulações bancárias serão viradas de pernas para o ar.

Os "especialistas" em TTIP só fazem "ensinar" que essa Globalização 2.0 levará a uma "avançada" de 0,5% no PIB conjunto da União Europeia. Não chega a ser exatamente índice chinês. Mas se você está devastado de tanta "austeridade', você bebe qualquer Kool aid que apareça. Acompanha, presunto de plástico "Parma".

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