quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

A crise de 2002 não foi das FARCs, foi do Armínio

Do blog do Luis Nassif:

É importante exorcizar algumas lendas urbanas que se formaram sobre a crise de 2002 – quando o dólar explodiu, houve enorme instabilidade no mercado.
Havia algum receio sobre o que seria o novo governo petista. Mas nenhum analista minimamente informado, nenhum departamento econômico de grande instituição apostava em uma ruptura, a ponto de haver a fuga de dólares que disparou as cotações. Quando um maluco do Washington Times espalhou boatos infundados, após uma reunião da Febraban com o Banco Central, o mercado inteiro caiu matando em cima dele, mostrando não acreditar.
A principal razão daquele alvoroço foram os erros cometidos por Armínio Fraga na condução do Banco Central. Nada de teorias conspiratórias e quertais: foram erros técnicos mesmo, bisonhos. Ou melhor, medidas certas no momento errado.
Primeiro, o diretor Luiz Fernando Figueiredo resolveu implantar o Sistema de Pagamentos Brasileiro – informatizando todas as transações. Apesar de tecnicamente defensável, o momento escolhido foi ruim. Nas eleições, um dos momentos perturbadores é o da dança dos ativos, entrada e saída de dólares, remanejamento de carteiras. O Sistema entrava no coração dessas transações, sendo um fator adicional de instabilidade, pois levaria alguma tempo para se estabilizar tecnicamente.
Depois, decidiu-se introduzir o sistema de marcação a mercado nas carteiras dos fundos.
Como funciona? Suponha que um fundo adquira um título que vencerá daqui a dois anos pagando, digamos, 12% de juros ao ano. O valor do título é definido no resgate – 100, digamos. Para pagar 12% ao ano, dois anos antes ele terá que valer 79,7. O investidor compra por 79,7, depois haverá uma curva de juros que aumentará o valor do título dia a dia, pela incorporação diária dos juros, até bater nos 100 do vencimento.
Mas suponha que ocorra um problema qualquer e o BC seja obrigado a colocar no mercado títulos com 15% de juros ao ano. A remuneração dos títulos antigos terá que acompanhar a dos novos. O ajuste se dá pelo valor de mercado do título: para render 15% em dois anos, seu valor cairá de 79,7 para 75,6. Todo mundo que entrar dali para frente ganha 15%. Mas quem tinha títulos a 12% leva uma pancada. E explico a razão.
Em geral, os fundos não reduziam o valor das suas cotas, contabilizando pela curva de juros. Independentemente do que o mercado pensasse, no vencimento o título iria valer 100 mesmo. Então, continuava a ser contabilizado pela curva de juros.
Com a marcação a mercado, mudou a maneira de contabilizar.
Já no primeiro semestre de 2002, investidores se assustaram quando viram que o valor de seu patrimônio tinha caído por conta dessa mudança – necessária em períodos de normalidade e totalmente imprudente em periodos de alta volatilidade. Foi apenas o ensaio para o desastre do segundo semestre, quando Armínio completou o ciclo com uma das mais desastradas operações de vendas de títulos.
Antes, ele tentara corretamente mudar a estrutura de taxas da dívida pública, substituindo as operações pós-fixadas (aquela em que a remuneração é dada diariamente ) pelas pré-fixadas, onde se sabe, no momento da compra, o valor de resgate do título. E trabalhava honestamente para reduzir os juros dos níveis escandalosamente elevados herdados de Gustavo Franco.
À medida que aumentava o nervosoismo do mercado com as eleições – não em função de nenhum temor «chavismo» mas pelas dúvidas em relação à condução da política monetária pelo próximo governo – Armínio planejou uma operação aparentemente habilidosa.
O mercado queria títulos cambiais (corrigidos pelo dólar) mas não queria títulos pré-fixados. Armínio montou um leilão pelo qual, para adquirir determinada quantidade de títulos cambiais, o investidor deveria ficar com outra de títulos pré-fixados.
O que o investidor fazia? Como queria as cambiais, adquiria o pacote, ficava com as cambiais e – por desinteresse – vendia os pré-fixados no mercado por qualquer preço. O aumento da oferta de venda, fez o preço dos pré-fixados despencarem.
Volte á conta anterior. Digamos que o preço do papel de dois anos estivesse em 79,7. Significa que estaria pagando juros de 12% ao ano. Se o preço do papel caísse para 70, digamos, os juros disparariam para 19,5% ao ano.
Só que os juros valeriam apenas para quem adquirisse papéis a partir dali. Para os que detinham papéis do governo em suas carteiras, significaria uma enorme queda no valor patrimonial. Sua vota diária refletiria a queda de valor do título, de 79,7 para 70.
A operação de Armínio envolveu poucos valores. Só que, pela marcação a mercado, a contabilização das carteiras dos fundos deveria ser pelo valor de negociação dos títulos a cada dia. A pequena quantidade de pré-fixados despejado no mercado, então, jogou as cotações para baixo e impactou todos os títulos pré-fixados no mercado. Uma pequena quantidade de negociações afetou todo o estoque da dívida.
Aí, foi o pânico generalizado, acrescido do fato de que o mercado internacional passava por turbulências devido aos problemas com crédito das grandes montadoras.
Portanto, prezados membros do Instituto Millenium – aquele que acredita no poder do Foro São Paulo – foi o gestor de seu fundo que produziu um carnaval danado em 2002. E com a melhor das intenções.


Comentário Engajarte

A construção do artigo tem uma lógica, a de ver a ação do BC-Armírio Fraga apenas como técnica, e pelos resultados, incompetente.

Não obstante, vamos inserir o Sr. Armínio no seu lugar, o homem não é um jogador do mercado financeiro de pequena experiência, é sim um dos mais capacitados operadores brasileiros, tem um perfil primeira linha, de nível internacional.

Tomando as mesmas variáveis que o Nassif corretamente coloca, variáveis importantes, e sendo o cara um operador que tem por profissão avaliar o impacto de cada medida, esperar que o “mané” do Armírio, passasse batido, não percebesse, não imaginasse o resultado de suas ações nos humores e ações do mercado, relegando tudo a mera incompetência, péra aí.

O Nassif pode ter informações mais qualificadas, mas as taxas de juros do Armírio Fraga mantiveram-se as mais altas do mundo, sem mudança expressiva do tempo do Gustavo Franco, e me recordo que toda a ação do Armírio era retirar as regulações bancárias e com isto, vendia ele, os banco iriam ter mais flexibilidade para baixar os juros aos clientes, o que não aconteceu, seria isto também mais um erro técnico?

Recentemente o FED também alterou as regras de contabilidade dos bancos americanos, fazendo-os marcarem a mercado, e coincidentemente, veio uma enorme instabilidade e quebradeira, pois aconteceu a mesmo desequilíbrio de balanço dos bancos americanos como foi descrito no artigo.

Assim como o Armírio, o Fed também defende a redução ou inexistência das regulações bancárias.

E assim como fez o Armírio, o FED também trouxe instabilidade na antevéspera de uma eleição presidencial, tudo coincidência, é claro, e olha que o candidato republicano estava na frente das intenções de voto até que veio a crise econômica precipitou-se nos EUA.

Ou seja, a ação do Armírio Fraga, está dentro de um contexto, político ideológico, a prática é a mesma, o momento é o mesmo, os resultados semelhantes.

Podemos lembrar também que na reeleição do FHC, o BC também manteve condições para um ataque especulativo, com o câmbio apreciado, fluxo de capitais livre, e déficit em contas correntes, tudo explodiu no período pré-eleitoral. Claro, eu é que estou sendo chato, lembrando destas historinhas repetitivas.

Seria o Bacen um poço recorrente de incompetência? Ou suas ações seriam concertadas em cima de uma metodologia e práticas que sempre levam a bolhas especulativas e transferência de rendas para setores escolhidos do mercado financeiro, como aliás o Nassif descreveu em seu livro “Cabeças de Planilha”.

Acredito que o Nassif elegantemente credita este jogo pesado a simples erros de pessoas bem intencionadas.

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