sábado, 27 de março de 2010

O Caso Nardoni

O negócio todo foi um desastre.
A partir de um crime comum, o assassinato de uma criança, provavelmente por seus pais, algo sem nenhum ineditismo, desenrolou-se uma trama mais que abjeta.
Os grandes meios de comunicação do país, principalmente as empresas de televisão iniciaram um "processo", pautado e conduzido por estas mesmas empresas, fomentando uma comoção nacional de graves dimensões.
Ao utilizar-se de um crime para gerar audiência, nada mais fez que tripudiar sobre o cadaver da pobre menina, sobre uma tragédia familiar.
A justiça prescinde deste tipo de carnavalização, agora o que as TVs fizeram para atingir seus objetivos comerciais coloca em evidência as suas entranhas.
As empresas de comunicação fomentaram uma comoção seletiva, escolhendo um alvo, montaram a estratégia de acusação, massificaram a imagem negativa acerca dos pais, firmaram a convicção de culpabilidade, intencionalidade, forjaram um caráter malévolo dos acusados.
Construiram um veredicto, culparam previamente os pais, e aplicaram a pena: os pais foram execrados publicamente a nível nacional.
Tudo isto bem antes de concluídas as apurações, antes do julgamento legal.
A imprensa mostou a que veio, mostrou seu poder, seu autoritarismo, mostrou que vivemos em um regime de exceção, onde o auto aclamado quarto poder, acusa , julga e condena.
Tudo isto feito lá nos primeiros momentos depois do crime, já agora na hora do julgamento tentaram salvar sua imagem fazendo uma cobertura um pouco mais técnica e equidistante, seus objetivos já haviam sido atingidos, o experimento de manipulação social deu certo, os dois já estavam condenados muito antes do promotor montar a peça de acusação.
E no final contaram com a ajuda de um advogado falastrão e pouco técnico, e de um promotor bem preparado.
De tudo o que restou foi um crime comum, situação até trivial de agressão intrafamiliar, grave, mas longe de inusitada.
Fora do comum foi a ação das empresas privadas de comunicação, que desnudaram seu autoritarismo, poder de manipulação, agressividade seletiva, sua capacidade de linchamento extrajudicial.
O sensacionalismo exacerbado, onde até em programas de culinária estavam esfolando os acusados, mostrou a ética dos que se utilizam de um concessão pública, da liberdade de expressão, para fins eminentemente privados de interesse comercial e de exercícios de poder sobre a população e sobre a justiça, conseguindo inclusive a coação de juízes, que não concederam habeas corpus que em situação semelhantes seriam trivialmente emitidos.
É de dar medo, o poder concentrado em algumas corporações privadas, que os utilizam sem nenhuma limitação, evocando a indignação popular de cunho até violento, tudo isto por sobre uma conceção pública, é a ditadura do poder midiático, que hoje lincha um casal, ou uma família, amanhã pode ser qualquer um, um governo eleito, um indivíduo, uma instituição, o que seja, e sem viabilidade de uma contestação no mesmo nível, e o alvo do ataque definido apenas pelo interesse empresarial.
Já vimos estes ataques outras vezes, que foram direcionados indiscriminadamente, seja a alvos com "culpa no cartório" seja inocentes, sem nos esquecermos de criminosos pesadíssimos que foram poupados e esquecidos ou até defendidos.
Ou seja é um imenso poder privado, sem controle público ou institucional, plenamente ativo e engajado em defesas e ataques macissos conforme seus próprios critérios.
Vivemos um regime de exceção, debaixo de um poder com armas de destruição em massa, governos e indivíduos são reféns.
Assim, teria sido feita justiça? Quanto aos Nardoni, talvez. Mas o caso Nardoni não pode ser visto apenas por um episódio familiar, foi um evento nacional, de cunho polítio midiático, onde o casal era apenas figurante, os atores e a peça eram o grande jogo do domínio sobre a informação e sociedade.

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