sexta-feira, 8 de julho de 2011

A Grécia arde enquanto a democracia européia está de joelhos

A crise grega é analisada por Bruno Lima Rocha, cientista político, docente de comunicação e pesquisador da Unisinos, vinculado ao Grupo Cepos, do PPG em Comunicação da Unisinos e por Fábio López López, economista.

Eis o artigo.

O dia 29 de junho de 2011 implica numa amarga derrota para a idéia de democracia européia em geral e, particularmente, deixa a Grécia de joelhos diante do Fundo Monetário Internacional (FMI), este operando como cabeça de ponte dos agentes do sistema financeiro a comprometer a banca oficial na Europa unificada. Apesar da cultura política grega ter alto nível de violência e conflito, o que se viu ultrapassa um quebra-quebra de manifestantes revoltados. O espanto calamitoso de um governo de centro-esquerda (do PASOK) eleito (mais um dentre tantos) para frear a "crise" e que termina servindo como aríete dos financistas contra os direitos das maiorias, significando para seus eleitores algo dramático, tal como uma punhalada pelas costas, uma traição profunda. Grécia, Espanha e Portugal acordam assustadas do sonho de prosperidade europeu, bancado pelo euro, Alemanha e França e retornam para o sul do mundo, de onde em tese teriam saído há mais de trinta anos.

No Velho Mundo, a chamada crise das sub-primes, ou como dizem os manifestantes do 15-M espanhol, "a estafa com nome de crise", retoma o conceito do Sul da Europa, ou Semi-periferia. Há algo em comum entre Espanha, Portugal e Grécia, além de terem sido os últimos países europeus a realizar a transição para a democracia representativa e haver recebido volumosos fundos da União Européia. Estes três Estados perderam qualquer capacidade de decisão soberana sobre seus próprios recursos e destinos, condicionando assim as vontades das maiorias democraticamente exercidas a um jogo de faz de conta. Governo que entra governo que sai, e a partir dos convênios e pacotes firmados junto ao FMI, restaria pouquíssima margem de manobra para os novos executivos e os blocos parlamentares de sustentação.

Como sempre ocorre, a noção de ordem previamente estabelecida, mesmo sendo fantasiosa, dá um sentido tranqüilizante para a maioria. Mas, a bem da verdade, "em economia a maioria sempre se equivoca". A frase não é nossa, é simplesmente de John Kenneth Galbraith, economista muito citado e cujo pensamento pouco se encontra nas publicações especializadas. Tal citação está na coluna da respeitada economista Amparo Estrada, no jornal espanhol de centro-esquerda Publico.es. Enfim, não se trata necessariamente de uma publicação de economia política crítica e muito menos autogestionária. É apenas mais um esforço contra a maré de desinformação sistemática oriunda da fábrica de sentidos (ou mentiras) da besta financeira. Porque o que houve na economia européia não foi o excesso de gasto público como garantia de um patamar mínimo do Estado de Bem-Estar Social, co-existindo num mundo de Globalização Capitalista sob pressão dos países do G-20 (liderados pela China). A diferença da estafa dos fundos de investimento e a bolha imobiliária dos EUA, na Europa foi o sistema financeiro formal que entrou na jogatina. A contaminação de bancos de correntistas e varejo, levou aos líderes europeus a convocar uma política de "salva bancos", retirando dos tesouros nacionais e aumentando o endividamento público como garantia de que os maiores bancos não quebrassem. Como o sistema financeiro de moeda única é subordinado ao Banco Central Europeu, este executa acordos supra-nacionais, forçando "políticas de austeridade" como garantia de pagamento das dívidas dos Estados, mantendo assim o fluxo de dinheiro público para o sistema financeiro. Como se diz na gíria dos críticos da direita financeira (ideologicamente vinculada ao mundo das finanças e especulação sem lastro), "a besta está cada vez mais faminta".

Ao contrário do apregoado pelos arautos do sistema, e repetido em laudas sem fim nas redações e faculdades de economia, o problema de fundo não reside na redução dos gastos públicos e sim na luta por tornar-se dono de sua capacidade de endividamento. Como nos explica o economista de linha crítica keynesiana, Vincenç Navarro (http://www.vnavarro.org/), no neoliberalismo o Estado não é um problema e sim a solução, como fonte quase inesgotável de financiamento e rolagem de dívida. É exatamente o termo de subordinação, sujeição coletiva, que foi recém votado na Grécia (no Parlamento, fabricando salsichas como se diz na gíria do meio) e antes esteve na Islândia e fora rejeitado. Tem uma diferença. Na "terra do frio", a população foi a plebiscito e decidiu-se por não pagar as dívidas com o sistema financeiro lá operando e que chegara ao ponto absurdo de gerar moeda. Os gregos refizeram a ágora democrática a base de pau e pedra enquanto os parlamentares, mais uma vez, traíam a representação soberana dos cidadãos. Na Islândia a ameaça da besta se cumpriu. Os bancos europeus retaliaram e fizeram uma gritaria, afirmando que o capitalismo corria risco sistêmico. Na verdade, dura e crua, é que são os maiores bancos da Europa os causadores da crise, os beneficiados da estafa e os grandes interessados na aceitação dos "pacotes de austeridade", garantindo assim que a taxação destes Estados sobre seu povo seja a garantia de pagamento da dívida para com os próprios bancos.

A Grécia é o típico exemplo de um governo títere, assessorado por um lobo a tomar conta do galinheiro. Explicamos. No governo anterior do Partido Conservador (ND), o Ministério da Economia teve como "consultores" aos executivos do Goldman Sachs, a mesma empresa de fundos de risco que produzira enormes rombos no caixa dos EUA, além de emplacar o último secretário do Tesouro de Bush Jr, Henry Paulson, ex-executivo da Goldman Sachs e um dos campeões mundiais em recebimento de "bônus de produtividade!". O Estado grego, de tão bem assessorado que foi, maquiou seus balanços (tal e como o golpe da empresa Enron, a primeira grande estafa na era dos papéis podres) e aumentou sua dívida para além do acordo europeu (60% de endividamento e 3% de déficit público). O buraco sem fim foi alargado nas obras para as Olimpíadas de 2004 e, simultaneamente, em operações criminosas de swap cambial, cuja aleatoriedade era nenhuma e o Banco Central grego acabava pagando mais do que podia aos apostadores da roleta digital. A dívida crescera em exorbitância. Agora, que não tem mais como rolá-la, o Banco Central Europeu (BCE) oferece o beijo de vampiro através do FMI, o mesmo que instaurara o absurdo corralito ao final do governo De la Rúa, resultando na rebelião piquetera, no cacelorazo e sua derrubada através de uma pueblada aos gritos do lema: "que se vayan todos!".

Estes dados – irrefutáveis – justificam a tese que da subordinação coletiva, onde os Estados Nacionais adotam tais políticas que beneficiam os bancos e porque aceitam ser "assessorados" por banqueiros. Os Estados Soberanos deixaram de ser soberanos, por conta do seu nível de endividamento, implicando na perda ainda maior da já pouca soberania popular através do voto e outros mecanismos de democracia indireta. Eles são dependentes do crédito dos banqueiros, que usam tal poder para impor políticas aos Estados. Basta imaginar a condição de chantagem que um grande conglomerado pode fazer ao dizer... "não compro mais seus títulos para rolagem da divida soberana!" Isso ocorreu em sucessivos ataques contra moedas de países-alvo, desde o Efeito Tequila (1994 e 1995), passando pela crise da Rússia (1998, 1999) e agora após a quebra de 2008. Atualmente os bancos agora são sócios do Estado, fenômeno este já antes verificado nas monarquias absolutistas e em Cidades-Estado como Veneza e Florença.

Qualquer semelhança com a rebelião grega não é nenhuma coincidência. De forma quase ininterrupta, os gregos estão nas ruas desde outubro de 2008. Na ocasião, o assassinato pela polícia de um jovem libertário em uma manifestação noturna, acendeu a chama em uma juventude marcada pela alta qualificação nos estudos formais e quase nenhuma perspectiva de emprego e independência financeira. Ao longo de 2010, após o ataque planejado contra a moeda grega, ato este que ocorrera em fevereiro de 2010 em uma reunião informal de mega especuladores (big shots) das finanças em escala mundial, somou-se à rebelião de juventude marcada por aspectos de contracultura anti-autoritária, o esforço organizativo dos sindicatos daquele país. O resultado são greves gerais contínuas e a não legitimidade do governo do Pasok (centro-esquerda, da mesma linha do PSOE espanhol) que tenta empurrar o acordo com o FMI goela abaixo através de maioria parlamentar conseguida no acordo com a extrema direita. 

Na Espanha, a partir de 15 de maio do corrente ano, uma parcela significativa da juventude espanhola (até 30 anos de idade), convoca acampamentos nas praças, boicotando a política oficial e não participando das eleições municipais. Neste pleito, surge o típico paradoxo da democracia representativa. O Partido Popular (misto de pós-franquismo com neoliberalismo selvagem, co-representado pelo grupo midiático Intereconomía) tem uma vitória arrebatadora, galvanizando o voto de protesto contra as vacilações de José Luiz Zapatero (PSOE) e sua demora, tanto em tomar medidas contra a estafa bancária (repito, chamada de "crise" pelos supostos especialistas), como em diminuir la fiesta, a farra dos gastos públicos, aumentando a política de pão e circo, através do consumo cultural de massa, o futebol enriquecido e o lazer de larga escala.

A fraude com nome de "crise", seus mecanismo de desinformação

É hora de chamar os economistas neoliberais (tanto os da escola austríaca como os tributários de Chicago) para a peleia intelectual, desembainhando as adagas e duelando. Qualquer economista político de mediana capacidade desmente estas premissas pseudo-científicas, que nada mais são do que modelos doutrinários pré-concebidos. Tanto a leitura do já citado espanhol Vincenç Navarro, como do professor da PUC-SP, Ladislau Dowbor (http://www.dowbor.org/) em seus excelentes ensaios "A crise financeira sem mistérios" e "Manifesto por uma Democracia Econômica", bastam para compreender os mecanismos da estafa que a mídia "especializada" (como The Economist, ou Intereconomía da Espanha) batizara de "crise", como para interpretar as formas de discurso que busca re-legitimar os pactos entre Estados através dos interesses de bancos e fundos de investimento.

Vale observar mais uma vez o fenômeno da desinformação estrutural, implicando nos sentidos massificados pela mídia corporativa e a favor da globalização transnacional capitalista. Mesmo não sendo cientificamente comprovado, reconhecemos que o termo crise é o mais evidente, e que não fica tão nítida para o leitor, sobre o que se sustenta a tese de q na verdade não existe uma crise. A média das pessoas está convencida de que a "crise" existe e simplesmente afirmar que isso é uma invenção de alguns agentes manipuladores, parece insuficiente. Reconhecemos, é necessário algo que justifique ou explique isso, alguma evidencia. Este conceito da "fraude com nome de crise" pode ser afirmado a partir do postulado de que é impossível haver equívoco entre agentes com experiência e forte posição de mercado, quando estes mesmos agentes são detentores de informação perfeita. Estes são os causadores das fraudes em escala global, cuja conta que não fecha e é comprometedora de todo o sistema financeiro, termina por afogar os caixas nacionais, ou supra-nacionais, como é  o caso da Europa unificada. Estes são os causadores da "crise", os mega especuladores, os fraudadores, cujas posições iniciais terminam por gerar o comportamento de manada nos demais especuladores e agentes com menor poder de barganha.

A desfaçatez é tamanha que o próximo presidente do Banco Central Europeu já traz consigo a marca da direita financeira. O italiano Mario Draghi, que irá assumir no início de 2012, é um operador das privatizações de estatais italianas, incluindo o muito conhecido no Brasil imbróglio da Telecom Italia – que tem conseqüências na disputa de controle pela Brasil Telecom contra o Citigroup, tendo como fiel da balança e voto de minerva na composição acionária a ninguém menos do que o Opportunity na figura de Daniel Dantas. Além disso, Draghi é simplesmente um ex-alto executivo da Goldman Sachs, empresa de fundos de investimento de risco cujo DNA está contém uma das maiores fraudes em papéis e ativos da história mundial, cujo operador principal fora Henry Paulson. Esta é outra evidência para expormos a tese de dependência dos Estados ao setor financeiro privado ou para-estatal. O poder desses agentes é tanto que eles escolheram o presidente do BC europeu.

A Europa do Sul é a América Latina de ontem?

A situação de Portugal, Espanha e Grécia é pior que a dos países da América Latina sob alguns aspectos. O fato destes países não terem a senhoriagem do dinheiro, não poderem desvalorizar seu câmbio, apenas aprofundará o sofrimento desses povos. Num momento como esse, um país que manda em sua moeda pode recorrer a uma desvalorização. Assim, com essa desvalorização, se redefinem os preços dentro do país e compensa a ineficiência produtiva deste. Deste modo, em um momento de queda de demanda (família, governos – central e sub-nacionais – e empresários param de gastar e investir) a demanda externa pode amenizar a situação. É preciso recordar que, para estes países, a adoção do euro foi dolorosa, pois os cidadãos sentiram a perda no realinhamento dos preços – sendo tudo arredondado para cima, menos os salários. Muito parecido com os primeiros anos da adoção do Plano Real no Brasil, quando saímos da estagflação (estagnação econômica com inflação galopante), para a estagnação com a economia estável. Em suma, fizeram um pobre grego usar uma moeda do nível da Alemanha, cabendo a esta última pagar a maior parte da conta da Europa inteira.

Não apenas estes países estão enrascados, a Itália, por exemplo, logo entra no mesmo problema. Isto pode gerar efeitos de aprofundamento do problema, chegando ao conjunto da União Européia, comprometendo, por motivos de interdependência, uma grande parcela da economia mundial. Nunca é demais lembrar que o mecanismo de concentração e empobrecimento, além de matar pessoas, depois de muito tempo, pode chegar inclusive a atingir uma parte dos próprios bancos. A solução Keynesiana de "gastem e se endividem com juros baixos", já foi aplicada. E agora restam poucos instrumentos para recuperar a saúde da economia.   

Nesta situação desesperadora, com a Europa à beira de um ataque de nervos, é onde verificamos os reais limites da democracia representativa e da unificação através de mercados, como não condizentes com as promessas tanto de Bem-Estar Social como de exercício soberano da vontade das maiorias. Os governos de Portugal, Espanha e Grécia estão diante de um túnel do tempo, retrocedendo ao período em que na América Latina, o FMI ditava as regras e o Poder Executivo de nossos países operava como títere deste organismo multilateral.

Mas, como sempre, há esperança e esta vem de baixo. A democracia se reinventa nas praças das maiores cidades espanholas e nas ruas da Grécia.
A crise grega é analisada por Bruno Lima Rocha, cientista político, docente de comunicação e pesquisador da Unisinos, vinculado ao Grupo Cepos, do PPG em Comunicação da Unisinos e por Fábio López López, economista.

Eis o artigo.

O dia 29 de junho de 2011 implica numa amarga derrota para a idéia de democracia européia em geral e, particularmente, deixa a Grécia de joelhos diante do Fundo Monetário Internacional (FMI), este operando como cabeça de ponte dos agentes do sistema financeiro a comprometer a banca oficial na Europa unificada. Apesar da cultura política grega ter alto nível de violência e conflito, o que se viu ultrapassa um quebra-quebra de manifestantes revoltados. O espanto calamitoso de um governo de centro-esquerda (do PASOK) eleito (mais um dentre tantos) para frear a "crise" e que termina servindo como aríete dos financistas contra os direitos das maiorias, significando para seus eleitores algo dramático, tal como uma punhalada pelas costas, uma traição profunda. Grécia, Espanha e Portugal acordam assustadas do sonho de prosperidade europeu, bancado pelo euro, Alemanha e França e retornam para o sul do mundo, de onde em tese teriam saído há mais de trinta anos.

No Velho Mundo, a chamada crise das sub-primes, ou como dizem os manifestantes do 15-M espanhol, "a estafa com nome de crise", retoma o conceito do Sul da Europa, ou Semi-periferia. Há algo em comum entre Espanha, Portugal e Grécia, além de terem sido os últimos países europeus a realizar a transição para a democracia representativa e haver recebido volumosos fundos da União Européia. Estes três Estados perderam qualquer capacidade de decisão soberana sobre seus próprios recursos e destinos, condicionando assim as vontades das maiorias democraticamente exercidas a um jogo de faz de conta. Governo que entra governo que sai, e a partir dos convênios e pacotes firmados junto ao FMI, restaria pouquíssima margem de manobra para os novos executivos e os blocos parlamentares de sustentação.

Como sempre ocorre, a noção de ordem previamente estabelecida, mesmo sendo fantasiosa, dá um sentido tranqüilizante para a maioria. Mas, a bem da verdade, "em economia a maioria sempre se equivoca". A frase não é nossa, é simplesmente de John Kenneth Galbraith, economista muito citado e cujo pensamento pouco se encontra nas publicações especializadas. Tal citação está na coluna da respeitada economista Amparo Estrada, no jornal espanhol de centro-esquerda Publico.es. Enfim, não se trata necessariamente de uma publicação de economia política crítica e muito menos autogestionária. É apenas mais um esforço contra a maré de desinformação sistemática oriunda da fábrica de sentidos (ou mentiras) da besta financeira. Porque o que houve na economia européia não foi o excesso de gasto público como garantia de um patamar mínimo do Estado de Bem-Estar Social, co-existindo num mundo de Globalização Capitalista sob pressão dos países do G-20 (liderados pela China). A diferença da estafa dos fundos de investimento e a bolha imobiliária dos EUA, na Europa foi o sistema financeiro formal que entrou na jogatina. A contaminação de bancos de correntistas e varejo, levou aos líderes europeus a convocar uma política de "salva bancos", retirando dos tesouros nacionais e aumentando o endividamento público como garantia de que os maiores bancos não quebrassem. Como o sistema financeiro de moeda única é subordinado ao Banco Central Europeu, este executa acordos supra-nacionais, forçando "políticas de austeridade" como garantia de pagamento das dívidas dos Estados, mantendo assim o fluxo de dinheiro público para o sistema financeiro. Como se diz na gíria dos críticos da direita financeira (ideologicamente vinculada ao mundo das finanças e especulação sem lastro), "a besta está cada vez mais faminta".

Ao contrário do apregoado pelos arautos do sistema, e repetido em laudas sem fim nas redações e faculdades de economia, o problema de fundo não reside na redução dos gastos públicos e sim na luta por tornar-se dono de sua capacidade de endividamento. Como nos explica o economista de linha crítica keynesiana, Vincenç Navarro (http://www.vnavarro.org/), no neoliberalismo o Estado não é um problema e sim a solução, como fonte quase inesgotável de financiamento e rolagem de dívida. É exatamente o termo de subordinação, sujeição coletiva, que foi recém votado na Grécia (no Parlamento, fabricando salsichas como se diz na gíria do meio) e antes esteve na Islândia e fora rejeitado. Tem uma diferença. Na "terra do frio", a população foi a plebiscito e decidiu-se por não pagar as dívidas com o sistema financeiro lá operando e que chegara ao ponto absurdo de gerar moeda. Os gregos refizeram a ágora democrática a base de pau e pedra enquanto os parlamentares, mais uma vez, traíam a representação soberana dos cidadãos. Na Islândia a ameaça da besta se cumpriu. Os bancos europeus retaliaram e fizeram uma gritaria, afirmando que o capitalismo corria risco sistêmico. Na verdade, dura e crua, é que são os maiores bancos da Europa os causadores da crise, os beneficiados da estafa e os grandes interessados na aceitação dos "pacotes de austeridade", garantindo assim que a taxação destes Estados sobre seu povo seja a garantia de pagamento da dívida para com os próprios bancos.

A Grécia é o típico exemplo de um governo títere, assessorado por um lobo a tomar conta do galinheiro. Explicamos. No governo anterior do Partido Conservador (ND), o Ministério da Economia teve como "consultores" aos executivos do Goldman Sachs, a mesma empresa de fundos de risco que produzira enormes rombos no caixa dos EUA, além de emplacar o último secretário do Tesouro de Bush Jr, Henry Paulson, ex-executivo da Goldman Sachs e um dos campeões mundiais em recebimento de "bônus de produtividade!". O Estado grego, de tão bem assessorado que foi, maquiou seus balanços (tal e como o golpe da empresa Enron, a primeira grande estafa na era dos papéis podres) e aumentou sua dívida para além do acordo europeu (60% de endividamento e 3% de déficit público). O buraco sem fim foi alargado nas obras para as Olimpíadas de 2004 e, simultaneamente, em operações criminosas de swap cambial, cuja aleatoriedade era nenhuma e o Banco Central grego acabava pagando mais do que podia aos apostadores da roleta digital. A dívida crescera em exorbitância. Agora, que não tem mais como rolá-la, o Banco Central Europeu (BCE) oferece o beijo de vampiro através do FMI, o mesmo que instaurara o absurdo corralito ao final do governo De la Rúa, resultando na rebelião piquetera, no cacelorazo e sua derrubada através de uma pueblada aos gritos do lema: "que se vayan todos!".

Estes dados – irrefutáveis – justificam a tese que da subordinação coletiva, onde os Estados Nacionais adotam tais políticas que beneficiam os bancos e porque aceitam ser "assessorados" por banqueiros. Os Estados Soberanos deixaram de ser soberanos, por conta do seu nível de endividamento, implicando na perda ainda maior da já pouca soberania popular através do voto e outros mecanismos de democracia indireta. Eles são dependentes do crédito dos banqueiros, que usam tal poder para impor políticas aos Estados. Basta imaginar a condição de chantagem que um grande conglomerado pode fazer ao dizer... "não compro mais seus títulos para rolagem da divida soberana!" Isso ocorreu em sucessivos ataques contra moedas de países-alvo, desde o Efeito Tequila (1994 e 1995), passando pela crise da Rússia (1998, 1999) e agora após a quebra de 2008. Atualmente os bancos agora são sócios do Estado, fenômeno este já antes verificado nas monarquias absolutistas e em Cidades-Estado como Veneza e Florença.

Qualquer semelhança com a rebelião grega não é nenhuma coincidência. De forma quase ininterrupta, os gregos estão nas ruas desde outubro de 2008. Na ocasião, o assassinato pela polícia de um jovem libertário em uma manifestação noturna, acendeu a chama em uma juventude marcada pela alta qualificação nos estudos formais e quase nenhuma perspectiva de emprego e independência financeira. Ao longo de 2010, após o ataque planejado contra a moeda grega, ato este que ocorrera em fevereiro de 2010 em uma reunião informal de mega especuladores (big shots) das finanças em escala mundial, somou-se à rebelião de juventude marcada por aspectos de contracultura anti-autoritária, o esforço organizativo dos sindicatos daquele país. O resultado são greves gerais contínuas e a não legitimidade do governo do Pasok (centro-esquerda, da mesma linha do PSOE espanhol) que tenta empurrar o acordo com o FMI goela abaixo através de maioria parlamentar conseguida no acordo com a extrema direita. 

Na Espanha, a partir de 15 de maio do corrente ano, uma parcela significativa da juventude espanhola (até 30 anos de idade), convoca acampamentos nas praças, boicotando a política oficial e não participando das eleições municipais. Neste pleito, surge o típico paradoxo da democracia representativa. O Partido Popular (misto de pós-franquismo com neoliberalismo selvagem, co-representado pelo grupo midiático Intereconomía) tem uma vitória arrebatadora, galvanizando o voto de protesto contra as vacilações de José Luiz Zapatero (PSOE) e sua demora, tanto em tomar medidas contra a estafa bancária (repito, chamada de "crise" pelos supostos especialistas), como em diminuir la fiesta, a farra dos gastos públicos, aumentando a política de pão e circo, através do consumo cultural de massa, o futebol enriquecido e o lazer de larga escala.

A fraude com nome de "crise", seus mecanismo de desinformação

É hora de chamar os economistas neoliberais (tanto os da escola austríaca como os tributários de Chicago) para a peleia intelectual, desembainhando as adagas e duelando. Qualquer economista político de mediana capacidade desmente estas premissas pseudo-científicas, que nada mais são do que modelos doutrinários pré-concebidos. Tanto a leitura do já citado espanhol Vincenç Navarro, como do professor da PUC-SP, Ladislau Dowbor (http://www.dowbor.org/) em seus excelentes ensaios "A crise financeira sem mistérios" e "Manifesto por uma Democracia Econômica", bastam para compreender os mecanismos da estafa que a mídia "especializada" (como The Economist, ou Intereconomía da Espanha) batizara de "crise", como para interpretar as formas de discurso que busca re-legitimar os pactos entre Estados através dos interesses de bancos e fundos de investimento.

Vale observar mais uma vez o fenômeno da desinformação estrutural, implicando nos sentidos massificados pela mídia corporativa e a favor da globalização transnacional capitalista. Mesmo não sendo cientificamente comprovado, reconhecemos que o termo crise é o mais evidente, e que não fica tão nítida para o leitor, sobre o que se sustenta a tese de q na verdade não existe uma crise. A média das pessoas está convencida de que a "crise" existe e simplesmente afirmar que isso é uma invenção de alguns agentes manipuladores, parece insuficiente. Reconhecemos, é necessário algo que justifique ou explique isso, alguma evidencia. Este conceito da "fraude com nome de crise" pode ser afirmado a partir do postulado de que é impossível haver equívoco entre agentes com experiência e forte posição de mercado, quando estes mesmos agentes são detentores de informação perfeita. Estes são os causadores das fraudes em escala global, cuja conta que não fecha e é comprometedora de todo o sistema financeiro, termina por afogar os caixas nacionais, ou supra-nacionais, como é  o caso da Europa unificada. Estes são os causadores da "crise", os mega especuladores, os fraudadores, cujas posições iniciais terminam por gerar o comportamento de manada nos demais especuladores e agentes com menor poder de barganha.

A desfaçatez é tamanha que o próximo presidente do Banco Central Europeu já traz consigo a marca da direita financeira. O italiano Mario Draghi, que irá assumir no início de 2012, é um operador das privatizações de estatais italianas, incluindo o muito conhecido no Brasil imbróglio da Telecom Italia – que tem conseqüências na disputa de controle pela Brasil Telecom contra o Citigroup, tendo como fiel da balança e voto de minerva na composição acionária a ninguém menos do que o Opportunity na figura de Daniel Dantas. Além disso, Draghi é simplesmente um ex-alto executivo da Goldman Sachs, empresa de fundos de investimento de risco cujo DNA está contém uma das maiores fraudes em papéis e ativos da história mundial, cujo operador principal fora Henry Paulson. Esta é outra evidência para expormos a tese de dependência dos Estados ao setor financeiro privado ou para-estatal. O poder desses agentes é tanto que eles escolheram o presidente do BC europeu.

A Europa do Sul é a América Latina de ontem?

A situação de Portugal, Espanha e Grécia é pior que a dos países da América Latina sob alguns aspectos. O fato destes países não terem a senhoriagem do dinheiro, não poderem desvalorizar seu câmbio, apenas aprofundará o sofrimento desses povos. Num momento como esse, um país que manda em sua moeda pode recorrer a uma desvalorização. Assim, com essa desvalorização, se redefinem os preços dentro do país e compensa a ineficiência produtiva deste. Deste modo, em um momento de queda de demanda (família, governos – central e sub-nacionais – e empresários param de gastar e investir) a demanda externa pode amenizar a situação. É preciso recordar que, para estes países, a adoção do euro foi dolorosa, pois os cidadãos sentiram a perda no realinhamento dos preços – sendo tudo arredondado para cima, menos os salários. Muito parecido com os primeiros anos da adoção do Plano Real no Brasil, quando saímos da estagflação (estagnação econômica com inflação galopante), para a estagnação com a economia estável. Em suma, fizeram um pobre grego usar uma moeda do nível da Alemanha, cabendo a esta última pagar a maior parte da conta da Europa inteira.

Não apenas estes países estão enrascados, a Itália, por exemplo, logo entra no mesmo problema. Isto pode gerar efeitos de aprofundamento do problema, chegando ao conjunto da União Européia, comprometendo, por motivos de interdependência, uma grande parcela da economia mundial. Nunca é demais lembrar que o mecanismo de concentração e empobrecimento, além de matar pessoas, depois de muito tempo, pode chegar inclusive a atingir uma parte dos próprios bancos. A solução Keynesiana de "gastem e se endividem com juros baixos", já foi aplicada. E agora restam poucos instrumentos para recuperar a saúde da economia.   

Nesta situação desesperadora, com a Europa à beira de um ataque de nervos, é onde verificamos os reais limites da democracia representativa e da unificação através de mercados, como não condizentes com as promessas tanto de Bem-Estar Social como de exercício soberano da vontade das maiorias. Os governos de Portugal, Espanha e Grécia estão diante de um túnel do tempo, retrocedendo ao período em que na América Latina, o FMI ditava as regras e o Poder Executivo de nossos países operava como títere deste organismo multilateral.

Mas, como sempre, há esperança e esta vem de baixo. A democracia se reinventa nas praças das maiores cidades espanholas e nas ruas da Grécia.


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