Eleonora de Lucena, via Folha online em 30/8/2015
A nova classe média, que foi integrada pelo consumo, é ingrata a quem lhe dá condições para ascender. Tende a se identificar com os que estão acima dela e não com os que estão abaixo. Também não será leal a outros governos. Para isso, terá que ser intimidada.
O alerta é do sociólogo e economista português Boaventura Sousa Santos, 74. Segundo ele, se houver um ciclo político pós-PT, “ele será dominado pela inculcação do medo que leve à resignação das classes médias e populares”.
Na análise do professor da Universidade de Coimbra, há também “o interesse do big brother em que desapareçam de cena governos nacionalistas que retiram ao mercado internacional recursos, como o pré-sal e a Petrobrás. Está em curso na região um novo intervencionismo soft”.
Nesta entrevista à Folha, concedida por e-mail, ele trata da ascensão de movimentos políticos na Grécia e na Espanha e os rumos da esquerda. “Não estamos em tempo de coerência política. Veja o caso do Syriza. A crise sempre desacreditará a esquerda enquanto esta não aprender a desacreditar a crise”, afirma
Folha – Como vai a esquerda pelo mundo? Está em avanço ou em retrocesso?
Boaventura de Sousa Santos – O mundo é demasiado vasto para que possamos ter uma ideia global de como vai a esquerda, até porque em muitas regiões do mundo as clivagens sociais e políticas são definidas em dicotomias distintas da dicotomia esquerda/direita. Por exemplo, secular/religioso, cristão/ muçulmano, hindu/muçulmano, branco/negro, etnicamente X/etnicamente Y. Na medida em que a dicotomia está presente, a definição dos seus termos é, em parte, contextual. Nos EUA, o partido democrático é um partido de esquerda, mas na Europa ou América Latina seria considerado um partido de direita. O partido comunista chinês é de esquerda? Com estas cautelas, há que começar por perguntar: o que é a esquerda? À escala do mundo só é possível uma resposta minimalista. Esquerda é toda a posição política que promove todos (ou a grande maioria dos) seguintes objetivos: luta contra a desigualdade e a discriminação sociais, por via de uma articulação virtuosa entre o valor da liberdade e o valor da igualdade; defesa forte do pluralismo, tanto nos mídia como na economia, na educação e na cultura; democratização do Estado por via de valores republicanos, participação cidadã e independência das instituições, em especial, do sistema judicial; luta pela memória e pela reparação dos que sofreram (e sofrem) formas violentas de opressão; defesa de uma concepção forte de opinião pública, que expresse de modo equilibrado a diversidade de opiniões; defesa da soberania nacional e da soberania nacional de outros países; resolução pacífica dos conflitos internos e internacionais. Se esta definição, apesar de minimalista, parecer maximalista, isso é já parte da minha resposta. Ou seja, olhando mundo à nossa volta, um mundo de concentração da riqueza a um nível sem precedentes, de corrução endémica, de racismo e de xenofobia, de esvaziamento da democracia por via da privatização do Estado por parte de interesses poderosos, de concentração midiática, de guerras internacionais e civis de alta e de baixa intensidade, não podemos deixar de concluir que um mundo assim não é um mundo cuidado pela esquerda. É, de fato, um retrato cruel da crise da esquerda.
A crise de 2008 e as medidas de austeridade impulsionaram movimentos de protesto em vários países, como na Espanha e na Grécia. Há uma leitura global para isso? A esquerda soube aproveitar o tempo de crise capitalista?
As medidas de austeridade são o que fora da Europa sempre se chamou política de ajuste estrutural, uma política de que sempre foi campeão o FMI. São sempre medidas de privatização e de concentração da riqueza nacional, de redução das políticas sociais (saúde, educação, pensões etc.) e de diminuição do peso do Estado na economia e na sociedade. Tem-se chamado, a essa política, neoliberalismo. Essa política foi seguida nos últimos 30 anos em muitas partes do mundo e, portanto, muito antes da crise de 2008. A crise de 2008 foi o resultado da desregulação do capital financeiro na década anterior. E o mais dramático foi que a crise foi “resolvida” por quem a causou. Daí a situação de volatilidade financeira permanente em que nos encontramos. Na Europa, a crise de 2008 acabou por ser o pretexto para estender a política neoliberal a uma das regiões mais ricas do mundo. Os movimentos de protesto foram muito distintos mas tiveram, em geral, duas bandeiras: a luta contra a concentração da riqueza (os 99% contra os 1%) e pela democracia real (no caso da Primavera Árabe era luta pela democracia sem adjetivos). Essas duas bandeiras estão inscritas no DNA da esquerda. Mas, na Europa, a esquerda social democrática (partidos socialistas e partido trabalhista inglês) tinham-se rendido há muito ao neoliberalismo através do que se chamou a terceira via, que, de fato, foi um beco sem saída. Nessa esquerda não havia alternativa à resolução da crise financeira mesmo que tivesse havido poder para a impor. Na esquerda-à-esquerda houve novidades. Tanto na Grécia como na Espanha houve vitórias importantes, a emergência do Syriza e do Podemos. Mas o problema maior foi que a esquerda europeia no seu conjunto não se deu conta de que o Banco Central Europeu e o euro tinham sido criados segundo o mais puro catecismo neoliberal. Disso resultou que as instituições europeias são hoje mais neoliberais que os diferentes Estados europeus e têm um poder enorme para intervir neles, sobretudo nos mais pequenos e periféricos.
Na América Latina, houve avanços nos partidos de esquerda no início do século 21. Esse movimento continua? Parou? Há retrocesso?
Foi uma das novidades políticas mais brilhantes do século 21, num momento em que havia poucas boas notícias no mundo. Teve causas e perfis diferentes nos vários países mas, em geral, os partidos ou movimentos de esquerda chegaram ao poder na base de fortes mobilizações populares contra as políticas neoliberais. Essa energia progressista tinha sido anunciada com muito vigor no primeiro Fórum Social Mundial em janeiro de 2001. Os avanços consistiram, por um lado, na ampliação da classe política governante que passou a incluir membros das classes populares e dos movimentos sociais e sindicais (incluindo presidentes, no caso do Brasil, um operário; no caso da Bolívia, um indígena). E, por outro lado, em combinar a aceitação das regras impostas pela ordem econômica global com políticas sociais compensatórias (na maioria não universais) que permitiram significativa redistribuição social e que, no conjunto, foram designadas como social democracia à latino-americana. A ordem econômica global impunha na América Latina um novo extrativismo, uma exploração sem precedentes dos recursos naturais (agricultura industrial, exploração petrolífera e mineira, megaprojetos hidrelétricos e de outras infraestruturas) impulsionado pelo crescimento assombroso da China. O Estado acumulou recursos (tal como o sistema bancário acumulou lucros), o que permitiu uma redistribuição social significativa e uma grande ampliação do sistema educativo superior. Destes dois pilares surgiu uma nova classe média ansiosa por se integrar na sociedade de consumo.
Qual sua avaliação sobre a grave crise que ocorre no Brasil? Por que a base política da presidente se erodiu tão rapidamente? Há chance de impeachment?
No momento em que o crescimento da China começou a abrandar, este modelo socioeconómico começou a colapsar. Para manter os níveis de redistribuição social seria necessário tributar os mais ricos e isso não é possível em contexto de neoliberalismo. As novas classes médias foram integradas pelo consumo e não pela cidadania. E pelo tipo de consumo que era próprio das velhas classes médias e altas. Não se pensou em novos tipos de consumo (transportes públicos) nem em qualificar os serviços públicos que tinham agora mais clientes mais exigentes (dos serviços de saúde às universidades). A nova classe média é tipicamente ingrata a quem lhe dá condições para ascender ao novo estatuto e tende a identificar-se com os que estão acima dela e não com os que estão abaixo. Os que estão acima são os que sempre olharam com suspeita os governos progressistas. Além de tudo, estes governos traziam uma nova classe política feita de gente de baixo que a gente de cima, numa sociedade classista e cheia de ranço colonial, olhava e olha com desprezo e até com repugnância. Acontece que esta nova classe política, também ela própria se quis identificar com a gente de cima que sempre tinha dominado o poder político durante muitas décadas. Isto significava governar à moda antiga para atingir objetivos novos. Ou seja, tirar da governação os mesmos benefícios que a gente de cima sempre tinha tirado, quer por vias legais, quer por vias ilegais. Foi, em parte, por isso que nunca se fez a anunciada reforma política. Foi uma tentação fatal porque os mesmos atos de governo, os mesmos erros e as mesmas ilegalidades têm consequências diferentes quando são cometidos por grupos sociais diferentes. Não há hoje mais corrução no Brasil que nos períodos anteriores; ela é apenas mais visível porque há mais interesse político em expô-la. E não esqueçamos a dimensão externa da crise política: o interesse do big brother em que desapareçam de cena governos nacionalistas que retiram ao mercado internacional recursos, como o pré-sal e a Petrobras. Está em curso na região um novo intervencionismo soft de que iremos ter mais notícias. Se houver impeachment será um enorme retrocesso para o processo democrático brasileiro, pelo menos até se provar algum ato ilegal em que a presidente esteja envolvida, o que até agora não aconteceu.
Eleita, a presidente adotou medidas contra teses da esquerda e desagradou boa parcela de seus apoiadores nesse campo. O que Dilma deveria fazer para recompor sua base? A crise desacreditou a esquerda?
Não estamos em tempo de coerência política. Veja o caso do Syriza. A crise sempre desacreditará a esquerda enquanto esta não aprender a desacreditar a crise. Em momentos de crise, o número de bilionários continua a crescer, o que significa que a crise não é de todos e que, pelo contrário, há muitos que enriquecem com ela. No caso do Brasil, tenho pena que a presidente não tenha avançado com a reforma política, o que implicava uma assembleia constituinte originária. Seria uma aposta difícil, mas era o único tema em que a sua base podia ir buscar apoios mais amplos. Seria o começo da resolução de todos os outros problemas, num país em que o poder do proselitismo endinheirado capturou a grande sede do poder dos cidadãos, o Congresso. Sem essa reforma política não será possível uma política de esquerda sustentável.
Muitos afirmam que o real alvo dessa crise política é o ex-presidente Lula. O senhor concorda com essa visão?
Concordo mas com mágoa. O fato de o PT precisar do regresso de Lula da Silva é a prova de que não pôde ou não soube renovar-se. O presidente Lula tem já assegurado um lugar destacado na história contemporânea
do Brasil.
Muitas análises consideram que o PT deve perder a eleição em 2018 em razão dos escândalos de corrupção e da forte recessão na economia. Qual seu ponto de vista?
Normalmente essas análises visam criar profecias auto-realizadas. A corrupção, venha donde venha, deve ser punida. A recessão econômica não é culpa do governo, tal como o boom anterior não foi criado por ele. A seu crédito está apenas o modo como o utilizou para realizar uma redistribuição social que transformou o país para sempre. A nova classe média, que agora se mostra ingrata ao PT, não será mais leal durante muito tempo a outros governos. Para que seja leal terá de ser intimidada. Penso que se houver a curto prazo um ciclo político pós-PT, ele será dominado pela inculcação do medo que leve à resignação das classes médias e populares perante uma quebra do nível de vida que de todos modos vai ocorrer.
Qual o futuro do PT? Alguns defendem que seria necessário refazer as alianças à esquerda para discutir um novo projeto. Estaria no horizonte a formação de um novo partido ou partidos de esquerda, como ocorreu, por exemplo, na Espanha?
Costumo dizer que os sociólogos são bons a prever o passado. As transformações a realizar são de tal ordem que a questão do PT do futuro, ou, se quiser, da esquerda do futuro, implica a questão de saber se há ou não futuro para o PT ou para a esquerda. Na Europa estamos a aprender pela via mais dolorosa que o que se não aprendeu tranquilamente em tempos de bonança tem de se aprender aos solavancos em tempos de borrasca.
Há paralelos entre o PT e o PSOE? Ou entre o PT e o partido socialista francês?
São histórias muito diferentes que enigmaticamente conduzem a presentes com fortes semelhanças. O PT nasceu de movimentos sociais de base popular com a radicalidade discursiva da esquerda-à-esquerda. Mas com um programa moderado, reverente perante o FMI, e consistindo numa política social democrática menos universal que a europeia, mas igualmente informada pela ideia de maximizar a justiça social permitida pelo capitalismo. O PT o PSOE e o PS francês vivem o dilema de já não existir o capitalismo em que podiam florescer. O neoliberalismo transformou a desigualdade social e o individualismo em suprema virtude (o empreendedorismo) e não se sente ameaçado por nenhuma força social que o obrigue a agir de outro modo.
Na Grécia, o Syriza venceu as eleições, o plebiscito, mas acabou cedendo à troica. Quais os reflexos em outros partidos de esquerda? Eles podem ficar desacreditados com a ideia de que não conseguem levar adiante uma alternativa?
O que se passa na Grécia é um desafio total à imaginação política, particularmente à de esquerda. Nas próximas eleições (20 de setembro) o Syriza vai a votos com um programa que é o oposto do aprovado no último congresso do partido. É um programa de austeridade e não de anti-austeridade e é a tradução em grego do memorandum da troika. Os dissidentes do Syriza criaram um novo partido que vai a votos com o antigo programa do Syriza, acrescentado da proposta da saída do euro e regresso ao dracma. É provável que o Syriza ganhe as eleições. [Alexis] Tsipras pensa mesmo na maioria absoluta, para o que lhe basta ter (segundo o sistema eleitoral grego) cerca de 40% dos votos. Será imaginável uma aliança pós-eleitoral entre o Syriza e os dissidentes do Syriza? Decididamente a realidade política corre hoje muito mais rápido que a análise política, pelo menos na Europa.
Na Espanha, o Podemos surgiu com uma nova força. O partido é uma referência para o movimento de esquerda no mundo de hoje? Por quê?
O Podemos é o partido que na Europa melhor interpretou a crise da democracia esvaziada de cidadania e ocupada por antidemocratas, plutocratas (detentores de dinheiro) e até cleptocratas (ladrões). Fê-lo trazendo para a política os cidadãos que a teoria política (e a esquerda em particular) considerava despolitizados porque não participantes nem em movimentos sociais nem em partidos. Ora, a grande maioria da população não participa nem nuns nem noutros. E, por vezes, nem sequer vota. Mas isso não significa que não acompanhe a política nacional e não se revolte com a injustiça e a corrupção. Só não vê meios credíveis e eficazes para participar. O Podemos ofereceu-lhe esse meio.
O que o Podemos tem de diferente em relação a partidos de esquerda tradicionais? Como ele deve ser definido? É de esquerda, de centro-esquerda, moderado?
O Podemos é até agora a melhor formulação do que pode ser a esquerda no século 21. Tem de passar por uma reinvenção da esquerda. Esse objetivo faz com que o Podemos nem sequer se reveja na dicotomia esquerda/direita tal como está a esquerda hoje. Mas sabe bem o que é a direita e sabe que a direita está bem porque está no poder e porque tem a seu favor o capitalismo financeiro mundial –o que lhe dá um capital de confiança que nenhum grupo social lhe poderia dar. Nem sequer a burguesia nacional, se é que esse conceito ainda hoje tem validade, dada a internacionalização profunda do capitalismo. Podemos é o primeiro partido a assumir o que muitos teóricos (eu próprio incluído) defenderam: para levar a sério a articulação entre democracia representativa e democracia participativa, os partidos de esquerda têm de a adotar no seu seio. A escolha dos programas e dos candidatos tem de ser feita pelos mecanismos de democracia participativa, pelos cidadãos organizados em círculos temáticos ou regionais. Quem ainda se lembra do orçamento participativo de Porto Alegre sabe o que isso é. Foi, aliás, aqui que o Podemos bebeu a inspiração.
O Podemos poderá unificar as esquerdas na Espanha? Quais são os obstáculos para que isso ocorra? E a Esquerda Unida?
Dificilmente, ainda que algum progresso interessante esteja a ser feito neste domínio ao nível das regiões autônomas. Podemos tem feito um esforço notável para essa unificação, o que nem sempre é fácil por ser “a força de câmbio” e não querer perder a sua identidade no meio de outras (velhas) esquerdas. É ainda muito grande o peso da história na esquerda europeia e há muito individualismo egocêntrico disfarçado de diferença política. A Esquerda Unida saiu derrotada das últimas eleições e busca reconstruir-se numa nova frente popular. Tem um jovem líder que podia estar no Podemos e a quem, aliás, Pablo Iglesias propôs que integrasse a sua lista de candidatos. O aparelho do partido é velho e não responde ao anseio de renovação do seu líder. Mas a Esquerda Unida tem na base muitos quadros que podiam ser preciosos para a implantação sustentável do Podemos.
Quais as semelhanças e diferenças entre o Podemos e o Syriza?
O Podemos é uma emergência dos movimentos dos indignados enquanto o Syriza tem raízes na esquerda mais tradicional. O Syriza nunca ousaria problematizar se é ou não de esquerda. Mas ambos são o resultado de uma conglomeração de forças políticas e movimentos sociais. Ambos viram bem a ameaça do neoliberalismo na Europa e ambos estão a mostrar grande flexibilidade. Até onde pode ir essa flexibilidade é uma incógnita. Por agora, o Podemos não vai mais longe do que se abrir a uma coligação com o PSOE. Penso que nunca iria tão longe quanto o Syriza na aceitação da austeridade europeia, não só porque a situação na Espanha é muito diferente da grega, como, sobretudo, porque os círculos de cidadãos não permitiriam.
Um desgaste maior do Syriza poderia atingir o Podemos?
Sim. Não diretamente, mas através do peso que terá na opinião pública uma eventual derrota incondicional do Syriza. O objetivo das instituições europeias é liquidar qualquer hipótese de contestação à política de austeridade. Se o Podemos se sair bem nas próximas eleições significará que os cidadãos não se estão a deixar intimidar pela ortodoxia de Bruxelas.
Desde a queda do Muro de Berlim (antes, talvez), as esquerdas no mundo parecem desnorteadas. O senhor concorda com essa afirmação? Como explicar esse processo? Ele está sendo modificado agora? As esquerdas estão perdendo uma oportunidade histórica?
Ao longo do século passado, a esquerda foi constituída pela crença de que havia uma alternativa ao capitalismo. Todas as divisões dentro da esquerda (revolução/reformismo, luta armada/luta pacifica, comunismo/socialismo democrático) partiram da possibilidade dessa alternativa. Quando, a partir da década de 1960, a social democracia abandonou a ideia de alternativa ao capitalismo, a sua política passou a centrar-se na ideia de regulação e tributação do capitalismo para permitir a paz social e garantir a justiça social possível através do estado de bem-estar. A existência do Bloco de Leste fez com que o capitalismo aceitasse o compromisso. Findo o Bloco, não havia mais razões para aceitar limitações tão drásticas à remuneração do capital. A queda de Muro de Berlim não foi apenas o fim do comunismo. Foi também o fim da social democracia.
Em debate na Espanha, o senhor falou de um movimento ainda embrionário em Portugal. O que ocorre?
Está em curso uma reorganização das forças de esquerda que eventualmente só dará frutos daqui a vários anos. No presente período eleitoral (eleições em 4 de outubro) serão todas punidas (incluindo eventualmente o PS) com a possível exceção do Partido Comunista Português, que tem um eleitorado leal e absorve como nenhum outro o voto de protesto contra a injustiça social. A punição da esquerda deve-se a três fatores: o PS não se propõe realizar uma política muito diferente da seguida pela coligação de direita no poder; a esquerda-à-esquerda está, por agora, mais dividida que nunca; o governo e as instituições europeias conseguiram convencer os portugueses de que o pior já passou e que a política de austeridade deu certo. Por agora, Portugal é um caso de sucesso. Sobre o que virá depois das eleições nada se diz.
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BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS: PARA LER EM 2050
Boaventura de Sousa Santos, via Outras Palavras em 30/8/2015
Quando um dia se puder caracterizar a época em que vivemos, o espanto maior será que se viveu tudo sem antes nem depois, substituindo a causalidade pela simultaneidade, a história pela notícia, a memória pelo silêncio, o futuro pelo passado, o problema pela solução. Assim, as atrocidades puderam ser atribuídas às vítimas, os agressores foram condecorados pela sua coragem na luta contra as agressões, os ladrões foram juízes, os grandes decisores políticos puderam ter uma qualidade moral minúscula quando comparada com a enormidade das consequências das suas decisões. Foi uma época de excessos vividos como carências; a velocidade foi sempre menor do que devia ser; a destruição foi sempre justificada pela urgência em construir. O ouro foi o fundamento de tudo, mas estava fundado numa nuvem. Todos foram empreendedores até prova em contrário, mas a prova em contrário foi proibida pelas provas a favor. Houve inadaptados, mas a inadaptação mal se distinguia da adaptação, tantos foram os campos de concentração da heterodoxia dispersos pela cidade, pelos bares, pelas discotecas, pela droga, pelo Facebook.
A opinião pública passou a ser igual à privada de quem tinha poder para a publicitar. O insulto tornou-se o meio mais eficaz de um ignorante ser intelectualmente igual a um sábio.
Desenvolveu-se o modo de as embalagens inventarem os seus próprios produtos e de não haver produtos para além delas. Por isso, as paisagens converteram-se em pacotes turísticos e as fontes e nascentes tomaram a forma de garrafa. Mudaram os nomes às coisas para as coisas se esquecerem do que eram. Assim, desigualdade passou a chamar-se mérito; miséria, austeridade; hipocrisia, direitos humanos; guerra civil descontrolada, intervenção humanitária; guerra civil mitigada, democracia. A própria guerra passou a chamar-se paz para poder ser infinita. Também a Guernika passou a ser apenas um quadro de Picasso para não estorvar o futuro do eterno presente. Foi uma época que começou com uma catástrofe, mas que em breve conseguiu transformar catástrofes em entretenimento. Quando uma catástrofe a sério sobreveio, parecia apenas uma nova série.
Todas as épocas vivem com tensões, mas esta época passou a funcionar em permanente desequilíbrio, quer ao nível coletivo, quer ao nível individual. As virtudes foram cultivadas como vícios e os vícios como virtudes. O enaltecimento das virtudes ou da qualidade moral de alguém deixou de residir em qualquer critério de mérito próprio para passar a ser o simples reflexo do aviltamento, da degradação ou da negação das qualidades ou virtudes de outrem. Acreditava-se que a escuridão iluminava a luz, e não o contrário.
Operavam três poderes em simultâneo, nenhum deles democrático: capitalismo, colonialismo e patriarcado; servidos por vários subpoderes, religiosos, mediáticos, geracionais, étnico-culturais, regionais. Curiosamente, não sendo nenhum democrático, eram o sustentáculo da democracia-realmente-existente. Eram tão fortes que era difícil falar de qualquer deles sem incorrer na ira da censura, na diabolização da heterodoxia, na estigmatização da diferença. O capitalismo, que assentava nas trocas desiguais entre seres humanos supostamente iguais, disfarçava-se tão bem de realidade que o próprio nome caiu em desuso. Os direitos dos trabalhadores eram considerados pouco mais que pretextos para não trabalhar. O colonialismo, que assentava na discriminação contra seres humanos que apenas eram iguais de modo diferente, tinha de ser aceito como algo tão natural como a preferência estética. As supostas vítimas de racismo e de xenofobia eram sempre provocadores antes de serem vítimas. Por sua vez, o patriarcado, que assentava na dominação das mulheres e na estigmatização das orientações não heterossexuais, tinha de ser aceito como algo tão natural como uma preferência moral sufragada por quase todos. Às mulheres, homossexuais e transsexuais haveria que impor limites se elas e eles não soubessem manter-se nos seus limites.
Nunca as leis gerais e universais foram tão impunemente violadas e seletivamente aplicadas, com tanto respeito aparente pela legalidade. O primado do direito vivia em ameno convívio com o primado da ilegalidade. Era normal desconstituir as Constituições em nome delas.
O extremismo mais radical foi o imobilismo e a estagnação. A voracidade das imagens e dos sons criava turbilhões estáticos. Viveram obcecados pelo tempo e pela falta de tempo. Foi uma época que conheceu a esperança, mas a certa altura achou-a muito exigente e cansativa. Preferiu, em geral, a resignação. Os inconformados com tal desistência tiveram de emigrar. Foram três os destinos que tomaram: iam para fora, onde a remuneração econômica da resignação era melhor e por isso se confundia com a esperança; iam para dentro, onde a esperança vivia nas ruas da indignação ou morria na violência doméstica, no crime comum, na raiva silenciada das casas, das salas de espera das urgências hospitalares, das prisões, e dos ansiolíticos e antidepressivos; o terceiro grupo ficava entre dentro e fora, em espera, onde a esperança e a falta dela alternavam como as luzes nos semáforos. Pareceu estar tudo à beira da explosão, mas nunca explodiu porque foi explodindo, e quem sofria com a explosões ou estava morto, ou era pobre, subdesenvolvido, velho, atrasado, ignorante, preguiçoso, inútil, louco – em qualquer caso, descartável. Era a grande maioria, mas uma insidiosa ilusão de ótica tornava-a invisível. Foi tão grande o medo da esperança que a esperança acabou por ter medo de si própria e entregou os seus adeptos à confusão.
Com o tempo, o povo transformou-se no maior problema, pelo simples fato de haver gente a mais. A grande questão passou a ser o que fazer de tanta gente que em nada contribuía para o bem-estar dos que o mereciam. A racionalidade foi tão levada a sério que se preparou meticulosamente uma solução final para os que menos produziam, por exemplo, os velhos. Para não violar os códigos ambientais, sempre que não foi possível eliminá-los, foram biodegradados. O êxito desta solução fez com que depois fosse aplicada a outras populações descartáveis, tais como os imigrantes, jovens das periferias, toxicodependentes etc.
A simultaneidade dos deuses com os humanos foi uma das conquistas mais fáceis da época. Para tal bastou comercializá-los e vendê-los nos três mercados celestiais existentes, o do futuro para além da morte, o da caridade e o da guerra. Surgiram muitas religiões, cada uma delas parecida com os defeitos atribuídos às religiões rivais, mas todas coincidiam em serem o que mais diziam não ser: mercado de emoções. As religiões eram mercados e os mercados eram religiões.
É estranho que uma época que começou como só tendo futuro (todas as catástrofes e atrocidades anteriores eram a prova da possibilidade de um novo futuro sem catástrofes nem atrocidades) tenha terminado como só tendo passado. Quando começou a ser excessivamente doloroso pensar o futuro, o único tempo disponível era tempo passado. Como nunca nenhum grande acontecimento histórico foi previsto, também esta época terminou de modo que colheu todos de surpresa. Apesar de ser geralmente aceito que o bem comum não podia deixar de assentar no luxuoso bem-estar de poucos e no miserável mal-estar das grandes maiorias, havia quem não estivesse de acordo com tal normalidade e se rebelasse. Os inconformados dividiam-se em três estratégias: tentar melhorar o que havia, tentar romper com o que havia, tentar não depender do que havia. Visto hoje, a tanta distância, era obvio que as três estratégias deviam ser utilizadas articuladamente, ao modo da divisão de tarefas em qualquer trabalho complexo, uma espécie de divisão do trabalho do inconformismo e da rebeldia. Mas, na época, tal não foi possível, porque os rebeldes não viam que, sendo produto da sociedade contra a qual lutavam, teriam de começar por se rebelar contra si próprios, transformando-se eles próprios antes de quererem transformar a sociedade. A sua cegueira fazia-os dividir-se a respeito do que os deveria unir e unir-se a respeito do que os devia dividir. Por isso, aconteceu o que aconteceu. O quão terrível foi está bem inscrito no modo como vamos tentando curar as feridas da carne e do espirito ao mesmo tempo que reinventamos uma e outro.
Porque teimamos, depois de tudo? Porque estamos reaprendendo a alimentar-nos da erva daninha que a época passada mais radicalmente tentou erradicar, recorrendo para isso aos mais potentes e destrutivos herbicidas mentais – a utopia.
A nova classe média, que foi integrada pelo consumo, é ingrata a quem lhe dá condições para ascender. Tende a se identificar com os que estão acima dela e não com os que estão abaixo. Também não será leal a outros governos. Para isso, terá que ser intimidada.
O alerta é do sociólogo e economista português Boaventura Sousa Santos, 74. Segundo ele, se houver um ciclo político pós-PT, “ele será dominado pela inculcação do medo que leve à resignação das classes médias e populares”.
Na análise do professor da Universidade de Coimbra, há também “o interesse do big brother em que desapareçam de cena governos nacionalistas que retiram ao mercado internacional recursos, como o pré-sal e a Petrobrás. Está em curso na região um novo intervencionismo soft”.
Nesta entrevista à Folha, concedida por e-mail, ele trata da ascensão de movimentos políticos na Grécia e na Espanha e os rumos da esquerda. “Não estamos em tempo de coerência política. Veja o caso do Syriza. A crise sempre desacreditará a esquerda enquanto esta não aprender a desacreditar a crise”, afirma
Folha – Como vai a esquerda pelo mundo? Está em avanço ou em retrocesso?
Boaventura de Sousa Santos – O mundo é demasiado vasto para que possamos ter uma ideia global de como vai a esquerda, até porque em muitas regiões do mundo as clivagens sociais e políticas são definidas em dicotomias distintas da dicotomia esquerda/direita. Por exemplo, secular/religioso, cristão/ muçulmano, hindu/muçulmano, branco/negro, etnicamente X/etnicamente Y. Na medida em que a dicotomia está presente, a definição dos seus termos é, em parte, contextual. Nos EUA, o partido democrático é um partido de esquerda, mas na Europa ou América Latina seria considerado um partido de direita. O partido comunista chinês é de esquerda? Com estas cautelas, há que começar por perguntar: o que é a esquerda? À escala do mundo só é possível uma resposta minimalista. Esquerda é toda a posição política que promove todos (ou a grande maioria dos) seguintes objetivos: luta contra a desigualdade e a discriminação sociais, por via de uma articulação virtuosa entre o valor da liberdade e o valor da igualdade; defesa forte do pluralismo, tanto nos mídia como na economia, na educação e na cultura; democratização do Estado por via de valores republicanos, participação cidadã e independência das instituições, em especial, do sistema judicial; luta pela memória e pela reparação dos que sofreram (e sofrem) formas violentas de opressão; defesa de uma concepção forte de opinião pública, que expresse de modo equilibrado a diversidade de opiniões; defesa da soberania nacional e da soberania nacional de outros países; resolução pacífica dos conflitos internos e internacionais. Se esta definição, apesar de minimalista, parecer maximalista, isso é já parte da minha resposta. Ou seja, olhando mundo à nossa volta, um mundo de concentração da riqueza a um nível sem precedentes, de corrução endémica, de racismo e de xenofobia, de esvaziamento da democracia por via da privatização do Estado por parte de interesses poderosos, de concentração midiática, de guerras internacionais e civis de alta e de baixa intensidade, não podemos deixar de concluir que um mundo assim não é um mundo cuidado pela esquerda. É, de fato, um retrato cruel da crise da esquerda.
A crise de 2008 e as medidas de austeridade impulsionaram movimentos de protesto em vários países, como na Espanha e na Grécia. Há uma leitura global para isso? A esquerda soube aproveitar o tempo de crise capitalista?
As medidas de austeridade são o que fora da Europa sempre se chamou política de ajuste estrutural, uma política de que sempre foi campeão o FMI. São sempre medidas de privatização e de concentração da riqueza nacional, de redução das políticas sociais (saúde, educação, pensões etc.) e de diminuição do peso do Estado na economia e na sociedade. Tem-se chamado, a essa política, neoliberalismo. Essa política foi seguida nos últimos 30 anos em muitas partes do mundo e, portanto, muito antes da crise de 2008. A crise de 2008 foi o resultado da desregulação do capital financeiro na década anterior. E o mais dramático foi que a crise foi “resolvida” por quem a causou. Daí a situação de volatilidade financeira permanente em que nos encontramos. Na Europa, a crise de 2008 acabou por ser o pretexto para estender a política neoliberal a uma das regiões mais ricas do mundo. Os movimentos de protesto foram muito distintos mas tiveram, em geral, duas bandeiras: a luta contra a concentração da riqueza (os 99% contra os 1%) e pela democracia real (no caso da Primavera Árabe era luta pela democracia sem adjetivos). Essas duas bandeiras estão inscritas no DNA da esquerda. Mas, na Europa, a esquerda social democrática (partidos socialistas e partido trabalhista inglês) tinham-se rendido há muito ao neoliberalismo através do que se chamou a terceira via, que, de fato, foi um beco sem saída. Nessa esquerda não havia alternativa à resolução da crise financeira mesmo que tivesse havido poder para a impor. Na esquerda-à-esquerda houve novidades. Tanto na Grécia como na Espanha houve vitórias importantes, a emergência do Syriza e do Podemos. Mas o problema maior foi que a esquerda europeia no seu conjunto não se deu conta de que o Banco Central Europeu e o euro tinham sido criados segundo o mais puro catecismo neoliberal. Disso resultou que as instituições europeias são hoje mais neoliberais que os diferentes Estados europeus e têm um poder enorme para intervir neles, sobretudo nos mais pequenos e periféricos.
Na América Latina, houve avanços nos partidos de esquerda no início do século 21. Esse movimento continua? Parou? Há retrocesso?
Foi uma das novidades políticas mais brilhantes do século 21, num momento em que havia poucas boas notícias no mundo. Teve causas e perfis diferentes nos vários países mas, em geral, os partidos ou movimentos de esquerda chegaram ao poder na base de fortes mobilizações populares contra as políticas neoliberais. Essa energia progressista tinha sido anunciada com muito vigor no primeiro Fórum Social Mundial em janeiro de 2001. Os avanços consistiram, por um lado, na ampliação da classe política governante que passou a incluir membros das classes populares e dos movimentos sociais e sindicais (incluindo presidentes, no caso do Brasil, um operário; no caso da Bolívia, um indígena). E, por outro lado, em combinar a aceitação das regras impostas pela ordem econômica global com políticas sociais compensatórias (na maioria não universais) que permitiram significativa redistribuição social e que, no conjunto, foram designadas como social democracia à latino-americana. A ordem econômica global impunha na América Latina um novo extrativismo, uma exploração sem precedentes dos recursos naturais (agricultura industrial, exploração petrolífera e mineira, megaprojetos hidrelétricos e de outras infraestruturas) impulsionado pelo crescimento assombroso da China. O Estado acumulou recursos (tal como o sistema bancário acumulou lucros), o que permitiu uma redistribuição social significativa e uma grande ampliação do sistema educativo superior. Destes dois pilares surgiu uma nova classe média ansiosa por se integrar na sociedade de consumo.
Qual sua avaliação sobre a grave crise que ocorre no Brasil? Por que a base política da presidente se erodiu tão rapidamente? Há chance de impeachment?
No momento em que o crescimento da China começou a abrandar, este modelo socioeconómico começou a colapsar. Para manter os níveis de redistribuição social seria necessário tributar os mais ricos e isso não é possível em contexto de neoliberalismo. As novas classes médias foram integradas pelo consumo e não pela cidadania. E pelo tipo de consumo que era próprio das velhas classes médias e altas. Não se pensou em novos tipos de consumo (transportes públicos) nem em qualificar os serviços públicos que tinham agora mais clientes mais exigentes (dos serviços de saúde às universidades). A nova classe média é tipicamente ingrata a quem lhe dá condições para ascender ao novo estatuto e tende a identificar-se com os que estão acima dela e não com os que estão abaixo. Os que estão acima são os que sempre olharam com suspeita os governos progressistas. Além de tudo, estes governos traziam uma nova classe política feita de gente de baixo que a gente de cima, numa sociedade classista e cheia de ranço colonial, olhava e olha com desprezo e até com repugnância. Acontece que esta nova classe política, também ela própria se quis identificar com a gente de cima que sempre tinha dominado o poder político durante muitas décadas. Isto significava governar à moda antiga para atingir objetivos novos. Ou seja, tirar da governação os mesmos benefícios que a gente de cima sempre tinha tirado, quer por vias legais, quer por vias ilegais. Foi, em parte, por isso que nunca se fez a anunciada reforma política. Foi uma tentação fatal porque os mesmos atos de governo, os mesmos erros e as mesmas ilegalidades têm consequências diferentes quando são cometidos por grupos sociais diferentes. Não há hoje mais corrução no Brasil que nos períodos anteriores; ela é apenas mais visível porque há mais interesse político em expô-la. E não esqueçamos a dimensão externa da crise política: o interesse do big brother em que desapareçam de cena governos nacionalistas que retiram ao mercado internacional recursos, como o pré-sal e a Petrobras. Está em curso na região um novo intervencionismo soft de que iremos ter mais notícias. Se houver impeachment será um enorme retrocesso para o processo democrático brasileiro, pelo menos até se provar algum ato ilegal em que a presidente esteja envolvida, o que até agora não aconteceu.
Eleita, a presidente adotou medidas contra teses da esquerda e desagradou boa parcela de seus apoiadores nesse campo. O que Dilma deveria fazer para recompor sua base? A crise desacreditou a esquerda?
Não estamos em tempo de coerência política. Veja o caso do Syriza. A crise sempre desacreditará a esquerda enquanto esta não aprender a desacreditar a crise. Em momentos de crise, o número de bilionários continua a crescer, o que significa que a crise não é de todos e que, pelo contrário, há muitos que enriquecem com ela. No caso do Brasil, tenho pena que a presidente não tenha avançado com a reforma política, o que implicava uma assembleia constituinte originária. Seria uma aposta difícil, mas era o único tema em que a sua base podia ir buscar apoios mais amplos. Seria o começo da resolução de todos os outros problemas, num país em que o poder do proselitismo endinheirado capturou a grande sede do poder dos cidadãos, o Congresso. Sem essa reforma política não será possível uma política de esquerda sustentável.
Muitos afirmam que o real alvo dessa crise política é o ex-presidente Lula. O senhor concorda com essa visão?
Concordo mas com mágoa. O fato de o PT precisar do regresso de Lula da Silva é a prova de que não pôde ou não soube renovar-se. O presidente Lula tem já assegurado um lugar destacado na história contemporânea
do Brasil.
Muitas análises consideram que o PT deve perder a eleição em 2018 em razão dos escândalos de corrupção e da forte recessão na economia. Qual seu ponto de vista?
Normalmente essas análises visam criar profecias auto-realizadas. A corrupção, venha donde venha, deve ser punida. A recessão econômica não é culpa do governo, tal como o boom anterior não foi criado por ele. A seu crédito está apenas o modo como o utilizou para realizar uma redistribuição social que transformou o país para sempre. A nova classe média, que agora se mostra ingrata ao PT, não será mais leal durante muito tempo a outros governos. Para que seja leal terá de ser intimidada. Penso que se houver a curto prazo um ciclo político pós-PT, ele será dominado pela inculcação do medo que leve à resignação das classes médias e populares perante uma quebra do nível de vida que de todos modos vai ocorrer.
Qual o futuro do PT? Alguns defendem que seria necessário refazer as alianças à esquerda para discutir um novo projeto. Estaria no horizonte a formação de um novo partido ou partidos de esquerda, como ocorreu, por exemplo, na Espanha?
Costumo dizer que os sociólogos são bons a prever o passado. As transformações a realizar são de tal ordem que a questão do PT do futuro, ou, se quiser, da esquerda do futuro, implica a questão de saber se há ou não futuro para o PT ou para a esquerda. Na Europa estamos a aprender pela via mais dolorosa que o que se não aprendeu tranquilamente em tempos de bonança tem de se aprender aos solavancos em tempos de borrasca.
Há paralelos entre o PT e o PSOE? Ou entre o PT e o partido socialista francês?
São histórias muito diferentes que enigmaticamente conduzem a presentes com fortes semelhanças. O PT nasceu de movimentos sociais de base popular com a radicalidade discursiva da esquerda-à-esquerda. Mas com um programa moderado, reverente perante o FMI, e consistindo numa política social democrática menos universal que a europeia, mas igualmente informada pela ideia de maximizar a justiça social permitida pelo capitalismo. O PT o PSOE e o PS francês vivem o dilema de já não existir o capitalismo em que podiam florescer. O neoliberalismo transformou a desigualdade social e o individualismo em suprema virtude (o empreendedorismo) e não se sente ameaçado por nenhuma força social que o obrigue a agir de outro modo.
Na Grécia, o Syriza venceu as eleições, o plebiscito, mas acabou cedendo à troica. Quais os reflexos em outros partidos de esquerda? Eles podem ficar desacreditados com a ideia de que não conseguem levar adiante uma alternativa?
O que se passa na Grécia é um desafio total à imaginação política, particularmente à de esquerda. Nas próximas eleições (20 de setembro) o Syriza vai a votos com um programa que é o oposto do aprovado no último congresso do partido. É um programa de austeridade e não de anti-austeridade e é a tradução em grego do memorandum da troika. Os dissidentes do Syriza criaram um novo partido que vai a votos com o antigo programa do Syriza, acrescentado da proposta da saída do euro e regresso ao dracma. É provável que o Syriza ganhe as eleições. [Alexis] Tsipras pensa mesmo na maioria absoluta, para o que lhe basta ter (segundo o sistema eleitoral grego) cerca de 40% dos votos. Será imaginável uma aliança pós-eleitoral entre o Syriza e os dissidentes do Syriza? Decididamente a realidade política corre hoje muito mais rápido que a análise política, pelo menos na Europa.
Na Espanha, o Podemos surgiu com uma nova força. O partido é uma referência para o movimento de esquerda no mundo de hoje? Por quê?
O Podemos é o partido que na Europa melhor interpretou a crise da democracia esvaziada de cidadania e ocupada por antidemocratas, plutocratas (detentores de dinheiro) e até cleptocratas (ladrões). Fê-lo trazendo para a política os cidadãos que a teoria política (e a esquerda em particular) considerava despolitizados porque não participantes nem em movimentos sociais nem em partidos. Ora, a grande maioria da população não participa nem nuns nem noutros. E, por vezes, nem sequer vota. Mas isso não significa que não acompanhe a política nacional e não se revolte com a injustiça e a corrupção. Só não vê meios credíveis e eficazes para participar. O Podemos ofereceu-lhe esse meio.
O que o Podemos tem de diferente em relação a partidos de esquerda tradicionais? Como ele deve ser definido? É de esquerda, de centro-esquerda, moderado?
O Podemos é até agora a melhor formulação do que pode ser a esquerda no século 21. Tem de passar por uma reinvenção da esquerda. Esse objetivo faz com que o Podemos nem sequer se reveja na dicotomia esquerda/direita tal como está a esquerda hoje. Mas sabe bem o que é a direita e sabe que a direita está bem porque está no poder e porque tem a seu favor o capitalismo financeiro mundial –o que lhe dá um capital de confiança que nenhum grupo social lhe poderia dar. Nem sequer a burguesia nacional, se é que esse conceito ainda hoje tem validade, dada a internacionalização profunda do capitalismo. Podemos é o primeiro partido a assumir o que muitos teóricos (eu próprio incluído) defenderam: para levar a sério a articulação entre democracia representativa e democracia participativa, os partidos de esquerda têm de a adotar no seu seio. A escolha dos programas e dos candidatos tem de ser feita pelos mecanismos de democracia participativa, pelos cidadãos organizados em círculos temáticos ou regionais. Quem ainda se lembra do orçamento participativo de Porto Alegre sabe o que isso é. Foi, aliás, aqui que o Podemos bebeu a inspiração.
O Podemos poderá unificar as esquerdas na Espanha? Quais são os obstáculos para que isso ocorra? E a Esquerda Unida?
Dificilmente, ainda que algum progresso interessante esteja a ser feito neste domínio ao nível das regiões autônomas. Podemos tem feito um esforço notável para essa unificação, o que nem sempre é fácil por ser “a força de câmbio” e não querer perder a sua identidade no meio de outras (velhas) esquerdas. É ainda muito grande o peso da história na esquerda europeia e há muito individualismo egocêntrico disfarçado de diferença política. A Esquerda Unida saiu derrotada das últimas eleições e busca reconstruir-se numa nova frente popular. Tem um jovem líder que podia estar no Podemos e a quem, aliás, Pablo Iglesias propôs que integrasse a sua lista de candidatos. O aparelho do partido é velho e não responde ao anseio de renovação do seu líder. Mas a Esquerda Unida tem na base muitos quadros que podiam ser preciosos para a implantação sustentável do Podemos.
Quais as semelhanças e diferenças entre o Podemos e o Syriza?
O Podemos é uma emergência dos movimentos dos indignados enquanto o Syriza tem raízes na esquerda mais tradicional. O Syriza nunca ousaria problematizar se é ou não de esquerda. Mas ambos são o resultado de uma conglomeração de forças políticas e movimentos sociais. Ambos viram bem a ameaça do neoliberalismo na Europa e ambos estão a mostrar grande flexibilidade. Até onde pode ir essa flexibilidade é uma incógnita. Por agora, o Podemos não vai mais longe do que se abrir a uma coligação com o PSOE. Penso que nunca iria tão longe quanto o Syriza na aceitação da austeridade europeia, não só porque a situação na Espanha é muito diferente da grega, como, sobretudo, porque os círculos de cidadãos não permitiriam.
Um desgaste maior do Syriza poderia atingir o Podemos?
Sim. Não diretamente, mas através do peso que terá na opinião pública uma eventual derrota incondicional do Syriza. O objetivo das instituições europeias é liquidar qualquer hipótese de contestação à política de austeridade. Se o Podemos se sair bem nas próximas eleições significará que os cidadãos não se estão a deixar intimidar pela ortodoxia de Bruxelas.
Desde a queda do Muro de Berlim (antes, talvez), as esquerdas no mundo parecem desnorteadas. O senhor concorda com essa afirmação? Como explicar esse processo? Ele está sendo modificado agora? As esquerdas estão perdendo uma oportunidade histórica?
Ao longo do século passado, a esquerda foi constituída pela crença de que havia uma alternativa ao capitalismo. Todas as divisões dentro da esquerda (revolução/reformismo, luta armada/luta pacifica, comunismo/socialismo democrático) partiram da possibilidade dessa alternativa. Quando, a partir da década de 1960, a social democracia abandonou a ideia de alternativa ao capitalismo, a sua política passou a centrar-se na ideia de regulação e tributação do capitalismo para permitir a paz social e garantir a justiça social possível através do estado de bem-estar. A existência do Bloco de Leste fez com que o capitalismo aceitasse o compromisso. Findo o Bloco, não havia mais razões para aceitar limitações tão drásticas à remuneração do capital. A queda de Muro de Berlim não foi apenas o fim do comunismo. Foi também o fim da social democracia.
Em debate na Espanha, o senhor falou de um movimento ainda embrionário em Portugal. O que ocorre?
Está em curso uma reorganização das forças de esquerda que eventualmente só dará frutos daqui a vários anos. No presente período eleitoral (eleições em 4 de outubro) serão todas punidas (incluindo eventualmente o PS) com a possível exceção do Partido Comunista Português, que tem um eleitorado leal e absorve como nenhum outro o voto de protesto contra a injustiça social. A punição da esquerda deve-se a três fatores: o PS não se propõe realizar uma política muito diferente da seguida pela coligação de direita no poder; a esquerda-à-esquerda está, por agora, mais dividida que nunca; o governo e as instituições europeias conseguiram convencer os portugueses de que o pior já passou e que a política de austeridade deu certo. Por agora, Portugal é um caso de sucesso. Sobre o que virá depois das eleições nada se diz.
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BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS: PARA LER EM 2050
Boaventura de Sousa Santos, via Outras Palavras em 30/8/2015
Quando um dia se puder caracterizar a época em que vivemos, o espanto maior será que se viveu tudo sem antes nem depois, substituindo a causalidade pela simultaneidade, a história pela notícia, a memória pelo silêncio, o futuro pelo passado, o problema pela solução. Assim, as atrocidades puderam ser atribuídas às vítimas, os agressores foram condecorados pela sua coragem na luta contra as agressões, os ladrões foram juízes, os grandes decisores políticos puderam ter uma qualidade moral minúscula quando comparada com a enormidade das consequências das suas decisões. Foi uma época de excessos vividos como carências; a velocidade foi sempre menor do que devia ser; a destruição foi sempre justificada pela urgência em construir. O ouro foi o fundamento de tudo, mas estava fundado numa nuvem. Todos foram empreendedores até prova em contrário, mas a prova em contrário foi proibida pelas provas a favor. Houve inadaptados, mas a inadaptação mal se distinguia da adaptação, tantos foram os campos de concentração da heterodoxia dispersos pela cidade, pelos bares, pelas discotecas, pela droga, pelo Facebook.
A opinião pública passou a ser igual à privada de quem tinha poder para a publicitar. O insulto tornou-se o meio mais eficaz de um ignorante ser intelectualmente igual a um sábio.
Desenvolveu-se o modo de as embalagens inventarem os seus próprios produtos e de não haver produtos para além delas. Por isso, as paisagens converteram-se em pacotes turísticos e as fontes e nascentes tomaram a forma de garrafa. Mudaram os nomes às coisas para as coisas se esquecerem do que eram. Assim, desigualdade passou a chamar-se mérito; miséria, austeridade; hipocrisia, direitos humanos; guerra civil descontrolada, intervenção humanitária; guerra civil mitigada, democracia. A própria guerra passou a chamar-se paz para poder ser infinita. Também a Guernika passou a ser apenas um quadro de Picasso para não estorvar o futuro do eterno presente. Foi uma época que começou com uma catástrofe, mas que em breve conseguiu transformar catástrofes em entretenimento. Quando uma catástrofe a sério sobreveio, parecia apenas uma nova série.
Todas as épocas vivem com tensões, mas esta época passou a funcionar em permanente desequilíbrio, quer ao nível coletivo, quer ao nível individual. As virtudes foram cultivadas como vícios e os vícios como virtudes. O enaltecimento das virtudes ou da qualidade moral de alguém deixou de residir em qualquer critério de mérito próprio para passar a ser o simples reflexo do aviltamento, da degradação ou da negação das qualidades ou virtudes de outrem. Acreditava-se que a escuridão iluminava a luz, e não o contrário.
Operavam três poderes em simultâneo, nenhum deles democrático: capitalismo, colonialismo e patriarcado; servidos por vários subpoderes, religiosos, mediáticos, geracionais, étnico-culturais, regionais. Curiosamente, não sendo nenhum democrático, eram o sustentáculo da democracia-realmente-existente. Eram tão fortes que era difícil falar de qualquer deles sem incorrer na ira da censura, na diabolização da heterodoxia, na estigmatização da diferença. O capitalismo, que assentava nas trocas desiguais entre seres humanos supostamente iguais, disfarçava-se tão bem de realidade que o próprio nome caiu em desuso. Os direitos dos trabalhadores eram considerados pouco mais que pretextos para não trabalhar. O colonialismo, que assentava na discriminação contra seres humanos que apenas eram iguais de modo diferente, tinha de ser aceito como algo tão natural como a preferência estética. As supostas vítimas de racismo e de xenofobia eram sempre provocadores antes de serem vítimas. Por sua vez, o patriarcado, que assentava na dominação das mulheres e na estigmatização das orientações não heterossexuais, tinha de ser aceito como algo tão natural como uma preferência moral sufragada por quase todos. Às mulheres, homossexuais e transsexuais haveria que impor limites se elas e eles não soubessem manter-se nos seus limites.
Nunca as leis gerais e universais foram tão impunemente violadas e seletivamente aplicadas, com tanto respeito aparente pela legalidade. O primado do direito vivia em ameno convívio com o primado da ilegalidade. Era normal desconstituir as Constituições em nome delas.
O extremismo mais radical foi o imobilismo e a estagnação. A voracidade das imagens e dos sons criava turbilhões estáticos. Viveram obcecados pelo tempo e pela falta de tempo. Foi uma época que conheceu a esperança, mas a certa altura achou-a muito exigente e cansativa. Preferiu, em geral, a resignação. Os inconformados com tal desistência tiveram de emigrar. Foram três os destinos que tomaram: iam para fora, onde a remuneração econômica da resignação era melhor e por isso se confundia com a esperança; iam para dentro, onde a esperança vivia nas ruas da indignação ou morria na violência doméstica, no crime comum, na raiva silenciada das casas, das salas de espera das urgências hospitalares, das prisões, e dos ansiolíticos e antidepressivos; o terceiro grupo ficava entre dentro e fora, em espera, onde a esperança e a falta dela alternavam como as luzes nos semáforos. Pareceu estar tudo à beira da explosão, mas nunca explodiu porque foi explodindo, e quem sofria com a explosões ou estava morto, ou era pobre, subdesenvolvido, velho, atrasado, ignorante, preguiçoso, inútil, louco – em qualquer caso, descartável. Era a grande maioria, mas uma insidiosa ilusão de ótica tornava-a invisível. Foi tão grande o medo da esperança que a esperança acabou por ter medo de si própria e entregou os seus adeptos à confusão.
Com o tempo, o povo transformou-se no maior problema, pelo simples fato de haver gente a mais. A grande questão passou a ser o que fazer de tanta gente que em nada contribuía para o bem-estar dos que o mereciam. A racionalidade foi tão levada a sério que se preparou meticulosamente uma solução final para os que menos produziam, por exemplo, os velhos. Para não violar os códigos ambientais, sempre que não foi possível eliminá-los, foram biodegradados. O êxito desta solução fez com que depois fosse aplicada a outras populações descartáveis, tais como os imigrantes, jovens das periferias, toxicodependentes etc.
A simultaneidade dos deuses com os humanos foi uma das conquistas mais fáceis da época. Para tal bastou comercializá-los e vendê-los nos três mercados celestiais existentes, o do futuro para além da morte, o da caridade e o da guerra. Surgiram muitas religiões, cada uma delas parecida com os defeitos atribuídos às religiões rivais, mas todas coincidiam em serem o que mais diziam não ser: mercado de emoções. As religiões eram mercados e os mercados eram religiões.
É estranho que uma época que começou como só tendo futuro (todas as catástrofes e atrocidades anteriores eram a prova da possibilidade de um novo futuro sem catástrofes nem atrocidades) tenha terminado como só tendo passado. Quando começou a ser excessivamente doloroso pensar o futuro, o único tempo disponível era tempo passado. Como nunca nenhum grande acontecimento histórico foi previsto, também esta época terminou de modo que colheu todos de surpresa. Apesar de ser geralmente aceito que o bem comum não podia deixar de assentar no luxuoso bem-estar de poucos e no miserável mal-estar das grandes maiorias, havia quem não estivesse de acordo com tal normalidade e se rebelasse. Os inconformados dividiam-se em três estratégias: tentar melhorar o que havia, tentar romper com o que havia, tentar não depender do que havia. Visto hoje, a tanta distância, era obvio que as três estratégias deviam ser utilizadas articuladamente, ao modo da divisão de tarefas em qualquer trabalho complexo, uma espécie de divisão do trabalho do inconformismo e da rebeldia. Mas, na época, tal não foi possível, porque os rebeldes não viam que, sendo produto da sociedade contra a qual lutavam, teriam de começar por se rebelar contra si próprios, transformando-se eles próprios antes de quererem transformar a sociedade. A sua cegueira fazia-os dividir-se a respeito do que os deveria unir e unir-se a respeito do que os devia dividir. Por isso, aconteceu o que aconteceu. O quão terrível foi está bem inscrito no modo como vamos tentando curar as feridas da carne e do espirito ao mesmo tempo que reinventamos uma e outro.
Porque teimamos, depois de tudo? Porque estamos reaprendendo a alimentar-nos da erva daninha que a época passada mais radicalmente tentou erradicar, recorrendo para isso aos mais potentes e destrutivos herbicidas mentais – a utopia.
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