terça-feira, 30 de setembro de 2025

Da Dispersão à Soberania: Dialética Política entre Espontaneísmo e Projeto Nacional-Classista.

 Por Walter Azevedo

 

O impulso espontâneo e a pluralidade da esquerda

A multiplicidade de pautas no campo da esquerda no momento de ataque do imperialismo dos EUA contra o Brasil – dívida pública, Petrobras, reestatizações, eleições, estatais, antifascismo – expressa uma riqueza de demandas legítimas, nascidas de diferentes vivências da classe trabalhadora. Essa diversidade é o momento afirmativo da política viva: o aparecimento da necessidade, o surgimento das contradições sociais no plano da consciência, ainda que de forma dispersa.

No entanto, como ensinava Hegel, o verdadeiro não é apenas o imediato, mas o processo total de sua mediação. A mera somatória de desejos e indignações não constitui ainda um movimento político estruturado. A esquerda espontaneísta, ao tomar a imediaticidade da consciência como suficiente, nega a própria possibilidade de formar um todo orgânico. Cada militante é uma partícula em movimento, impulsionada por seu “coração”, por seu “interesse”, mas sem gravitação comum. É o que Marx criticava na política pequeno-burguesa: “vontades particulares erigidas à condição de universal”.

 

O vazio estratégico da não-unificação

A ausência de um projeto classista de soberania nacional-popular — que articule os diversos focos de luta em torno de um norte comum — é a negação dialética do potencial revolucionário presente nas lutas fragmentadas. Quando cada sujeito político atua isoladamente em seu campo temático, o que se apresenta como "pluralidade" se transforma em impotência tática. Não se trata aqui de apagar as particularidades, mas de encontrar a lógica comum que lhes dá sentido histórico, não há como evitar o uso do método agitação e propaganda de Lenin.

Sem mediação organizativa, sem projeto articulador, a reunião torna-se “uma sopa de letrinhas”, um brainstorm sem norte. É o momento em que a esquerda se define mais por negações reativas do que por afirmações propositivas. Atacamos o bolsonarismo, o capital financeiro, o entreguismo, tudo pode servir para críticas pontuais — mas não se constrói um centro próprio de atração, um projeto estruturante que suprassuma as pautas em um movimento de transformação social real.

Essa dispersão, que aparenta liberdade, é, na verdade, submissão inconsciente à estrutura dominante, pois sem direção coletiva, o capital define os rumos.

 

A espontaneidade à soberania como projeto político

A superação se dá quando a consciência dispersa se organiza, quando a pluralidade encontra sua unidade concreta: não pela imposição externa, mas pela mediação entre as contradições particulares e a totalidade histórica. Aqui, a soberania não é apenas um conceito jurídico ou estatal — é um projeto político coletivo, que unifica a luta pela dignidade social, pelo controle popular dos bens estratégicos, pela independência econômica, pela autodeterminação determinada pela classe da maioria, nossa classe trabalhadora.

A soberania torna-se, assim, a categoria estruturante da práxis popular: não como nacionalismo reacionário, mas como nacionalismo emancipador, que une a classe trabalhadora em torno de um ideal comum, antagônico ao capital internacional e às oligarquias locais.

O patriotismo, nesse processo, não é fetiche, mas afeto politizado: amor ao povo, à terra e à cultura como fundamentos para mover uma nova força que motive e levante nossa classe. Quando Lenin propõe o direito à autodeterminação dos povos, não se refere a um nacionalismo chauvinista, mas a uma estratégia de construção da hegemonia da classe trabalhadora frente à dominação imperialista.

sexta-feira, 12 de setembro de 2025

Escritores, Big Techs e a Dialética da Palavra: A Soberania da Escrita

 

Por Walter Azevedo



 


A promessa tecnológica

As grandes empresas tecnológicas, chamadas “Big Techs”, apresentam-se como portadoras de um novo tempo, são o mecanismo do capital mais dinâmico em um sistema imperialista e monopolista com sede nos EUA. Com seus algoritmos, inteligências artificiais e redes globais com vasto capacidade de processamento, poder de capital e força política, tem tido a capacidade de prometer muito, inclusive de democratizar o conhecimento, multiplicar a capacidade criativa e dissolver fronteiras entre culturas. O escritor, nessa aparência imediata, parece ter conquistado um aliado: uma máquina que organiza, sugere, acelera, corrige.

Aqui, a afirmação dialética se mostra como possibilidade de expansão: mais leitores podem ter acesso a livros digitalizados, mais idiomas podem ser traduzidos em tempo real, mais pessoas podem escrever e divulgar seu pensamento e sua arte, qualquer operador pode gerar milhares de textos, livros, ensaios, etc.

A Inteligência Artificial (IA) aparece como uma tipografia infinita, onde cada autor teria milhares de braços capazes de multiplicar suas palavras, sua expressão e sua formulação.

O monopólio da linguagem

Mas, na essência, esta liberdade de negócios que a sociedade provê as Big Techs, guarda contradições fundamentais. O que a um tempo liberaliza, ao mesmo tempo, reforça uma apropriação privada, que limita a liberdade do saber, em benefício do novo proprietário. As palavras dos escritores, suas obras publicadas ou até fragmentos de blogs e redes sociais, são extraídas sem remuneração ou reconhecimento para alimentar as máquinas empresariais das Big Techs.

Este mecanismo tem um nome técnico, é o “aprendizado de máquina”, absorvem toda a construção do gênio humano desenvolvido e acumulado na história, transformam isto em dados proprietários daquelas empresas. O sistema alcança também o que os autores humanos têm escrito e produzido hoje, no tempo de nossas vidas. As Big Techs com suas IAs estão se travestindo em um monstruoso chupa-cabra universal.

O escritor/autor e sua produção se veem, então, reduzidos a matéria-prima gratuita de um processo industrial monopolista do capitalismo internacional.


- O texto autoral deixa de ser expressão singular e torna-se mero 'conteúdo' ou dado lógico.
- O estilo, antes marca de identidade, é mimetizado estatisticamente por modelos matemáticos.
- O valor simbólico da obra cede lugar à lógica mercantil de dados.

- A criatividade, inovação e a singularidade são rebaixadas a um mecanismo informatizado de geração de textos.
- A subjetividade é dissolvida em números,

- A obra autoral é transformada por algoritmos um sistema empresarial de pseudo neutralidade.

O escritor é como o mineiro que cava ouro para alimentar a riqueza de um império, mas que, ao final do dia, não pode pagar o próprio pão.

 

Para além do algoritmo

A contradição entre promessa e expropriação exige um momento de superação. Nem a recusa ingênua da tecnologia, nem a submissão ao capitalismo empresarial das Big Techs. É preciso uma nova síntese, em que escritores e autores em geral se percebam com classe, se organizem e realizem sua ação política, assumindo o protagonismo da luta pela soberania da criatividade e reconhecimento de sua produção, seu trabalho, seu direito autoral e sua remuneração.

Essa suprassunção pode se dar em várias direções:


1. Institucional: exigir regulações legais que obriguem as empresas a reconhecer e remunerar o uso de obras autorais em treinamentos e produção de IA.
2. Coletiva: criar cooperativas de escritores que construam seus próprios repositórios de textos, sob licenças coletivas e controladas, para negociar com força coletiva frente ao poder das corporações.
3. Cultural: afirmar a originalidade humana não como nostalgia, mas como força criadora que a máquina não substituirá — porque só o ser humano vive contradições, lutas e práticas históricas que alimentam a dialética da escrita.

4. Filosófica: o direito de autor, assim com qualquer direito, não é “natural” ou “absoluto”, é uma convenção social construída na história, que hoje está sendo desafiado pelas práticas materiais de um pequeno grupo de empresas gigantes de tecnologia estrangeiras.

5. Social: não será pela reclamação ou pelo ressentimento direcionado a um sistema material de organização do capital internacional, a atitude deve ser a da disputa social, onde as relações de poder são reescritas a cada novo movimento de grupos e classes sociais, aqui e no resto do mundo.

6. Civilizacional: a soberania não é mais um direito divino ou uma lei internacional, é uma força que um povo ou uma classe constroem na luta e na vitória sobre as disputas fundamentais, sobre a terra, sobre a organização social e sobre as riquezas de seu território, inclusive a riqueza imaterial do conhecimento e a produção artística

 

Aparência e essência: entre a superfície e a estrutura

Na superfície, a IA aparece como ferramenta neutra, produto inevitável do avanço técnico. Mas a essência mostra que ela é mediação de relações de produção e de poder: a concentração de capital em poucas mãos, a transformação do trabalho intelectual em insumo de algoritmos e a erosão do direito autoral em favor da mercantilização empresarial privada.

Nas profundezas dos algoritmos a essência se manifesta: todo o conhecimento humano se transforma na reprodução do monopólio de uma classe, reforçando um sistema que amplia a distância entre quem detém os meios digitais de produção(as Big Techs) e aqueles que apenas fornecem seu trabalho e sua criatividade.

 

Mediação: da consciência individual à prática histórica

O escritor isolado em si, na sua individualidade, autocentrado nas suas capacidades e idiossincrasias, se coloca numa situação de impotência. Mas a mediação entre consciência e estrutura histórica, mostra que o individual só encontra força na identidade coletiva e na ação de massas. A luta sindical, os movimentos de escritores e artistas, a articulação com juristas e técnicos podem transformar a indignação e derrota individual em potencial de vitória coletiva.

Exemplo histórico: tal como os operários tipógrafos do século XIX se depararam com a novas empresas que implantaram novas máquinas movidas a força de caldeiras a vapor, os escritores do século XXI não terão outra saída senão, organizar-se contra a exploração empresarial, inteligentemente articulada, via uma nova  técnica informática aplicada.

O desenvolvimento das Big Tecs também é um movimento de massas, massas de capitais investidos em empresas, articulado politicamente entre si e com domínio sobre os Estados nacionais, todos eles ativos na esfera digital e na ordem política, postulando leis e jurisprudência que lhes favoreçam. A classe do capital se move com profissionalismo político, é dominando a subjetividade social que mantenham sua posição de dominância e suas vantagens extraordinárias.

 

Da prática

Chamamos escritores, jornalistas, poetas, roteiristas e todos que vivem da palavra:

- Organizemo-nos em sindicatos, associações e partidos para construir nossa força coletiva.
- Realizemos a produção de textos e obras que engajem a arte, a simbologia, a cultura, o coração e as mentes de nosso público na luta política

- Conquistemos leis que submetam as empresas de tecnologia à transparência e remuneração no uso de nossas obras sugadas pelas IAs.
- Criemos repositórios autônomos que protejam a produção humana, com diversidade linguística e cultural.
- Formulemos nossa teoria a executemos na prática, derrotando o extrativismo digital e sua estrutura empresarial.

A luta não é contra uma nova tecnologia, mas contra o domínio político de um monopólio. A palavra, enquanto criação humana, é campo de batalha. Cabe a nós impedirmos que ela seja reduzida a uma mercadoria sem alma e com poucos donos.

 

A dialética da palavra

As correntes que tememos nos perder, não guiam nossos caminhos, mas restringem a nossa realização. São puras correntes ideológicas que um virar de página as deixam para trás.

O futuro da escrita não será dado pelas máquinas, mas pela consciência e pela luta daqueles que escrevem e trabalham, se estes tomarem seu destino em suas mãos. Porque, como já escreveu Marx, 'a emancipação da classe trabalhadora deve ser obra da própria classe trabalhadora'. Essa classe inclui também os trabalhadores da palavra.