sábado, 7 de maio de 2022

O Significado do Afundamento do Cruzador Moskva - 121


Após o choque com a informação acerca do afundamento da nau capitânia da Marinha Russa no mar Negro, o Moskva no dia 03.04.2022, um grande navio quase sem rival no mundo e com capacidades anti-aéreas de alto nível, como pode ter sido afundado assim de fácil por um ataque ucraniano que nem se estimava que teria estas capacidades?


O Cruzador Moskva-121 foi lançado ao mar em 1979, um projeto dos anos 70, com 12.000 toneladas de deslocamento, em comparação, um Destroier desloca 7.000 T, o porta helicópteros como o navio Atlântico da Marinha Brasileira desloca 22.000 T, ou seja, o Moskva era um navio grande mas não era gigante.


O Cruzador estava armado com uma impressionante bateria de mísseis anti-navios supersônicos, desenvolvidos para furar as defesas dos grupos de batalha da marinha americana e afundar os gigantescos porta-aviões norte-americanos. Ademais possui a versão naval do sistema antiaéreo S300, com 150 km de alcance e era seu principal recurso no ambiente da guerra da Ucrânia.


Acontece que o sistema antiaéreo S-300, mesmo tendo capacidades impressionantes, é pouco efetivo na defesa contra os ataques de mísseis anti-navio que voam muito baixo e só são detectáveis pelo navio quando surgem no horizonte, a uns 20km de distância. Para confrontar um ataque deste tipo o Moskva possuía sistemas de mísseis antiaéreos de curta distância (SA-N-4) e canhões rotativos (AK-630). Para coordenar tudo isto contava com uma eletrônica avançada, sensores de longa distância e sistemas especializados de guerra eletrônica.


A notícia foi disseminada pelo governo Ucraniano, o navio Moskva teria sido atingido por dois mísseis anti-navio subsônicos Neptune e afundou devido às avarias e incêndios decorrentes dessa ação. Não houveram muitos especialistas militares que tomaram a versão ucraniana pelo valor de face, inclusive por que a ogiva do míssil 150kg não seria suficiente para causar danos de tamanha monta em um navio deste tamanho e na pouca fé em relação a operacionalidade e eficiência do sistema ucraniano contra os sistemas de defesa do navio russo.


Mas vamos aos detalhes, o sistema ucraniano Neptune(RK-360) composto por mísseis anti-navio com 280 Km de alcance e uma ogiva de 150kg (adequada para desabilitar navios pequenos e médios), tem sido desenvolvido desde 2015 e segundo informações foi construída e entregue uma bateria de mísseis em Março 2021 à marinha Ucraniana, com capacidade de lançamento a partir da costa, sendo que não foram desenvolvidas as versões para lançamento aéreo nem naval por falta de recursos, ou seja trata-se de um sistema de armas sofisticado que em média demanda 10 anos de desenvolvimento e um grande investimento financeiro em tecnologias  avançadas.


Ainda que o Neptune seja operacional, a possibilidade de que os ucranianos conseguiram lançar uma salva de uns 4 mísseis e estes encontrassem o alvo, vencessem o sistema de defesa de médio e curto alcance do navio e dois deles atingissem de forma tão efetiva que o levassem a pique é um cenário de baixa probabilidade, não obstante como o Moskva acabou no fundo do mar outras hipóteses tem que ser formuladas.


Vejamos que o governo ucraniano não apresentou um vídeo do lançamento dos mísseis Neptune, o que é intrigante, pois a guerra de imagens e propaganda turbinadas pelos sistemas de comunicações ocidentais são o principal recurso da Ucrânia neste conflito e é onde eles têm conseguido vitórias importantes. Teriam os ucranianos lançado seus mísseis nativos com estrondoso sucesso, mas não filmaram nem propagandearam o lançamento? Julgo que a probabilidade deste cenário é baixa também.


Retornando a estrutura do Moskva, relembremos que é um projeto dos anos 70 e a engenharia militar soviética alocava pouca prioridade para a proteção da munição, isto pode ser visto a olho nu quando um tanque de desenho soviético usado pelos dois lados em conflito nesta guerra é atingido por uma arma anti-tanque que consegue furar a blindagem principal, em seguida observa-se uma explosão catastrófica da munição armazenada exposta e sem proteção. Os mesmos princípios de projeto foram aplicados ao Moskva, a munição/mísseis não ficam protegidos por magazines blindados, isto é agravado pela inexistência de sistemas de detecção de combate a incêndio automatizados, o navio era bonito, forte, muito bem armado, mas possuía fragilidades estruturais de sua antiga concepção. Este conjunto explicaria a facilidade como o navio foi mortalmente comprometido com apenas um evento de ataque na versão ucraniana ou acidente como consta na versão russa.


Mas vamos aprofundar o contexto do evento para clarear nossa aproximação do fato histórico. Desde antes do início da guerra, os sistemas de espionagem militar, monitoramento e guerra eletrônica da OTAN liderada pelos Estados Unidos estão focados na Ucrânia, fornecendo informações ao comando e governo ucranianos que tem sido essencial para manter o governo em pé. Sem a maciça ajuda dos EUA/Europa/OTAN é bem alta a probabilidade de que a Ucrânia seria derrotada em poucos dias.


Analistas coincidem quanto à participação dos sistemas da OTAN na identificação da localização e movimentos do Moskva e na coordenação do ataque com mísseis, pois isto seria o cenário de maior probabilidade. Um ataque de sucesso desta monta implica em muitos fatores influentes que são solucionados com a concorrência de múltiplos sistemas e recursos na inteligência, preparação e execução, recursos obrigatórios também devido a distância do navio da costa ucraniana, mais de 100 Km, o que ultrapassa as capacidades dos radares baseados em terra da ucrânia.


A contribuição da OTAN com recursos de inteligência e coordenação das forças ucranianas já é dado como estabelecido, ou seja, a guerra está sendo travada entre a OTAN e a Rússia, com a Ucrânia operando e resistindo na medida dos recursos que o ocidente liderado pelos EUA são enviados e tornados operacionais. Isto explica o sucesso e a alta moral ucraniana pois contam com informações dos satélites e aviões espiões e monitoramento informatizado da NSA dos EUA, da escuta e decodificação da comunicação russa, ademais de mísseis avançados fornecidos pelos EUA/OTAN. Todo este apoio ou sustentação da OTAN é tremendamente efetivo e motivador, não fosse isso o arsenal ucraniano de origem soviético de 30 anos atrás já teria sido liquidado.


Apesar de ser evidente a posse e utilização pelos ucranianos de mísseis anti-carro e anti-aéreos fornecidos aos milhares e gratuitamente pelos EUA/OTAN estimava-se que estas eram as armas mais avançadas e poderosas que estes teriam disposição para entregar à Ucrânia para combater a Rússia.


Interessante notar que já em 25 de março, oito dias antes do ataque ao Moskva já apareciam filtrações de informações acerca da disposição da OTAN e em especial o Reino Unido em fornecer sistemas anti-navio avançados para a Ucrânia, como aponta Jack Buckby em seu artigo: https://www.19fortyfive.com/2022/03/putin-has-a-problem-nato-could-send-anti-ship-missiles-to-ukraine/ , no mesmo dia outra fonte apresentou o mesmo argumento:  Biden Admin Considers Supplying Harpoon Anti-ship Missiles To Ukraine, A Death Blow To Russian Navy – Global Defense Corp. Sendo que no mesmo dia do ataque esta informação passou a ser disseminada mais amplamente por canais na web: https://digitnews.in/on-boarding-great-britain-will-give-ukraine-anti-ship-missiles-harpoon/  e   https://www.ukrinform.net/rubric-ato/3447206-britain-to-send-ukraine-arms-to-protect-odesa-coast.html.


Estas filtrações de informação citam especificamente o sistema Harpoon anti-navio fabricado nos EUA, com alcance de mais de 200Km e uma ogiva de 250Kg, suficiente para navios médios e grandes. Coincidentemente o Harpoon tem aproximadamente o mesmo tempo de emprego do Moskva, mas o míssil tem sido continuamente aperfeiçoado, é um sistema provado, avançado e capaz de vencer defesas navais sofisticadas.


A hipótese de que o Moskva teria sido atingido por dois mísseis Harpoon modernos que ultrapassaram suas defesas e causaram danos catastróficos que levaram ao afundamento do cruzador é de uma probabilidade alta, pois estes mísseis teriam a capacidade de realizar este feito, ao contrário do míssil ucraniano que é mais um conjunto de limitações e interrogações.


Um cenário hipotético da operação de ataque iniciaria a partir do monitoramento do Moskva pelos aviões e sensores da OTAN, principalmente dos EUA e UK, um sistema de lançamento Harpoon a partir de terra composto por uns 3 caminhões, seria despachado de avião da Inglaterra até um país vizinho da Ucrânia, por exemplo, para o aeroporto de Constança na Romênia e seguiria por terra atravessando a fronteira Ucraniana até o sul de Odessa que dista 350 km. Em um ponto do litoral uma equipe de militares ingleses faria o lançamento dos mísseis e retornaria imediatamente para a Romênia, o controle da operação poderia ser facilmente realizado a partir dos aviões de radar, comando e controle da OTAN que também poderiam afetar os sensores do Moskva via guerra eletrônica. Este roteiro é uma operação militar de alguma complexidade, mas que depende principalmente da decisão política do governo inglês liderado por Boris Johnson e seus aliados da OTAN na direção da escalada do conflito com a Rússia.


A atuação dos Estados Unidos em coalizão com vários países europeus são a principal força no teatro político da Ucrânia, desde a construção do golpe de estado de 2014 que derrubou o governo eleito e tem evoluído com apoio cerrado e sustentação do governo ucraniano inclusive no incremento do conflito com a Rússia, agravado pela independência e anexação da Criméia pela Rússia e o movimento autonomista das repúblicas de Lugansk e Donetsk. A Operação Especial ou Guerra da Ucrânia, só fez acirrar a confrontação em curso desde 2014.


A origem histórica da presente guerra vem da expansão da OTAN em direção à fronteira Russa a partir dos anos noventa do século passado, mas os eventos que aparentemente levaram o governo Russo a tomar a drástica, custosa e arriscada medida de atacar a Ucrânia foram o início dos ataques e bombardeios das repúblicas autonomista pela Ucrânia e a declaração do Presidente Zelenski de que seu país iria reconstruir seu arsenal atômico. Nenhum país em situação confronto de baixa intensidade deixaria de responder de uma forma ou de outra a este tipo de movimento de um país fronteiriço. É alta a probabilidade que estes movimentos de Zelenski tenham origem na influência externa sob seu governo.


A resposta dos EUA e da Europa ao ataque russo foram as esperadas, talvez a intensidade é que está surpreendendo. O quadro geral da reação ocidental tem sido duro e contundente. Primeiramente realizando congelamento e sequestro das reservas financeiras soberanas russas que estavam sob guarda dos Bancos Centrais e bancos privados da América e Europa, só isto já é um ato de guerra e guerras totais já foram declaradas a partir deste tipo de sequestro. A segunda reação foi implantar o mais extenso regime de sanções econômicas, diplomáticas e midiáticas contra a Rússia já visto, também é necessário notar que bloqueios e sanções econômicas também são atos de guerra e já serviram de base para o acirramento de conflitos e declarações de guerra total. O terceiro movimento ocidental foi o de fornecer gratuitamente bilhões de dólares em armamento avançado para um dos lados em conflito, este tipo de ação é percebido como engajamento do lado de um país combatente contra o outro e também já serviu de justificativa para guerras. Cito enfim a atuação da OTAN no fornecimento de informações e coordenação das ações táticas das forças ucranianas, a OTAN está na prática comandando as forças em combate da Ucrânia.


Todo este quadro pesado de engajamento político, econômico e militar contra a Rússia não se pode definir como simbólico ou de apoio distante. Os EUA e OTAN estão plenamente engajados na guerra da Ucrânia contra a Rússia e para escalar o nível do conflito só faltaria a OTAN entrar em combate direto e começar a atirar nos russos.

Este é o duro e dramático significado das possíveis causas do ataque e afundamento do principal navio russo no cenário desta guerra.


Bem, tudo isto podemos inferir a distância, mas os russos podem e devem ter muito mais informações para identificar todos os contornos dos eventos do ocaso do Moskva e preparar sua reação. Não seria a primeira vez que vemos operações semelhantes, na guerra da Síria em novembro de 2015, a força aérea turca disparou um míssil a partir da Turquia e derrubou um jato SU-24 russo em território sírio, é alta a probabilidade de este ataque ter sido uma provocação montada pela OTAN contra a Rússia.


De outra parte, o governo ucraniano a cada dia está mais isolado de seu próprio povo, banindo partidos, prendendo a oposição e executando participantes de seu próprio governo que se mostram menos belicosos. Está claro que quem está sustentando definindo as diretrizes e ações do governo são as potências ocidentais que hoje mantêm econômica, política e militarmente o governo em pé - é o governo da OTAN na Ucrânia. E o cerne da política da OTAN é derrotar, desgastar e se possível desestruturar a Rússia, nem que esta guerra dure anos e arrase o país, este objetivo tem que ser atingido até o último ucraniano.


Não temos visto nenhuma liderança nos países ocidentais peleando pela paz, tentando construir algum rumo para desescalada do conflito e montar uma solução de compromisso, na verdade, o bloco pró guerra total parece que só faz aumentar. Acontece que a Rússia é uma potência nuclear e dispõe de 6000 ogivas nucleares e pode fazer uso delas se pressentirem a montagem de um cenário de ameaça existencial ao país.


O governo Russo com Putin na liderança tem confiança e apoio popular e nos 20 anos que acompanhamos seu governo só se viu um governo estratégico que move suas peças com frieza e planos consistentes de longo prazo.


Não se vê perfil semelhante no ocidente, parece que a onda belicosa e militarista está em franco crescimento e tomou todos os governos da OTAN com um competindo com outro pela liderança no acirramento. Seguramente governos ocidentais e seus militares imaginam ou tem certeza que podem vencer uma guerra nuclear com a Rússia e que os custos para sua própria população serão limitados e administráveis, compensando por ter um mundo sem a Rússia ou sem qualquer um que não se subordine ao sistema.


No sentido do processo histórico de longo prazo observamos a reconstrução da Rússia sob Putin como uma potência regional, que faz o jogo dos interesses nacionais no cenário das nações, para consolidar esta posição de autonomia e força, falta vencer uma guerra, o que foi o caso da URSS ao vencer a Grande Guerra Patriótica. Esta deve ser a meta das elites capitalistas governantes do ocidente, impedir uma Rússia forte e não subordinada ao sistema imperialista ocidental com os EUA no topo.


O jogo tem ficado cada dia mais perigoso e a névoa da guerra tende a produzir decisões baseadas em impressões confusas e respostas intempestivas em situações de pressão. Se a confrontação evoluir para eventos como o afundamento do Cruzador Moskva onde pode-se ter informações dúbias ou duvidosas, ou em meio ao tiroteio, a OTAN resolver dar o último passo em direção a guerra contra a Rússia, poderemos ver uma guerra de proporções catastróficas que terá consequências devastadoras para o hemisfério norte, muitas forças estão trabalhando para construir este cenário trágico.

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