domingo, 25 de maio de 2025

Soberania Digital no Brasil: A Soberania Política e suas Implicações

 Por: Walter Azevedo

A soberania digital é uma prática emergente, originada pela crescente importância dos dados, tecnologia e infraestruturas digitais, que são essenciais para o desenvolvimento econômico, a segurança e soberania nacional. No caso do Brasil, a soberania digital é moldada pela força dominante da classe capitalista, representada pelos grandes proprietários de empresas nacionais e multinacionais, que exercem poder sobre o Estado e a sociedade. Essa dominância define as políticas estatais sobre o tema, fazendo com que os interesses dessa classe sejam tratados como se fossem os interesses de toda a população. Este artigo analisa como a lógica do capital molda as normativas brasileiras sobre soberania digital, especialmente em relação à proteção de infraestruturas críticas, e conclui que o Estado não regulamenta a obrigatoriedade de utilização de data centers localizados no Brasil, evidenciando o interesse particular de uma pequena classe capitalista completamente subordinada ao centro do capitalismo global.





 

Parâmetros da Soberania Digital:

a) Controle sobre Dados: Proteção de dados pessoais e públicos, com a exigência de que a localização, o armazenamento e o processamento de dados sejam realizados em território nacional, sujeitos à soberania e às leis brasileiras.
b) Infraestrutura Digital: Propriedade e controle nacional sobre redes de comunicação e data centers, garantindo resiliência e segurança contra ataques cibernéticos e falhas técnicas.
c) Regulação e Legislação: Estabelecimento de leis de cibersegurança robustas, focadas em crimes cibernéticos e privacidade, e normas técnicas para o desenvolvimento, operação e segurança das tecnologias digitais.
d) Desenvolvimento Tecnológico: Fomento à inovação e pesquisa para o desenvolvimento de tecnologias nacionais e capacitação da força de trabalho.
e) Atuação Internacional: Diplomacia digital voltada para a definição de normas e padrões globais em acordos multilaterais sobre TI.

Dentro da lógica das sociedades capitalistas, o Estado brasileiro atua sob a dominância da classe capitalista. Isso se reflete na formulação de políticas públicas, na regulamentação de setores estratégicos e na priorização dos interesses empresariais sobre os da classe trabalhadora. No contexto da soberania digital, as ações estatais são moldadas para atender às demandas de grandes empresas, especialmente multinacionais, em detrimento da proteção de dados, segurança cibernética e do desenvolvimento tecnológico nacional. Isso evidencia o abandono de um projeto de desenvolvimento nacionalista por parte da classe empresarial.


Exemplos dessa dinâmica incluem:

  • Flexibilização de Normas: Tendência política para flexibilizar as regras de localização de dados e segurança cibernética.
  • Privatizações: Transferência de infraestruturas críticas, como telecomunicações e processamento de dados (vide caso CELEPAR), para o setor privado, destruindo a propriedade pública desses recursos.
  • Influência Corporativa: Lobby de grandes empresas de tecnologia, incluindo multinacionais, para moldar legislações, como a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), de forma a minimizar os impactos sobre seus negócios.

Normativas Brasileiras e a Soberania Digital

Embora o Brasil tenha um conjunto de leis e regulamentações que buscam garantir a soberania digital, essas normativas refletem a influência da classe capitalista e, em muitos casos, deixam lacunas que favorecem empresas em detrimento do interesse geral da população. Abaixo estão as principais normativas e suas limitações:

a) Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014):

  • Estabelece princípios como neutralidade da rede e privacidade de forma genérica, mas não definiu mecanismos de fiscalização nem sanções, também não impõe restrições às operações de empresas multinacionais.
  • Exige que “dados pessoais” e registros de conexão sejam armazenados no Brasil, mas permite exceções que beneficiam grandes corporações e não detalha a questão de forma eficaz.

b) Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) - Lei nº 13.709/2018:

  • Regula o tratamento de dados pessoais, mas é de caráter recomendativo, com forte influência da classe empresarial para evitar restrições mais rigorosas.
  • Permite a transferência internacional de dados sob condições flexibilizadas em benefício das empresas.
  • Exige apenas o “consentimento” do usuário, que frequentemente só tem acesso ao serviço se consentir integralmente.

c) Política Nacional de Segurança da Informação (PNSI) - Decreto nº 9.637/2018:

  • Define diretrizes para a proteção de infraestruturas críticas no âmbito da administração pública federal, mas não estabelece obrigações sobre a localização de data centers ou controle de serviços de TI por empresas estrangeiras, focando mais na segurança de dados do que na infraestrutura de TI.

d) Estratégia Nacional de Segurança Cibernética “e-Ciber” - Decreto nº 10.222/2020:

  • Promove a proteção de infraestruturas críticas, mas não aborda de forma contundente os riscos associados à dependência de tecnologias e serviços estrangeiros.
  • Não estabelece mecanismos robustos de monitoramento e avaliação da eficácia das ações estratégicas.
  • Não define claramente as responsabilidades dos órgãos reguladores nem a coordenação entre órgãos públicos.

Infraestruturas Críticas no Brasil: Definição e Normativa

As infraestruturas críticas são sistemas e ativos essenciais para o funcionamento do país, cuja interrupção ou destruição causaria impactos significativos na segurança nacional, economia, saúde ou bem-estar social. No Brasil, essas infraestruturas são regulamentadas pelo Decreto nº 9.637/2018, que estabelece diretrizes para sua proteção.

Setores considerados críticos:

  • Energia: Sistemas de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica, petróleo e gás.
  • Transportes: Redes aéreas, marítimas, ferroviárias e rodoviárias.
  • Telecomunicações: Redes de telefonia, internet e comunicação de dados.
  • Água e Saneamento: Sistemas de abastecimento de água e tratamento de esgoto.
  • Saúde: Hospitais, laboratórios e sistemas de informação em saúde.
  • Finanças: Sistema bancário, bolsas de valores e instituições financeiras.
  • Alimentação e Agricultura: Cadeias de produção e distribuição de alimentos.
  • Defesa e Segurança Pública: Sistemas de defesa nacional, polícia e inteligência.
  • Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC): Data centers, redes de comunicação e serviços de TI.

Apesar dessa definição clara, o Decreto nº 9.637/2018 não obriga que os serviços de TI utilizados por essas infraestruturas sejam providos por data centers localizados no Brasil, o que representa uma lacuna significativa na proteção da soberania digital, expondo o país a riscos de segurança, já que, caso os sistemas operem em data centers no exterior, eles podem ser desconectados ou “tomados” por uma simples decisão de governos estrangeiros em uma situação de conflito.

4. Imperialismo e Soberania Digital

Os Estados Unidos exercem sua força no âmbito digital da mesma forma que exercem sua hegemonia global. Internamente, os EUA têm uma forte normatização para proteger suas infraestruturas críticas e seu ambiente de TI, enquanto pressionam outros países a não implementarem medidas semelhantes, especialmente no que diz respeito ao controle do processamento e fluxo de dados.


 

Normatização interna nos EUA:

  • Cybersecurity Information Sharing Act (CISA): Regula o compartilhamento de informações sobre ameaças cibernéticas entre o governo e o setor privado.
  • Executive Order 13636: Promove a adoção de práticas de segurança cibernética no setor de infraestrutura crítica.
  • Federal Information Security Management Act (FISMA): Estabelece requisitos para agências federais protegerem suas informações e sistemas.

Pressão internacional – liberdade de fluxos de dados é liberdade comercial:

  • Cloud Act: Permite que autoridades americanas acessem dados armazenados por empresas de tecnologia, mesmo que estejam em servidores no exterior, pressionando outros países a não adotarem regras rígidas sobre a localização de dados.
  • Lobby contra restrições: Empresas americanas, como Amazon, Microsoft e Google, pressionam governos estrangeiros a não adotarem normas que exijam a localização de data centers ou o controle do fluxo de dados, alegando que isso prejudica o livre comércio.

Esse duplo padrão dos EUA reflete sua posição de potência global: enquanto protegem suas próprias infraestruturas críticas e dados nacionais, tentam impedir que outros países adotem medidas semelhantes, mantendo sua dominância tecnológica e econômica.

A Experiência Chinesa e o Desenvolvimento de TI

Desde a Revolução de 1949, a China tem promovido o fortalecimento da pesquisa e do desenvolvimento internos, inclusive na área de TI, desenvolvendo recursos e capacidades nacionais. O controle estatal sobre infraestruturas críticas, especialmente nas áreas de telecomunicações e TI, garante que os interesses dessas áreas estejam alinhados com os objetivos nacionais.

A China consolidou-se como uma potência digital ao implementar políticas estatais de proteção e incentivo à indústria nacional de tecnologia, refletindo a decisão e o esforço nacional voltados ao seu projeto de desenvolvimento. Esse modelo contrasta com o cenário brasileiro atual, no qual a classe capitalista abandonou qualquer projeto de desenvolvimento nacionalista.

Exemplos práticos do modelo chinês:

  • Firewall chinês: Impede que plataformas estrangeiras dominem o mercado digital interno, promovendo o crescimento de empresas nacionais como Alibaba, Tencent e Huawei.
  • Lei de Segurança Cibernética (2017): Exige que dados críticos sejam armazenados em servidores localizados na China, sob a soberania do país.
  • Investimentos em inovação: O governo chinês subsidia e fomenta empresas de TI nacionais, sejam estatais ou privadas, como Baidu e Xiaomi.

É possível que um país em desenvolvimento construa sua soberania e seu desenvolvimento no setor de TI, mas isso requer uma base social que sustente essa política.

A Lacuna Crítica: Data Centers e Infraestruturas Críticas

Algo que por fim caracteriza a soberania digital no Brasil é a ausência de normativas que obriguem o uso de data centers localizados no território nacional para prover serviços de TI a infraestruturas críticas. Essa lacuna expõe o país a riscos significativos, como:

  • Dependência tecnológica: A maioria dos serviços de TI utilizados por infraestruturas críticas é controlada por empresas estrangeiras, como Amazon Web Services (AWS), Microsoft Azure e Google Cloud.
  • Riscos à segurança nacional: A localização de dados e serviços em data centers no exterior torna o país vulnerável a espionagem, ataques cibernéticos e pressões geopolíticas.
  • Desnacionalização: Reduz os incentivos para o desenvolvimento de data centers nacionais, enfraquece a indústria local e aumenta a dependência de tecnologias estrangeiras.

Razões para essa lacuna persistir:

  • Pressão empresarial: Grandes empresas de tecnologia exercem influência sobre o Estado para evitar regulamentações que possam limitar seus negócios.
  • Falta de prioridade política: A proteção de infraestruturas críticas e a soberania digital não são tratadas como prioridades estratégicas pelo Estado.
  • Fragilidade institucional: Órgãos reguladores, como a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), demonstram omissões e fragilidades, reflexo do contexto político em que estão inseridos.

Conclusão: Soberania Digital e Poder Político

A soberania digital no Brasil está marcada pela dominação da classe capitalista, que define as ações estatais e as normativas de forma a priorizar os interesses de grandes empresas nacionais e multinacionais. A ausência de regras claras sobre a localização de data centers e o controle de serviços de TI para infraestruturas críticas expõe o país a riscos de segurança e dependência tecnológica.

A falta de normatização sobre data centers nacionais é um exemplo claro de como o Estado brasileiro atua sob a lógica do capital, rebaixando qualquer programa de soberania nacional. A soberania digital não é apenas um conceito a ser entendido e adotado, mas sim uma política determinada pela disputa de classe e pela hegemonia no campo político e econômico.

Uma política voltada para a soberania nacional se orienta pelos seguintes princípios:

  • Regular rigorosamente: Estabelecer obrigações claras para o uso de data centers localizados no Brasil para serviços de TI em infraestruturas críticas.
  • Fortalecer o controle público nacionalista: Garantir que infraestruturas críticas sejam geridas com transparência e no interesse coletivo.
  • Promover a autonomia tecnológica: Investir no desenvolvimento de tecnologias nacionais e na formação de profissionais qualificados.

Enquanto o Estado brasileiro continuar sob a dominância da classe capitalista, a soberania digital permanecerá subordinada aos interesses desta pequena classe. A luta pela soberania digital é, portanto, uma luta pela transformação revolucionária do país no interesse da classe trabalhadora. Somente uma nova formação social poderá adotar novos parâmetros de desenvolvimento e soberania.

 

Referências:

Azevedo, Walter. Como vencer na grande política: Classes sociais e suas lutas. Curitiba: Appris, 2023.

DOS SANTOS, Theotonio. A Teoria da Dependência: Balanço e Perspectivas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.

CASTELLS, Manuel. A Era da Informação: Economia, Sociedade e Cultura. 3. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000.

FUKUYAMA, Francis. A Grande Disrupção: Como a Globalização e a Tecnologia Estão Remodelando o Mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 2000.

LENIN, Vladimir Ilitch. O Imperialismo: Fase Superior do Capitalismo. São Paulo: Centauro, 2006.

LÉVY, Pierre. Cibercultura. 6. ed. São Paulo: Editora 34, 1999.

MARINI, Ruy Mauro. Dialética da Dependência. 4. ed. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2011.

MURRAY, Alexander. A Revolução Digital e a Soberania Nacional: Implicações para o Brasil. Rio de Janeiro: Editora UnB, 2015.

SOUSA, Sérgio. Política Digital: O Poder dos Dados e o Controle do Estado. São Paulo: Editora FGV, 2017.

SINGER, Peter. A Ética Hacker: A Revolução das Tecnologias e os Limites do Mercado. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2006.

ZUBOFF, Shoshana. A Idade do Capitalismo de Vigilância: A Luta pela Nossa Liberdade no Novo Mundo Digital. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2019.

Ciência e Classe Social: o Aquecimento Terrestre

 Por Walter Azevedo

A guerra de classes mundial vez por outra gera um novo ciclo de ameaças, algumas reais outras imaginárias e sempre teremos que lidar com elas, seus motivos e suas consequências.

 


A maior ameaça real continua sendo a possibilidade de uma guerra nuclear pois em 2020 se contam 13.400 ogivas nucleares disponíveis pelo mundo, sendo que 92% delas com EUA e Rússia [1]. Este arsenal já chegou a impressionante montanha de 60.000 ogivas ao fim dos anos 80 do século passado, impressiona como a ciência e a geopolítica podem nos levar longe...

Neste início de século XXI a quantidade de ciência e conhecimento e recursos acumulado é quase inacreditável, a capacidade de produzir bens atingiu um nível que poderia ultrapassar as necessidade da totalidade dos 6 bilhões de seres viventes neste planeta.

A humanidade não se constitui um ente uno e integrado, a segmentação e a distância entre tem a propriedade dos recursos e a maior parte daqueles que tem apenas sua força de trabalho é tão chocante quanto as conquistas civilizacionais em ilustração e meios técnicos.

Ou seja, não é a ciência ou a tecnologia que define o processo histórico, mas sim a política, a dominância social e sua interação com a estrutura produtiva.

Ganha força um movimento político contemporâneo relacionado à ecologia, desde meados do século passado os temas da biosfera, sua sustentabilidade, seus desequilíbrios e qualidade da interação humana e suas consequências são elementos que impulsionam novas abordagem sociais. São dois polos desta nova ideologia, a ideia de mundo integrado e a da ameaça humana à biosfera.

A realidade de eventos destrutivos ao meio ambiente mensuráveis a nível local em diversos países do mundo é um fato, ao mesmo tempo a identificação de desequilíbrios globais que atinjam toda a biosfera é uma questão em aberto.

Mesmo em 2020 com o evento da pandemia global de um coronarivus, a “Covid-19”, que em casos graves produz uma crise sistêmica e um forte acometimento pulmonar e que chega a levar a óbito por volta de 2% dos infectados, não apresenta nenhuma evidência de estar vinculada com qualquer desequilíbrio na biosfera, a pandemia está relacionada aos ciclos comuns de desenvolvimento natural de patógenos humanos.

Mas surge no final do século XX uma nova formulação teórica relacionada ao clima terrestre que tem despertado a mobilização social ao redor do mundo, com grandes implicações nas sociedades e nos relacionamentos entre países.

Primeiramente seria interessante notar que toda esta preocupação e o cuidado com o ecossistema não incorpora o mesmo cuidado com um relevante componente deste ecossistema, o ser humano, inclusive com cerca de um bilhão de seres humanos que não conseguem o mínimo para sair de uma situação de miséria. Em realidade não é interessante mas sim absolutamente coerente e não por acaso são as mesmas forças promotoras do dito neoliberalismo que também participam da promoção esta agenda ecoambientalista.

O debate e a relevância da natureza não é algo que surgiu neste nosso tempo, sempre existe uma história. Os pré-socráticos já se dedicavam a identificar o que era e como funcionava a natureza, a cosmologia dos estoicos é um exemplo disto. Na modernidade a visão acerca da relação entre o social e a natureza é presente em Friedrich Engels em “Dialética da Natureza”: “Nós não dominamos a natureza como um conquistador que apossou-se de um povo estrangeiro; não a dominamos como estranhos; nós dependemos dela como carne, sangue e cérebro, estamos situados dentro dela” [2]

Teóricos aristocráticos também se debruçaram sobre a natureza, como Darwin e Malthus, o darwinismo social, a eugenia e a tese do “desastre da superpopulação” foram alguns dos seus legados.

As hipóteses ecológicas de alcance global pela impossibilidade de isolamento de todas as variáveis em um ambiente de regularidade total, têm limitações para serem confirmadas de forma consistente, estas áreas do conhecimento têm que ser tratadas com aproximações ou interpretações críticas.

E na hipótese de que não há definição absoluta do processo biológico global então estabelece-se uma disputa de abordagens e narrativas e a disputa sobre determinante recai sobre as mesmas grandes estruturas sociais em conflito.

 Lorenzo Carrasco descreve o fundamento filosófico deste idealismo ambientalista:

O cerne, a ideologia ambientalista, baseada no conceito do biocentrismo, considera o ser humano como apenas mais uma entre as milhões de espécies da biosfera terrestre, ou seja, o rebaixa ao nível dos demais seres vivos e lhe nega qualquer primazia de um papel protagonista no presente estágio da evolução universal. Com isso, em uma insidiosa inversão de valores, o ambientalismo transforma o meio ambiente em uma entidade de direito próprio e condiciona o progresso e o bem-estar das comunidades humanas a um conjunto de requisitos para a “proteção” do mesmo, geralmente definidos com escasso rigor científico. [3]

Enfim qual seria o grande jogo ideológico, material, político econômico e civilizacional que está sendo jogado no presente tema da ecologia? Pois tratar apenas o tema da ecologia em si e por si é uma abstração.

Temos que ter em conta o contexto, o processo histórico, as forças envolvidas e as diretrizes estratégicas destas forças.

A situação atual a nível global é o de esmagamento das margens de lucro empresarial, deixando poucos espaços para ampliação dos mercados, a situação é de limitações estruturais para a reprodução do capital. A solução em vista dos gestores do sistema seria “comer para dentro”, drenando valor dos trabalhadores de renda média e alta, fulminando os pequenos capitalistas e sugando a renda do Estado principalmente via sistema de dívida púbica. Isto não é feito por motivos de ordem moral, tipo cobiça ou sede de lucro, são simplesmente as opções objetivas para a reprodução do capital, são as saídas da classe do capital constrói para si mesma.

A supremacia dos países anglo-saxões e sua classe dominante, formada no século XIX e consolidado no século XX, consolidou-se numa predominância global anglo americana, as classes do capital dos demais países operam de um lado na concorrência e de outro na associação dependente e subordinada.

As diretrizes de classe amarram todos estes componentes, o fim de um mega ciclo econômico, manutenção do sistema do capital financeirizado, extração de riqueza do estado e do trabalho, operando cada vez menos dependente do trabalho vivo, vivendo da auto valorização do próprio capital, enfim a luta para manutenção da dominância global e consolidação de sua ideologia de perfil vitoriano.

Este é o ambiente onde desenvolveu-se este conjunto de ideias do ambientalismo, onde o homem seria apenas mais um ser sobre a terra e que teria uma existência apartada do todo, criou-se uma dicotomia ilusória de oposição entre o homem e um certo “organismo planetário”. Toda esta ideologia também tem suas origens nas ondas da contracultura e nas formulações da Nova Era Aquariana.

Esta formulação maniqueísta de que o homem é mau e destrutivo em oposição a ao planeta terra que seria um ser vivo bom e uma vítima nesta relação entre homem e natureza. Isto é uma construção ideológica e fragmentadora da visão da vida como um todo, é uma abordagem essencialmente contra a vida que propõe um sentimento de culpa para o homem na sua interação com a natureza, é uma reformulação do pecado original cristão com a consequente projeção de um futuro que seria de um apocalipse ecológico.

Esta formulação contemporânea parece defender a vida, mas constrói uma oposição entre vida humana e a vida em si, ou seja, é uma filosofia anti-vida que se opõe a pulsão de vida e a expansão da vida, negando a integração entre a vida humana e a vida planetária. É uma ideologia contrária ao que Nietzsche chamou de “vontade de potência” que por sua vez é centrada no vitalismo, onde a vida busca expandir-se, dominar, dar novos sentidos, florescer, superar a si mesma, tornar-se mais forte, querer crescer, é o movimento incessante da própria vida(Marton,1990)[4].

Para o ambientalismo moderno o desenvolvimento humano deve ser limitado e restringido pois chegou a um estágio de superpopulação com desagregação da biosfera e seus recursos, tese sem base em evidências, mas validada para ser aplicada exclusivamente sobre a classe trabalhadora que é a massa populacional.

O desenvolvimento desta tese não leva a restrição do sistema do capital, pois os negócios de base industrial têm margens de lucro comparativamente baixas, são os negócios financeirizados mais líquidos e rentáveis que são dominantes no sistema do capital. A lógica do sistema tende a apartar-se do trabalho humano, dependendo muito mais do volume de capital, da automatização, da informatização e do controle sobre o Estado. 

Esta desconexão entre o capital e o trabalho vivo é percebida pelo sistema como um problema de excesso de recursos. Se este excesso ocorre com o capital realiza-se um processo de destruição de capital, por guerras, recessões ou consolidações destrutivas. A mesma lógica do capital é então aplicada ao trabalho, já nem interessa a manutenção de um exército industrial de reserva de trabalhadores desempregados, a indústria ou produção material tende a ser minoritária e está em automatização crescente.

A necessidade de controle do desenvolvimento das forças produtivas e da economia no geral torna-se aparente desde a Revolução Russa e o fim da Primeira Guerra Mundial, os gestores do grande capital internacionalizado percebem que um desenvolvimento livre, mesmo se organizado pelo mercado, poderia levar a crises cíclicas de falta de mão de obra, valorizando o trabalho e criando cenários de instabilidade revolucionária, isto ensejou a formulação da ideologia da austeridade e das crises permanentes. Sua operação serve para justificar a restrição, manietar e controlar o desenvolvimento econômico.

Neste contexto, o sistema do capital segue seu processo e suas necessidades, gerando as soluções segundo sua lógica. O passo seguinte é a implementação de uma governança supranacional, rebaixando e submetendo a soberania dos Estados nacionais e ao mesmo tempo rebaixando a soberania do povo sobre seu Estado nacional. Isto não cria um vácuo de poder nem maior liberdade do cidadão, mas sim realiza a expansão do poder de instituições de caráter privado acima dos Estados.

Este sistema de governança supra nacional toma forma na criação de agências internacionais semelhantes ao BIS - Bank for International Settlements que é uma organização de “direito privado”, autônoma dos governos e soberanias nacionais, construída e dominada pela classe capitalista transnacional.

O objeto deste tipo de agência é a “soberania”, cada uma delas com um seguimento específico de atuação, uma agência para as finanças o “BIS”, outra para o comércio internacional, a  “OMC”, outra para a ecologia(COP 27) etc. Este sistema normatizador e regulatório reduz a soberania dos Estados nacionais, impedindo projetos nacionais de desenvolvimento ou quaisquer políticas soberanas que passem dos limites impostos pelo sistema de arranjos internacionais.

Estes acordos internacionais nada têm de benéficos ou benévolos em si, são o resultado de tremendas disputas entre países, onde vale a lei do mais forte, ademais de serem a consolidação do poder das classes que estão no poder de cada país, e mais especificamente desta nova superclasse transnacional.

Mas enfim quem terá o mando, poder ou a soberania sobre estas “agências”? Será a mesma classe dominante dos países, ou seja, a classe do capital não terá perda de poder nenhum, quem perde é a classe do trabalho e sua soberania sobre seu Estado Nacional.

A implantação deste sistema globalizante segue de forma lenta, segura e gradual inclusive com ações e normas de cunho humanista e aparentemente progressistas, pois o sistema precisa legitimar-se e ainda está em fase de construção. Tem que parecer benéfico enquanto drena a soberania dos Estados nacionais o que é seu fim último.

O ecologismo se insere no contexto deste sistema supranacional, com um agravante, trata de exercer controle sobre os próprios processos da vida, a reprodução e expansão da vida humana.

O meio para atingir estes fins é utilizar uma “tática ônibus” para embarcar a proposta da formação de uma agência de controle internacional do ecossistema para prevenir os efeitos do destino supostamente trágico do aquecimento terrestre atribuído ao CO2(dióxido de carbono) emitido pelo homem.

Neste processo o esquerdismo anticapitalista e ecologismo anti-desenvolvimento humano associado ao medo disseminado de um possível desastre na biosfera são cavalgados pela classe do capital financeiro no intento de estabelecimento do controle sobre emissões de CO2, o qual significa o controle de toda a atividade humana pois tudo o que fazemos e produzimos emite CO2

Isto é apenas mais um exemplo de uma diretriz de cunho político condicionando todo um ramo da ciência acadêmica, influenciando o senso comum para atingir objetivos econômicos e sociais a nível global.

O clima e suas circunstâncias:


O clima terrestre é derivado de um grande sistema que envolve os oceanos, a atmosfera e a energia recebida do sol, os processos de transformação de energia e irradiação para o espaço. Toda esta uma massa gigante de elementos responde de forma lenta as influências e sempre tiveram seu ciclo natural autônomo, ciclos são processos que afetam toda a natureza e o grande circuito sobre determinante são as órbitas celestes e os ciclos solares.


O cientista soviético Milankovitch os efeitos climáticos dos ciclos orbitais, os quais fazem com que a radiação solar alterne sua incidência em cada hemisfério terrestre, em cada polo do ciclo orbital e dos movimentos planetários acentua a intensidade de verões e invernos.

Os fatores físicos orbitais que levam a estas alternâncias de intensidades de energia incidente no globo provenientes do sol são:

· Precessão dos equinócios, a cada 26000 anos

· Excentricidade orbital, que faz com que a órbita terrestre em relação ao sol alterne em uma trajetória mais alongada ou mais circular

· Inclinação do eixo terrestre que também varia em intervalos regulares



Também existem fatores de mais curto prazo, mas que também alteram o processo de recepção e transformação energética global

· Ciclos de manchas solares a cada 12 anos

· Cinzas de atividade vulcânica

· Oscilações nas correntes no Pacífico – El niño

Todas estas evidências materiais já foram mapeadas à décadas e explicam as variações climáticas e seus ciclos naturais, são elementos já tomados como ciência básica sedimentada.

Eis que no final do século XX uma nova tese começa a ser proposta é fortemente propagandeada, de que o clima terrestre seria influenciado principalmente pelo nível de CO2 emitido pelas atividades humanas. Esta tese nunca foi consistentemente provada, à semelhança da falta de comprovação da tese do desastre populacional malthusiano.

O interessante é que esta tese nunca passou para o estado de teoria por falta de evidências, mesmo com bilhões de dólares aplicados para prová-la e milhares de pesquisas financiadas para desenvolver as hipóteses aquecimentistas.

Isto não impediu que o argumento aquecimentista tomasse várias formas desde que foi proposta, primeiro que o CO2 era o responsável direto pelo aquecimento terrestre, depois que apenas contribuía para o aumento da temperatura, depois que fazia apenas alterações para mais e para menos e ao fim assume-se que não há evidência conclusiva da tese do CO2 humano como agente do clima terrestre, apenas a possibilidade de sua relevância.

Mas todo este sofrido processo de discussão teórico-acadêmico e social não surgiu e foi amplificado do nada, a agenda política de um sistema global de governança climático é que é o motor desta tese aquecimentista.

Note-se que esta tese foi gestada em instituições do Reino Unido, principalmente o IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change) e adotado por corporações, partidos e países e promovido com maciças campanhas de propaganda, mesmo com estudos e conclusões sendo rotineiramente contestados e até desmascarados por manipulação objetiva.

Mesmo os relatórios do IPCC apontam com segurança que existe um “efeito estufa natural” e o vapor d’água é o principal gás que produz este efeito, ademais indica que ”Não há evidências firmes de que o clima tenha se tornado mais variável nas últimas décadas” e ao fim no próprio relatório comentam pressionados pelas exigências do realismo científico: “Existem muitas incertezas em nossas previsões particularmente no que diz respeito ao momento, magnitude e padrões regionais de mudança climática, devido à nossa compreensão incompleta” de vários fatores.” [5]

Retornando a questão do CO2 antropogênico, é obrigatório notar que todas as atividades humanas emitem CO2 e assim uma instituição de normatização, controle e tributação do CO2 terá poder sobre tudo o que se faz sobre a terra, é um poder desmensurado, o poder sobre a vida humana e seu desenvolvimento.

A base racional do controle do CO2 é a de que a emissão deste gás é proporcional a população humana, quanto maior a população maior a emissão, esta relação é direta. Este paradigma faz conexão direta com a situação de excesso de recursos humanos identificada pelo sistema do capital em sua ideologia Malthusiana.

Este estratagema de clima/CO2 é apenas mais um exemplo do sistema de poder internacional operando com suas determinações de classe social. Hoje foi fabricada esta tese esdrúxula de aquecimento artificial, amanhã será outro tema, outra abordagem, mas o regime e os objetivos serão os mesmos, construir um novo polo de soberania tão distante da classe trabalhadora e suas nações como a terra está do sol.

  

Referências:

ALTHUSSER, Louis. Ideologia e aparelhos ideológicos de Estado. 2. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1985.


ANGUS, Ian; BUTLER, Simon. O mito da superpopulação: por que a crise ecológica não é culpa dos pobres. São Paulo: Elefante, 2021.

AZEVEDO, Walter. Como vencer na grande política: classes sociais e suas lutas. Curitiba: Appris, 2023.

CARRASCO, Lorenzo. Máfia verde: o ambientalismo a serviço do governo mundial. São Paulo: Capax Dei Editora, 2017.

CLIMATE CHANGE. The IPCC scientific assessment. Cambridge: Cambridge University Press, 1990.

ENGELS, Friedrich. Dialética da natureza. Rio de Janeiro: Editora Leitura, 1968.

LENIN, Vladimir Ilitch. O que fazer? Problemas candentes de nosso movimento. São Paulo: Centauro, 2005.

LUKÁCS, Georg. História e consciência de classe. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

MALTHUS, Thomas. Ensaio sobre o princípio da população. São Paulo: Abril Cultural, 1983. (Coleção Os Pensadores)

MARTON, Scarlett. A constituição cosmológica: vontade de potência, vida e forças. In: ______. Nietzsche: das forças cósmicas aos valores humanos. São Paulo: Brasiliense, 1990. p. 29-66.

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. São Paulo: Boitempo, 2010.

SIPRI YEARBOOK 2020. Chapter 10. 2020. Disponível em: https://www.sipri.org/sites/default/files/YB20%2010%20WNF.pdf. Acesso em: 25 maio 2025.



[1] SIPRI Yearbook 2020. cap. 10. 2020  URL: https://www.sipri.org/sites/default/files/YB20%2010%20WNF.pdf

[2] ENGELS, F. Dialética da Natureza. Editora Leitura, 1968

[3] CARRASCO, Lorenzo. Máfia Verde: O Ambientalismo a Serviço do Governo Mundial. Capax Dei Editora. 2017

[4] MARTON, Scarlett. A Constituição cosmológica: Vontade de Potência, Vida e Forças. In: Nietzsche das Forças Cósmicas aos Valores Humanos. Editora Brasiliense, São Paulo: 1990. pp. 29 – 66.

[5] Climate Change. The IPCC Scientific assessment. Cambridge: Cambridge University Press. 1990.

Cultura Revolucionária para a Classe Trabalhadora

 Por Walter Azevedo

A cultura de um povo se constrói como resultado de múltiplas influências em um processo histórico que tem a complexidade da vida em um fluxo dialético de afirmações e negações que e se consolida por aquilo que por fim se estabelece no concreto pelas relações de força imanentes a sociedade e nunca cessa de gerar coisas novas e reforçar as coisas antigas, a dinâmica da transformação é o que permanece.


O conjunto de fatores incidentes no processo cultural está sujeita a determinações que existem e também são dinâmicas, a hierarquia das influências são levantadas e ultrapassadas, rebaixadas e supra sumidas. O reforço dos valores e práticas culturais é algo presente, assim como o novo ou sui generis sempre surge restabelecendo inovações e vanguardas revolucionárias.

Os embates intestinos na cultura de uma sociedade não permitem garantir a resultante nas artes ou nos processos histórico e políticos, as determinações existem, assim como a possibilidade do novo, do inusitado e da inovação.

A história é determinada pelas classes sociais, seus enfrentamentos e suas dominâncias e tudo isto se reflete na cultura da sociedade, na sua produção artística, nos gostos, na produção literária, nas artes visuais, na música e na cultura do dia a dia das pessoas e comunidades. Esta determinação constrói um senso comum cultural que é repetido e percebido como algo natural e tomado como um gosto, opção ou práticas normais e correntes.

O desenvolvimento do sistema do capital há tempo já chegou ao estágio de internacionalização, é o imperialismo como fase superior do capitalismo na definição de Lênin, o que traz novas determinações, as necessidades do movimento do capital a nível global conduzem a um cenário onde os fluxos culturais refletem a força destes capitais, com a internacionalização da cultura com base na cultura dos países centrais do capitalismo e sua classe dominante.

A cultura é e vai continuar sendo a resultante de diversas influências e ao fim e ao cabo acaba por se estabelecer no concreto das sociedades, e assim o que importa é a cultura realmente existente, aquilo que se tornou prática cultural nas massas, nas comunidades e nos nichos, a cultura é uma relação social, dinâmica, que determina e é determinada pelas condições históricas objetivas.

Ao fim pouco importa as influências que construíram a cultura de massas, a cultura dominante ou o senso comum cultural, pois, isto é, apena uma explicação de um processo passado, o novo sempre está no devir, o relevante é qual a transformação que queremos realizar, qual a influência que cabe a classe trabalhadora construir, fomentar, desenvolver e tornar realidade material ao se disseminar pelas massas.

A tentativa de identificar o que seria uma cultura verdadeira, ou nacional, proletária ou de raiz não passa de um idealismo e um movimento de identitarismo cultural, que não vem mais do que reforçar o senso comum de um bucolismo idílico onde o que um dia brotou na sociedade, refletindo as influências de sua época, seria algo de um caráter e qualidades superiores e estas práticas conduziriam a um novo tipo de consciência e de valorização da nacionalidade ou de alguma qualidade ou experiência necessária.

Bem a história demonstra o contrário, pois estas práticas, mesmo dominantes no passado, não produziram mais que reforçar o senso comum, a prática política dominante e a manutenção das estruturas de poder de classe onde estas práticas culturais se desenvolveram. E ainda que elementos de revolta ou crítica tenham existido, estes mesmos foram absorvidos e incorporados ao sistema. O nacionalismo e o liberalismo burguês estão amarrados a um idealismo conservador e compõe o liberalismo de esquerda, uma atitude subordinada

Já em 1902 Lênin já apontou as limitações do espontaneísmo da classe trabalhadora em ir adiante do senso comum das pequenas melhorias e a evolução de sua vida. Valorizar o espontâneo, ainda que nacional ou popular, não traz por si um avanço, tende a reforçar o senso comum sob hegemonia da classe dominante. Do meio do povo podem surgir forças e manifestações de revolta, de crítica e de confronto à ordem dominante, o que, aliás sempre acontece, este é um processo corriqueiro, mas a passagem qualitativa deste para um movimento contra a ordem de cunho classista revolucionário não surge como decorrência do espontâneo cultural.

O caldo de cultura popular pode ser um componente de um processo revolucionário, mas isto depende de um acumulado de manifestações, sejam espontâneas sejam fomentadas que devem ser consolidadas por uma ação de cunho tático e estratégico consciente e ativo de um organismo de classe que tenha objetivo de transformação revolucionária.

Importante entender o papel da indústria cultural como uma das operações do sistema do capital onde se estabelecem empresas que operam no mercado das demandas e necessidades culturais da sociedade. Esta indústria cultural é o principal meio de geração e disseminação cultural, alcança todos os tipos e setores, desde o literário, musical, vídeos, etc.

A indústria cultural capitalista é por onde flui a cultura dentro do sistema do capital em sua fase imperialista, opera fornecendo a massa da população os produtos e serviços da cultura, empregam milhares de trabalhadores e produtores de cultura e viabilizam os artistas a promover e disseminar sua arte para o seu público. A indústria cultural cumpre também o papel de produção/circulação ou de forças produtivas sociais essenciais, Marx chamou de meios de produção espiritual.

A classe empresarial da cultura opera este negócio como qualquer outro, tanto no aspecto econômico quanto no âmbito da política, onde o negócio tem que prover a reprodução do capital quanto servir como suporte político do sistema, constituindo-se em um instrumento de hegemonia cultural classista.

Dentro de todo este contexto fica vazio de significado o conceito de liberdade do artista ou do autor, a montanha de influências ostensivas ou subliminares que perpassam todo o ambiente de produção cultural, além das necessidades materiais objetivas dos autores, produtores, profissionais envolvidos e negócios amarrados em uma grande teia de relações sociais relegam uma pretensa liberdade autoral ao reino do idealismo, é um desejo infantil.

A formulação da existência ou necessidade de liberdade autoral é fruto de uma ideologia específica, o liberalismo burguês, base do pensamento da classe do capital que proclama a liberdade e opera de forma sistemática e direcionada toda a indústria cultural e os demais instrumentos culturais do Estado, das escolas, das igrejas dos meios de comunicação e do que mais houver.

 

A dialética concreta entre a classe trabalhadora que produz e consome cultura e a classe do capital que é proprietária da indústria cultural. A classe dominante seleciona, impulsiona, dissemina o que mais lhe convêm do ponto de vista comercial, cultural e político e bloqueia, oculta, inviabiliza e invisibiliza o que não lhe convêm.

A indústria cultural como meio de produção provê de um lado o ambiente e condições para autores e profissionais da cultura e de outro o acesso à cultura as massas. A disputa está ao nível de classe, qual a classe que tem o domínio sobre a sociedade e os meios de produção, a Revolução Brasileira é para enfrentar e vencer esta disputa sobre determinante acerca da cultura e todo o demais.

A decisão de fundo é eminentemente política e assim, realizar ataques ou críticas a milhões de pessoas da classe trabalhadora por seu gosto cultural legítimo e fruto de suas circunstâncias, de seu ambiente e de múltiplas influências, principalmente os mecanismos da classe dominante, é incongruente com o objetivo político de agregar a classe para perceber a si e passe a agir também para si mesma entrando em embate com o capital.

Para um partido da classe trabalhadora atingir objetivos de formação de consciência e identidade de classe, união de classe e ação classista, cabe uma ação cultural afirmativa que fomente, divulgue e multiplique elementos culturais que reforcem os valores revolucionários da classe trabalhadora, sua identidade, uma atitude de luta, de agregação de forças, da busca do novo, da solidariedade de classe, do espírito de disputa com o capital, enfim, apresentar a luta concreta da vida, seus dramas e nossa solução política, isto só é possível e efetivo se falar e sintonizar com questões reais da vida e o universo cultural do nosso público, a nossa classe trabalhadora.

Uma nova cultura surgirá com o estabelecimento de novas relações sociais que sejam alicerçadas em uma nova identidade, a identidade da classe do trabalho engajada no movimento de forças da vida.

 

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