Larissa Ramina e Carol Proner
A crise econômica desnuda a ausência de perspectiva da política neoliberal de desregulamentação, da extensão do mercado e da privatização de importantes pilares do modelo social na Europa, afundado em uma grave crise de legitimidade. A paisagem social européia já não é mais a mesma.
Há menos de uma década, a integração européia era considerada como modelo a ser seguido por outros processos de integração, não apenas por representar uma trama exitosa de instituições construídas por meio do respeito às diversidades econômicas e estruturais dos Estados membros, mas também pela lição de experiência democrática e de exercício e respeito aos direitos humanos.
Curiosamente, hoje o Brasil assiste à crise européia, que tem origens nos EUA em 2008, a partir da privilegiada posição de "grande potência mundial", conforme afirmou a líder da extrema direita francesa Marine Le Pen, e que, segundo ela, mesmo sob um governo de esquerda obteve êxito, por não estar sob a tutela política dos EUA. De outro lado, alguns governos europeus têm se queixado das tutelas e condicionalidades políticas e econômicas que eles próprios se impuseram, que vão desde o regime de distribuição de competências nacionais e comunitárias, passando por um sistema de fronteiras abertas a partir do acordo Schengen, e chegando àquelas impostas pela adoção do sistema Euro que os fazem impotentes diante da guerra cambial entre China e EUA. A Europa deixa de ser a protagonista da integração bem sucedida, e amarga os efeitos dos caminhos vistos atualmente como equivocados.
A crise econômica e principalmente "as saídas neoliberais para a crise neoliberal", tem derrubado outros mitos, como o da Europa dos direitos. O princípio da progressividade em matéria de direitos sociais deve ser entendido como a proibição de adoção de políticas capazes de fazer regredir o patamar daqueles direitos já conquistados. A Europa em crise ignorou este princípio basilar e mostrou que é capaz de desconstruir o compromisso do pacto social a partir de um discurso também em nome dos direitos humanos, porém restritos aos cidadãos europeus, exacerbando a volta dos nacionalismos de extrema direita.
Os recentes movimentos de manifestação dos "indignados" na Espanha e na França, contaminados pela primavera árabe, mesmo dentro da complexidade que supõe a análise de movimentos sociais de grande extensão, foram capazes de anunciar o fracasso do modelo de democracia vigente. Por outro lado, a indignação diante do desmonte do Estado do Bem-estar social pela política econômica executada pelos partidos tradicionais – de esquerda ou direita - se reflete na busca por alternativas, levando apoio à extrema direita, que justifica a proteção dos direitos humanos exacerbando a xenofobia e a intolerância. Marine Le Pen dispensa pudores ao defender a "preferência nacional", ou seja, a prioridade de acesso ao emprego e às moradias sociais para os nacionais franceses.
No contexto da crise mundial, a Europa aparece como um projeto elitista. A própria União Européia nasce sob o signo da celebração da globalização e suas promessas de desenvolvimento e cidadania. Desde o início, o processo constitucional europeu não esteve apoiado em uma diretriz de integração política e social. Os déficits democráticos são alarmantes, a militarização da política externa evidenciada nas guerras imperialistas da Otan é flagrante. A crise econômica desnuda a ausência de perspectiva da política neoliberal de desregulamentação, da extensão do mercado e da privatização de importantes pilares do modelo social na Europa, afundado em uma grave crise de legitimidade.
O Estado do Bem-estar social europeu, ao que parece, está sucumbindo lado à lado com a incapacidade das esquerdas tradicionais europeias de resistir à supremacia da lógica dos mercados financeiros. É claro que aqueles partidos adotaram, quando chegaram ao poder, as receitas neoliberais. A crise do capitalismo global não se restringe, portanto, ao aspecto econômico e político. Ao contrário, evidencia também uma crise ideológica resultante da incapacidade de percepção dos cidadãos em relação ao desmonte de seus direitos em prol do capitalismo financeiro das últimas décadas, negando com veemência as promessas civilizatórias de bem-estar social e empregabilidade anteriormente construídas. A paisagem social européia, sem dúvida, já não é mais a mesma.
(*) Carol Proner e Larissa Ramina são Doutoras em Direito, Professoras do Programa de Mestrado em Direitos Fundamentais e Democracia da UniBrasil.
Link:
http://www.cartamaior.com.br/templates/analiseMostrar.cfm?coluna_id=5083
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A crise econômica desnuda a ausência de perspectiva da política neoliberal de desregulamentação, da extensão do mercado e da privatização de importantes pilares do modelo social na Europa, afundado em uma grave crise de legitimidade. A paisagem social européia já não é mais a mesma.
Há menos de uma década, a integração européia era considerada como modelo a ser seguido por outros processos de integração, não apenas por representar uma trama exitosa de instituições construídas por meio do respeito às diversidades econômicas e estruturais dos Estados membros, mas também pela lição de experiência democrática e de exercício e respeito aos direitos humanos.
Curiosamente, hoje o Brasil assiste à crise européia, que tem origens nos EUA em 2008, a partir da privilegiada posição de "grande potência mundial", conforme afirmou a líder da extrema direita francesa Marine Le Pen, e que, segundo ela, mesmo sob um governo de esquerda obteve êxito, por não estar sob a tutela política dos EUA. De outro lado, alguns governos europeus têm se queixado das tutelas e condicionalidades políticas e econômicas que eles próprios se impuseram, que vão desde o regime de distribuição de competências nacionais e comunitárias, passando por um sistema de fronteiras abertas a partir do acordo Schengen, e chegando àquelas impostas pela adoção do sistema Euro que os fazem impotentes diante da guerra cambial entre China e EUA. A Europa deixa de ser a protagonista da integração bem sucedida, e amarga os efeitos dos caminhos vistos atualmente como equivocados.
A crise econômica e principalmente "as saídas neoliberais para a crise neoliberal", tem derrubado outros mitos, como o da Europa dos direitos. O princípio da progressividade em matéria de direitos sociais deve ser entendido como a proibição de adoção de políticas capazes de fazer regredir o patamar daqueles direitos já conquistados. A Europa em crise ignorou este princípio basilar e mostrou que é capaz de desconstruir o compromisso do pacto social a partir de um discurso também em nome dos direitos humanos, porém restritos aos cidadãos europeus, exacerbando a volta dos nacionalismos de extrema direita.
Os recentes movimentos de manifestação dos "indignados" na Espanha e na França, contaminados pela primavera árabe, mesmo dentro da complexidade que supõe a análise de movimentos sociais de grande extensão, foram capazes de anunciar o fracasso do modelo de democracia vigente. Por outro lado, a indignação diante do desmonte do Estado do Bem-estar social pela política econômica executada pelos partidos tradicionais – de esquerda ou direita - se reflete na busca por alternativas, levando apoio à extrema direita, que justifica a proteção dos direitos humanos exacerbando a xenofobia e a intolerância. Marine Le Pen dispensa pudores ao defender a "preferência nacional", ou seja, a prioridade de acesso ao emprego e às moradias sociais para os nacionais franceses.
No contexto da crise mundial, a Europa aparece como um projeto elitista. A própria União Européia nasce sob o signo da celebração da globalização e suas promessas de desenvolvimento e cidadania. Desde o início, o processo constitucional europeu não esteve apoiado em uma diretriz de integração política e social. Os déficits democráticos são alarmantes, a militarização da política externa evidenciada nas guerras imperialistas da Otan é flagrante. A crise econômica desnuda a ausência de perspectiva da política neoliberal de desregulamentação, da extensão do mercado e da privatização de importantes pilares do modelo social na Europa, afundado em uma grave crise de legitimidade.
O Estado do Bem-estar social europeu, ao que parece, está sucumbindo lado à lado com a incapacidade das esquerdas tradicionais europeias de resistir à supremacia da lógica dos mercados financeiros. É claro que aqueles partidos adotaram, quando chegaram ao poder, as receitas neoliberais. A crise do capitalismo global não se restringe, portanto, ao aspecto econômico e político. Ao contrário, evidencia também uma crise ideológica resultante da incapacidade de percepção dos cidadãos em relação ao desmonte de seus direitos em prol do capitalismo financeiro das últimas décadas, negando com veemência as promessas civilizatórias de bem-estar social e empregabilidade anteriormente construídas. A paisagem social européia, sem dúvida, já não é mais a mesma.
(*) Carol Proner e Larissa Ramina são Doutoras em Direito, Professoras do Programa de Mestrado em Direitos Fundamentais e Democracia da UniBrasil.
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