sexta-feira, 10 de junho de 2011

O que é prioridade a educação

À Profª Amanda Gurgel, em memória de Leonel Brizola

 Do Blog Marilda Campos 

Ciep Luiz Carlos Prestes - Cidade de Deus 
A Profª Amanda Gurgel que, semanas atrás, em vídeo postado no youtube emocionou os brasileiros com seu desabafo pleno de consciência cidadã, impressionou pela objetividade desconcertante com que apontou os problemas crônicos que assolam a educação pública em nosso país. Ela só errou ao generalizar na afirmação de que nenhum governo em nenhum estado jamais priorizou a Educação no Brasil.

Para que a verdade seja restabelecida, é necessário esclarecer que houve, sim, no Rio de Janeiro, um governo que priorizou a Educação.

Em 1983, com a posse de Leonel Brizola como primeiro governador eleito depois da ditadura militar, foi desenvolvido o Programa Especial de Educação, materializado nos Centros Integrados de Educação Pública, os Cieps, com a coordenação do Prof. Darcy Ribeiro.

Sob inspiração do mestre Anísio Teixeira, a equipe organizada por Darcy Ribeiro formatou os Cieps. Eram escolas com horário integral, aulas de reposição, biblioteca, esportes,  atividades de cultura a cargo dos animadores culturais. As crianças faziam quatro refeições diárias e tomavam banho antes da volta para casa. Os Cieps tinham ainda residência para vinte crianças carentes, com pais substitutos.

Nos prédios havia cozinha industrial, gabinete médico-odontológico, quadra de esportes e, alguns, piscina. Os professores tinham programas de atualização, formação continuada e os materiais pedagógico e didático eram da melhor qualidade. As merendeiras eram concursadas e passavam por treinamento antes de assumir. As turmas tinham 20 crianças nas séries iniciais e até, no máximo, 30 nas turmas de 5ª a 8ª séries.

Muitos Cieps tornaram-se ponto de convergência das comunidades em que estavam localizados e nos finais de semana havia atividades de entretenimento para os alunos e seus familiares. Em muitas unidades, festas de casamento, quinze anos, batizados, posse de associações de moradores e outros eventos aconteciam em suas dependências. Era o início do conceito difundido hoje em todo o país como "escolas de paz".

O projeto era tão avançado que imediatamente gerou um ódio irracional em setores da grande imprensa e em segmentos da sociedade que, inconformados com todo aquele investimento em educação pública, começaram uma campanha mesquinha, contínua, incansável para desacreditar os Cieps junto à população.

O ódio era tanto que houve quem falasse e escrevesse - sem o menor pudor - editoriais, colunas e cartas acusando os Cieps de serem caros demais; que escola não precisava de prédio especial; que escola podia funcionar em qualquer lugar, até embaixo de uma árvore; que escola não era hotel; que escola não era restaurante; que os alunos dos Cieps eram marginais; que crianças pobres não podiam estudar em horário integral, pois tinham que trabalhar para ajudar os pais, e outros absurdos mais.

Nesse período, o governo Leonel Brizola investiu também na melhoria salarial do magistério, aprovando um plano de carreira que partia de três salários mínimos e meio (R$ 1907,50 em valores atuais), dividido em nove níveis, com 12% de acréscimo entre os níveis, o que significaria, hoje, um salário de R$ 4.722,90, no nível 9. O salário inicial de um professor com curso superior (nível 3) seria de R$ 2.392,77 em valores de hoje. Some-se a isso o valor dos triênios, 5% a cada três anos, com o máximo de 60%. Portanto, início e final de carreira dignos.

Na época não havia reeleição. O Prof. Darcy Ribeiro, candidato à sucessão de Leonel Brizola, perdeu as eleições para Moreira Franco. Empossado, Moreira não perdeu tempo: extinguiu o Programa Especial de Educação e desmantelou os Cieps. Muitos viraram sedes de juizados, batalhões, prefeituras no interior. Houve um que, abandonado, chegou a abrigar um estábulo da Polícia Militar.

Quando Leonel Brizola assumiu o governo novamente em 1991, retomou o Programa e concluiu a construção dos 500 Cieps previstos no primeiro governo.

Eu tive a honra de integrar a equipe do Prof. Darcy Ribeiro. A mim, coube presidir a implantação do Ciep Avenida dos Desfiles, no Sambódromo, e, nessa condição, acompanhei desde o início a construção da obra de Oscar Niemeyer.

Pude então testemunhar a campanha odiosa de setores da imprensa contra o projeto. Todos os dias saíam matérias que diziam que a obra não ficaria pronta para o carnaval de 1984. Se ficasse, a estrutura desabaria. Se não desabasse, não iria funcionar como escola. Se funcionasse, não teria horário integral.

A cada vaticínio, a resposta vinha com o cumprimento do cronograma de cada nova etapa do projeto. Lá permaneci por dois anos. Quando deixei a direção geral do complexo, no final de 1985, havia seis mil alunos matriculados: do pré-escolar, a partir dos três anos, ao então segundo grau, pois no Avenida dos Desfiles a proposta era a de integração entre todos os níveis da educação fundamental e média.

Ao assumir o governo em 1995, Marcello Alencar, que deixara o PDT que fundara ao lado de Brizola e ingressara no PSDB, deu as costas à sua própria história e, a exemplo de Moreira Franco, além de promover a destruição dos Cieps, ignorou o plano de carreira, impondo aos professores fluminenses uma perda salarial da qual, passados dezessete anos, ainda não conseguimos nos recuperar, apesar da vitória na Justiça, em 2001, da ação movida pela União dos Professores Públicos no Estado - Uppes contra o governo fluminense.

Lamentavelmente, nos dois momentos em que os Cieps foram atacados de forma vil, a sociedade não estava organizada o suficiente para defender essa conquista e os professores, divididos por disputas político-partidárias, foram incapazes de se unir para evitar a derrocada.

Para mim, o maior crime praticado contra a população por esses maus governantes foi não terem permitido a nenhuma geração se formar pelos Cieps. E isto ainda hoje me dói, é um fato que não consigo aceitar. Tal violência deveria ser considerada crime de lesa-humanidade e seus autores levados a um tribunal para sentarem-se no banco dos réus. A esses, espero, resta ainda o julgamento da História.


Governador Leonel Brizola

À jovem Profª Amanda Gurgel, que renova nossas esperanças nesta profissão por  sua consciência do que deveria ser a bandeira maior de uma sociedade em desenvolvimento, posso hoje dizer que, apesar dessa derrota, a causa não foi totalmente perdida porque o sonho que vivemos no Rio de Janeiro com Leonel Brizola e Darcy Ribeiro se disseminou pelo país.

Hoje, horário integral e escola digna são pauta de qualquer partido político. Até o mais reacionário representante do mais conservador partido brasileiro não tem coragem de se colocar contrário a esse modelo de escola. Pelo menos não mais em público como há 28 anos.
Marilda Campos 


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